Como resultado de gigantesca mobilização durante o mês de março, os servidores da Prefeitura de São Paulo (PMSP), entre os quais engenheiros, obtiveram vitória fundamental em defesa de suas aposentadorias. A forte luta, sintetizada em sete grandes atos e greve massiva das categorias, se deu contra o Projeto de Lei (PL) 621/2016. Inicialmente esse aumentava a contribuição dos funcionários públicos para até 19% – alíquota revista e depois limitada a 14% –, além de privatizar parte da previdência municipal, criando uma complementar chamada SampaPrev. A pressão surtiu efeito: no final da tarde do último dia 27, sob protesto com cerca de 100 mil servidores, a Câmara retirou o PL da pauta por 120 dias.
Apresentado originalmente pela gestão Fernando Haddad e reapresentado agora pelo Governo João Doria, o PL contém argumentos inconsistentes e inconstitucionalidades, como demonstrado pelo Tribunal de Contas do Município. Além disso, um parecer de 124 páginas de fevereiro deste ano, do escritório Farag Advogados Associados, aponta, em sua conclusão, 40 problemas. Entre eles, violar o direito constitucional de propriedade e impedir benefícios que foram conquistados mediante contribuições feitas durante uma vida inteira.
A atual administração argumentou a necessidade de sanar a dívida do Instituto de Previdência Municipal (Iprem). Segundo a Prefeitura, o déficit em 2017 foi de 4,7 bilhões e poderá alcançar R$ 20,8 bi em 2025.
Sob essa mesma alegação, em 2005, no Governo José Serra, foi realizada reforma alterando a contribuição dos servidores de 5% para 11%, afirmando que em dez anos a dívida seria sanada. Até hoje, os 133.377 servidores da ativa e os 95.221 aposentados e pensionistas contribuem com esse percentual, e a Prefeitura com 22%. Mesmo assim, essa última alegou ter de injetar novos recursos para quitar as aposentadorias. As entidades sindicais, entre elas o SEESP, contestaram esse argumento, uma vez que, desde 2005, quando inativos migraram para o Iprem, o investimento com pessoal têm sido de 34% da receita corrente líquida, em média, e os dados apresentados tiveram como base de cálculo valores irreais, como os reajustes. “Os salários tiveram na realidade perdas que chegam a 42%, devido à Lei Salarial 13.303, de 2002, que impõe reposição anual de 0,01% a boa parte dos servidores. Nesse período, começou-se a contratar funcionários por cargos comissionados, que não contribuem com o Iprem. Além disso, há mais aposentadorias do que entrada de novos servidores, aquém do necessário pela falta de concurso público”, destaca o diretor adjunto do SEESP, Frederico Okabayashi. Estima-se que hoje o número de comissionados chegue a 8 mil. E a última leva de concursos ocorreu entre 2000 e 2006.
Fausto Augusto Júnior, coordenador de educação e comunicação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explica que outro cálculo da PMSP que fundamentava a proposta, o atuarial – que mede o equilíbrio da entrada e saída de recursos das contas públicas –, está errado: “O governo selecionou os últimos três anos como base, um período de crise, com PIB em queda, para justificar que o sistema está desequilibrado. Do mesmo jeito não é possível usar só anos positivos. Um cálculo sério deveria incluir no mínimo dez anos.”
Exemplo de resistência
Além de se apoiar em relatórios jurídicos e dados técnicos, o movimento utilizou táticas que se mostraram acertadas na luta para derrotar a reforma da Previdência proposta pelo Governo Temer – expressa na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287-A. Entre elas, o corpo a corpo com parlamentares para pressão e convencimento e a divulgação pública de suas intenções de voto, sobretudo em suas bases eleitorais. Assim como ocorreu em âmbito nacional, isso dificultou ao governo municipal reunir quórum favorável necessário à aprovação do PL e o levou a suspender a apreciação em Plenário da Câmara de Vereadores diversas vezes. Além de mudar alguns pontos – o que não surtiu efeito –, a administração municipal veiculou publicidade na TV, em defesa da reforma. O SEESP enviou, em 26 de março, representação ao Ministério Público Estadual, aos cuidados da Promotoria de Justiça do Consumidor da capital paulista para instaurar inquérito civil em face de propaganda enganosa.
O Governo Doria tentou antes intimidar os servidores. O primeiro grande ato, no dia 14 do mesmo mês, enfrentou repressão brutal por parte da Guarda Civil Metropolitana (GCM) (confira nota de repúdio do SEESP em https://goo.gl/QpkZPT). Não obstante, o movimento não arrefeceu; pelo contrário, expandiu-se. Nas ruas, os protestos que ocorriam duas a três vezes por semana chegaram a reunir 60 a 100 mil pessoas, segundo organizadores. “É o maior movimento em curso no País”, frisou Murilo Pinheiro, presidente do sindicato, em manifestação no dia 20 de março em frente à Câmara Municipal de São Paulo. Para ele, a maior cidade da América Latina tinha que dar o exemplo, e não apresentar um projeto como esse. Ao fim, prevaleceu a resistência, um modelo a ser seguido Brasil afora.
Por Deborah Moreira