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Inovação – Em vez de furo no crânio, exame indolor

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Um acordo firmado em maio último entre a startup Braincare e o Hospital Sírio-Libanês promete levar para o cotidiano de pacientes acometidos por diversas patologias um método minimamente invasivo de medição da pressão intracraniana. Esse se torna uma alternativa à forma tradicional de aferição, que exige nada menos que a perfuração do crânio para introdução de um sensor no cérebro.

 

O serviço funciona com a coleta de dados por meio de um sensor não invasivo posicionado na cabeça do paciente. As informações são enviadas pela internet para um sistema que as analisa. O método permite visualizar as informações de duas maneiras:  em tempo real, em que o médico acompanha na tela do monitor os pulsos capturados pelo sensor, e por meio de relatórios da pressão (PIC), recebidos da plataforma em nuvem para serem visualizados impressos. Segundo a Braincare, o sistema é cedido em regime de comodato mediante uma assinatura mensal cujo valor varia conforme o número de sensores – um custa cerca de R$ 3.300,00.

 

A startup já detém duas patentes do método nos Estados Unidos e na Europa. Ainda aguarda o registro no Brasil, onde tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 

Além do contrato com o hospital paulistano, segundo informações da empresa, há estudos em diversos centros de referência no Brasil, Estados Unidos, Portugal e Reino Unido.

 

 

Ciência para a vida real

A inovação, considerada disruptiva, é fruto da pesquisa do professor aposentado do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Mascarenhas, membro do Conselho Tecnológico do SEESP e homenageado na categoria “Novos materiais” na primeira edição do prêmio Personalidade da Tecnologia, concedido pelo sindicato desde 1987.

 

Defensor ardoroso de que a ciência abandone a sua “torre de marfim” e sirva à sociedade, aos 90 anos, ele acabou por dar exemplo definitivo nesse sentido. A ideia surgiu em 2007, depois que Mascarenhas havia sido diagnosticado com hidrocefalia de pressão normal. O problema, que em geral acomete idosos, contribui para comprimir os neurônios e tem sintomas que podem ser confundidos com os causados por doenças degenerativas, como dificuldade motora, dores de cabeça e tontura.

 

Após o tratamento, que consistiu na implantação de uma válvula capaz de controlar o excesso de líquido produzido, restou a indignação com o fato de não ser possível sequer detectar o problema sem uma cirurgia dessa complexidade. “Eu fiquei muito inconformado que não houvesse um método de medir a pressão intracraniana sem perfurar a cabeça”, relata.

 

 

Paradigma derrubado

A inspiração para buscar uma solução veio do strain gage, sensor utilizado para monitorar existência de rachaduras: “Me lembrei de que seria possível usar uma técnica da engenharia para determinar variações muito pequenas nas construções.”

 

O trabalho começou com testes em um crânio de cadáver, no qual ele introduziu um balão de borracha inflado, para demonstrar que seria possível medir a pressão intracraniana a partir da deformação causada pelas variações. A experiência, que se demonstrou bem-sucedida, enfrentou inicialmente a resistência da área médica. “Para minha surpresa, quando eu conversei com os neurocirurgiões, eles começaram me dizendo que o crânio humano é rígido, sem movimentação depois da idade adulta, o que estava consolidado no princípio de Monro-Kellie, de mais de 250 anos.”

 

A partir do conhecimento físico e da demonstração quanto à possibilidade de se detectar a deformação do cérebro com a alteração de pressão, o paradigma centenário foi derrubado e Mascarenhas prosseguiu na empreitada, contando com a colaboração da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto e São Paulo. O desenvolvimento do equipamento para medição da pressão intracraniana foi possibilitado pelo financiamento de cerca de R$ 200 mil feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) dentro do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), com vigência entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2011.

 

Consolidado o método, ampliou-se a perspectiva de aplicações. “Comecei a trabalhar não apenas na área da minha doença, que acabou sendo bendita e não maldita, porque foi a partir dela que consegui fazer uma contribuição social que ajuda muita gente”, pondera Mascarenhas. Entre as possibilidades, ele lista a gravidez de risco nos casos de eclampsia, problemas cardiológicos, cefaleia, sepses e meningite. “Com o meu método, é possível ajudar na avaliação da punção lombar que se usa para diminuir a dor de cabeça em caso de meningite”, ilustra o pesquisador. O professor destaca que, a partir da possibilidade de monitoramento, a pressão intracraniana será uma nova variável vital mensurável não invasivamente, a exemplo da temperatura.

 

“Com o fato de termos encontrado pessoas que resolveram investir na Braincare, teremos a demonstração de união entre empreendedores e cientistas; isso vai deixar um legado para a área da saúde e para a população brasileira”, comemora Mascarenhas, cuja profícua carreira já incluía, entre outros feitos, a criação da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de São Carlos, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do curso de Engenharia de Materiais da instituição. Ele também dirigiu o Instituto de Estudos Avançados da USP em São Carlos, do qual é membro honorário.

 

 

Por Rita Casaro

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