"A pressão do movimento sindical foi fundamental." Assim as principais centrais se pronunciaram a respeito do cancelamento da votação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, inicialmente prevista para 6 de dezembro (leia mais sobre o assunto no Editorial). Na semana anterior, as entidades anunciaram greve nacional no dia 5 como resposta à pretensão do Executivo e do Legislativo e à insatisfatória Medida Provisória 808/2017 – publicada no Diário Oficial da União em 14 de novembro último e encaminhada pelo Governo Temer ao Congresso Nacional, relativa a alterações na reforma trabalhista. Apesar de suspenderem a paralisação, as centrais garantem que manterão a mobilização e o "estado de alerta de greve". Também prometem intensificar a luta contra a MP.
O aviso sobre a possibilidade de os trabalhadores cruzarem os braços foi feito durante ato público na Praça da Sé, na Capital, no dia 10 de novembro – véspera da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, relativa à reforma trabalhista. Ao encerrarem a manifestação, que integrou “Dia Nacional de Luta em Defesa dos Direitos”, os presidentes das centrais sindicais chamaram votação simbólica: “Se mexerem na Previdência, quem concorda em realizar a maior paralisação que este país já teve?”. Os braços unânimes levantados a favor da proposta demonstraram a disposição de luta dos cerca de 20 mil presentes, de diversas categorias.
Com referência à implementação da reforma trabalhista, segundo o consultor sindical do SEESP, João Guilherme Vargas Netto, a resistência do movimento sindical abrange três níveis articulados entre si: nas relações do trabalho, assegurando nas negociações com as empresas ou entidades patronais direitos; na Justiça, apoiando ações em curso; e no Parlamento, dando suporte às emendas que vêm sendo apresentadas à MP 808/2017. “São mais de 900 e, em geral, contrariam a própria lei, inclusive algumas chegam a propor sua revogação.”
Para o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, neste início de vigência da reforma trabalhista, “as empresas vão, em certa medida, testar sua aplicação”. Devem, assim, transitar entre conceder reajuste salarial e renovar a atual convenção coletiva por mais um ano, sem muita alteração, ou condicionar aumento à flexibilização de direitos e forma de contratação. Nesse sentido, nas relações do trabalho, Ganz Lúcio atesta que o movimento sindical deve buscar inclusão de cláusula que impeça que qualquer regra seja implantada sem negociação. Somando-se à resistência, o SEESP já tem se antecipado nessa direção e obtido bons resultados.
No campo jurídico, os trabalhadores contam com diversas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos da Lei 13.467/2017, inclusive no que diz respeito ao financiamento sindical. Além disso, têm o amparo de 125 enunciados sobre interpretação e aplicação da reforma, aprovados na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional de Magistrados do Trabalho (Anamatra), em parceria com outras entidades, que reuniu mais 600 juízes, procuradores e auditores-fiscais do trabalho, além de advogados e outros operadores do Direito. Os enunciados revelam inconstitucionalidades e incompatibilidades entre a Lei 13.467/2017 e convenções da Organização Internacional do Trabalho.
“Emenda pior do que o soneto”
Quanto à Medida Provisória, o objetivo seria tratar de pontos específicos constantes da reforma trabalhista negociados pelo governo com o Senado. Entre eles, trabalho de grávidas e lactantes em ambientes insalubres, a instituição da figura do autônomo exclusivo e do trabalho intermitente, a representação no local de trabalho e a prevalência do negociado sobre o legislado.
Todavia, não à toa bateu recorde em emendas apresentadas por parlamentares. Segundo análise comparativa e preliminar divulgada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a MP 808 – que será inicialmente apreciada por uma Comissão Mista e deve ser aprovada no Legislativo em 120 dias – não modifica “a gênese” da reforma trabalhista, com a “manutenção de todos os prejuízos aos trabalhadores”. Entre eles, “flexibilização de direitos; ampliação das possibilidades de terceirização e pejotização; restrições de acesso à Justiça; retirada de poderes, atribuições e prerrogativas das entidades sindicais; criação de novas formas de contratação; e autorização de negociação direta entre patrões e empregados para redução ou supressão de direitos”.
Ainda conforme o Diap, o governo descumpriu, em parte, o acordo, já que não tratou do financiamento sindical. E em alguns aspectos, a “emenda ficou pior do que o soneto”. Por exemplo, enquanto a Lei 13.467 só se aplicava aos novos contratos de trabalho, celebrados após sua vigência, a MP determina a aplicação “a todos”. No caso de prorrogação de jornada em locais insalubres, afastou a necessidade de licença prévia do Ministério do Trabalho. Como lembra Ganz Lúcio, diante desse cenário, o “diferencial será a capacidade de mobilização dos sindicatos”.
Por Soraya Misleh