Os 50 anos de uma das obras mais importantes da engenharia nacional, o prédio que abriga o Museu de Arte de São Paulo (Masp), foram comemorados em 7 de novembro último. A construção do famoso projeto da arquiteta Lina Bo Bardi é considerada, por suas características, feito único até hoje.
“Envolveu madeira, aço, pontes, fundações. Teve tudo isso de engenharia, com apoio de mecânica do solo. Assim foi criada essa estrutura que foi recorde mundial por muitos anos”, relata João Antônio del Nero, presidente da Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projeto S.A., responsável por tornar realidade a edificação que é ícone da cidade de São Paulo.
Fundado em 1947, o Masp funcionava na Rua Sete de Abril, no centro da capital paulista, quando lhe foi cedido o terreno na Avenida Paulista. A condição imposta pelo então prefeito de São Paulo, Francisco Prestes Maia, foi que a construção mantivesse a vista para o Parque do Trianon e para a Av. Nove de Julho. A solução arquitetônica – e grande desafio da engenharia – foi o vão livre de 74 metros sob uma laje suspensa de 2.100m2. “Essa obra é única! Os engenheiros também fazem obra de arte. E o Masp é uma obra de arte”, ressalta del Nero, que integrou a equipe de profissionais liderada por José Carlos de Figueiredo Ferraz.
“O projeto de estrutura foi feito pelo Ferraz e pelo (José Lourenço Braga de Almeida) Castanho. O Mosze (Gitelman) fez o projeto do escoramento em eucalipto. Eu fiz o projeto dos aparelhos de apoio nas duas grandes vigas”, lembra o engenheiro. Ele conta que também projetou as sapatas diretas. “Fiz ‘n’ e mais um cálculos, os mais desfavoráveis possíveis, para verificar se um túnel (na Nove de Julho) não seria afetado.”
Salto inovador
A grande inovação utilizada por Ferraz no Masp foi o concreto protendido, que permitia fazer vãos maiores de maneira mais econômica, usando aços especiais de alta resistência. “Um vão desse tamanho com essa carga era impossível fazer com concreto armado, era uma grande ponte com cargas imensas.”
Ferraz havia se familiarizado com a solução em viagens por outros países nas quais ampliava seu conhecimento. “A mãe do professor Ferraz sentiu que ele seria engenheiro e por isso o fez estudar alemão desde cedo. Ele visitou a Europa, e conhecia concreto protendido que começou na França no pós-guerra, na reconstrução de viadutos”, revela del Nero, que em 1955 havia frequentado o curso sobre o método ministrado por Ferraz.
A dificuldade residia nos cabos de aço disponíveis no Brasil, que não suportariam a carga necessária. “Então o professor Ferraz usou no Masp o processo de protensão para 80 a 100 toneladas que ele havia desenvolvido. Deu-se um grande salto em concreto protendido que passou a ser usado em edifícios. E foi um grande salto para a engenharia nacional”, testemunha del Nero.
Antes da inauguração do novo prédio do Masp, em 1968, evento prestigiado pela Rainha Elizabeth II da Inglaterra, ocorreu o episódio, que, ainda que menos glamoroso, talvez tenha sido mais marcante para os envolvidos com a obra. Quando chegou o momento de retirar o escoramento do museu, os operários tiveram receio de que a grandiosa estrutura desabasse. Para tranquilizá-los, Ferraz e Castanho se mantiveram no centro do vão livre durante o trabalho.
Homenagem à trajetória de Figueiredo Ferraz no Dia do Engenheiro
A saga da construção do prédio do museu mais popular da cidade de São Paulo insere-se numa admirável lista de realizações de José Carlos de Figueiredo Ferraz, como engenheiro, intelectual, empresário e homem público. Nascido em 16 de setembro de 1918, formou-se em 1940 e, no ano seguinte, fundou o escritório que se tornaria a atual empresa de projetos e consultoria de grande destaque no setor.
No portfólio da companhia figuram ao lado do Masp projetos como viadutos da Via Anchieta (1941), o primeiro trecho da linha 1 do Metrô de São Paulo (1969), as pistas ascendente (1972) e descendente (2002) da Rodovia dos Imigrantes (1972), a Ferrovia do Aço (1976), a III Ponte de Vitória-ES (1987), o Metrô de Lisboa (1994), a segunda ponte rodoferroviária sobre o Rio Orinoco (2006), a linha 4 do Metrô de São Paulo (2008) e a terceira ponte sobre o Orinoco (2011).
João Antônio del Nero destaca ainda as cúpulas da Catedral da Sé e da Basílica de Nossa Senhora Aparecida; a recuperação da ponte sobre o Lago Paranoá, cujo desenho é de Oscar Niemeyer; a ponte que liga Brasil a Argentina em Foz do Iguaçu; e a sede da Embaixada da Inglaterra em Brasília – oportunidade que ele reputa à admiração manifestada por Elizabeth II pelo prédio do Masp –, além de projetos industriais.
No setor público, Ferraz foi o idealizador do Metrô de São Paulo por solicitação de José Vicente de Faria Lima, eleito prefeito da cidade em 1965. Depois, ele próprio ficaria à frente da administração do município entre 1971 e 1973, período em que a Capital registrou importantes avanços urbanos, como a implantação do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento.
Teve ainda atuação marcante na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), onde foi professor assistente, titular e catedrático até ser aposentado compulsoriamente em 1988, ao completar 70 anos. Em 25 de junho de 1994, aos 75 anos, Ferraz faleceu vítima de um infarto.
Em reconhecimento ao seu legado à profissão, neste 7 de dezembro de 2018, ano em que, além do jubileu de ouro do prédio do Masp, é comemorado o centenário de Ferraz, ele receberá homenagem póstuma especial do SEESP durante a comemoração do Dia do Engenheiro – celebrado oficialmente no dia 11.
Por Rita Casaro
Por Rita Casaro