Como profissão do desenvolvimento por excelência, a engenharia é fortemente afetada em momentos de crise, como o atual. A conjuntura tem ampliado o desafio de jovens e futuros profissionais na busca de seu primeiro estágio ou emprego na área. Um dos grandes contratantes, o setor de construção civil, por exemplo, somente em junho último contratou 26.625 trabalhadores e demitiu 31.789 em São Paulo, variação negativa aproximada de 5,1%.
Nos últimos 12 meses, esse percentual é ainda superior: -13,13%. O quadro nacional não é muito diferente
(-11,36%). Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged-MTE). A situação se repete em outros segmentos. A boa notícia, publicada no jornal Folha de S. Paulo em 20 de julho, é que a construção pesada, ao menos em São Paulo, parou de demitir, mas ainda levará algum tempo para se recuperar, diante da perda de 12,5% de seus postos de trabalho no último ano.
Uma saída seria retomar as 5 mil obras de infraestrutura paralisadas no País, o que tem sido defendido pelo SEESP e Federação Nacional dos Engenheiros (FNE). Essa é também a visão do estudante de Engenharia Mecânica da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) Gilberto Carneiro da Silva. Apreensivo com o futuro, mas otimista, ele observa: “A qualquer momento, a economia vai aquecer novamente. É quando a engenharia vai se destacar. São muitas obras paradas e infraestrutura que precisa ser retomada.”
Valorização profissional em xeque
“O maior medo é não conseguir valorização plena, já que a crise tem levado muitos profissionais a aceitarem salários menores do que o piso (estipulado pela Lei 4.950-A/66 em nove salários mínimos vigentes no País para jornada diária de oito horas)”, aponta Gabriel Arthur Casemiro Matos, estudante de Engenharia Civil da Universidade Estácio de Sá, que revela estar “há muito tempo procurando estágio”. Recém-formado na modalidade e em busca de trabalho, Fabrício Campos Rebouças faz coro ao futuro colega de profissão e indigna-se: “O curso é difícil e desafiador, não podemos nos submeter a ganhar abaixo do mínimo que foi conquistado com tantos anos de luta. O mercado vai melhorar, temos que nos manter firmes.”
Estudante de Engenharia Civil na Universidade Nove de Julho (Uninove) e trabalhando como auxiliar de escritório, Gleybson Lopes Rocha aponta um dos grandes problemas enfrentados: “A crise fez com que muita gente ficasse desempregada, e o pessoal ou aceita trabalhar pelo valor que será oferecido ou vai passar fome.”
Caminhos a seguir
A despeito disso, acredita que essa situação será superada. “O Brasil tem um grande déficit, praticamente não temos estradas de boa qualidade e essa é uma área em que podemos atuar. Outra é em pequenas reformas. Temos que levar informação à sociedade de que contratando um engenheiro será mais fácil e econômico”, destaca. Trabalhando há três anos como orçamentista de obras, o também estudante de Engenharia Civil da Uninove indica o setor de gestão e engenharia de custos como outra alternativa aos jovens profissionais. “A área que eu trabalho é reforma de alto padrão, um ramo que a crise não abalou tanto. Com o conhecimento que adquiri, quero ser consultor no segmento, e a perspectiva é boa”, afirma.
Estagiária no Núcleo Jovem Engenheiro do SEESP, a estudante do último semestre de Engenharia Mecânica da Uninove Jéssica Trindade, por sua vez, aposta em mais oportunidades na área de produção, muito ampla. Portanto, planeja pós nesse segmento ou na modalidade ambiental. Ela vivenciou a crise em seu primeiro estágio na área de projetos em empresa de metalurgia de médio porte, quando viu o quadro funcional ser reduzido de 300 para 100 trabalhadores. Trindade conseguiu a atual colocação por meio de indicação. “É importante o jovem manter um networking.”
Rebouças reforça o apoio do SEESP, ao colocar à disposição o Núcleo Jovem, sob coordenação da jovem engenheira sanitarista e ambiental Marcellie Dessimoni. Ainda na sua concepção, o mercado está “muito exigente”, o que piora no momento de crise. O estudante de Engenharia Civil da Uninove Carlos Henrique Santos Alves recorreu ao sindicato e recomenda: “Fiz coaching de carreira no Departamento de Oportunidades e Desenvolvimento e valeu muito a pena.”
Para Lucy Anne de Omena Evangelista, estudante do sexto semestre de Engenharia de Inovação do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec), é preciso apresentar diferencial. “Acredito que minha formação, que permite identificar dificuldades e pensar novas soluções, oferece isso”, entusiasma-se.
Apesar de compartilhar da insegurança de quem está prestes a ingressar no mercado de trabalho, a angolana Evalina César Cassule, que veio ao Brasil cursar engenharia ambiental, acredita que é necessário outro olhar. “Sou estrangeira, estou sozinha, ou me viro ou me viro”, brinca ela, que acabou de se formar. Nessa situação, considera que não se pode ficar preso ao argumento da crise: “A vida é um barco, devemos entrar nele e remar.”
Por Soraya Misleh