Estudos feitos há mais de uma década indicaram o que está perto de se tornar realidade: o colapso dos dez grandes eixos rodoviários que passam pela macrometrópole paulista – Imigrantes, Anchieta, Anhanguera, Bandeirantes, Dutra, Fernão Dias, Raposo Tavares, Castello Branco, Raposo Tavares, Régis Bittencourt e Ayrton Senna.
Diante deste cenário, é urgente mudança na matriz de transportes, eminentemente rodoviarista. “Isso foi alertado aos governos e não fizeram nada. Tem que fazer agora ou vai parar”, enfatiza Emiliano Stanislau Affonso Neto, diretor do SEESP.
Especialista em sistemas hidroviários e meio ambiente, o geólogo Antonio Camargo Junior lembra que a greve dos caminhoneiros durante dez dias de maio mostrou essa fragilidade – as perdas em diversos setores produtivos aproximavam-se de R$ 75 bilhões, segundo reportagem publicada no Correio Braziliense(inserir link) em 31 do mesmo mês. “Todo o grosso da carga que move este país passa pela macrometrópole, que vai de Campinas a Santos, do Vale do Paraíba a Sorocaba. E 95% em cima de caminhão. Temos clamado por mudança no paradigma, mostrando a necessidade de que seja aperfeiçoada essa movimentação de carga. Tem que vir de trem e por hidrovia”, afirma.
A importância da macrometrópole à economia local e nacional é apontada por Affonso. “Apesar de ocupar somente em torno de 0,5% da área do País e 20% do território paulista, concentra cerca de 75% da população do Estado. Moram nela mais de 30 milhões de brasileiros. Representa em torno de 83% do PIB paulista e de 27% do nacional. É uma região de alta concentração, por onde passam os dez grandes eixos rodoviários com mais de 60 pistas de rodagem, nos quais houve investimentos pesadíssimos nos últimos anos, inclusive o rodoanel. Em 2005 foi feita em São Paulo pela primeira vez uma pesquisa chamada de origem-destino de cargas. Mostrou que se não se tomasse uma atitude rápida para mudar a forma com que se deslocam cargas e passageiros nessa macrometrópole, ela pararia por volta de 2025, o que afetaria não apenas a economia do Estado, mas do País.” Ele indigna-se: “Antigamente falava-se em hora do rush, hoje não tem mais. A cidade de São Paulo está parando, e isso está afetando em cerca de 2,5% o PIB nacional. Sem esse congestionamento, o PIB da cidade aumentaria mais de 10%. Estamos jogando dinheiro fora. Perde-se eficiência, encarece-se a cidade, diminui a produtividade e joga-se o emprego em outro local, às vezes outro país.” O diretor do SEESP vaticina: “Voltar a crescer e gerar postos de trabalho passa efetivamente pela melhoria da mobilidade.”
No que se refere a cargas, Affonso salienta que apenas 0,5% segue por hidrovias e menos de 10% por trens. Quanto a esse último modal, ele frisa que, a partir da privatização nos anos 1990, tem-se atualmente “2/3 da malha paulista abandonados. O outro terço é usado basicamente para trazer grãos e levar açúcar e derivados. A ferrovia que serviu de elemento de desenvolvimento é hoje voltada a ações que não ajudam o Estado a crescer”. Na sua visão, é preciso voltar a levar carga de valor agregado por trilhos e utilizar as faixas ferroviárias principalmente na macrometrópole para transportar passageiros. Ele defende ainda trens regionais que “ajudem a potencializar o desenvolvimento local”.
Caminhos
Jean Carlos Pejo, secretário-geral da Associação Latino-americana de Ferrovias, detalha que no Estado há hoje “praticamente 2.500km de linhas não utilizadas”. Para ele, uma saída é aproveitar o trecho abandonado para construção de shortlines, linhas para transporte de volumes menores. “Tem faixa, não tem desapropriação, não tem problema com aprovações ambientais, não requer muito investimento. É bem menos do que o governo paga hoje para manter e desenvolver estradas vicinais.” Outra solução é “construir a ferrovia 4.0, moderna, de trens menores, rápidos, compatíveis com a conexão para passageiros e que atendam o mercado paulista, com cargas de maior valor agregado”. Pejo é categórico: “Se gastar 10% do que São Paulo investiu com rodovia nos últimos 15 anos, vamos ter uma das melhores redes ferroviárias da América Latina, compatível com Alemanha, França, Itália.”
Quanto a hidrovias, Camargo observa que “temos 100km de vias plenamente navegáveis e ociosas, disponíveis para serem utilizadas. Não requer muito investimento. É fazer o aprofundamento desses rios, eclusa, pontes alteadas para os barcos passarem por baixo, preparar atracadouros, piers, portos. Já existem estudos. Poderia trazer carga como lixo e minérios por hidrovia que “se interligasse com a ferrovia e ter um grande ferroanel para melhorar as condições de mobilidade interna da Região Metropolitana. Precisa ter vontade política”. Ele conclui: “Só a RMSP consome cerca de 90 milhões de toneladas de areia e brita in natura por ano. Algo em torno de 15 mil carretas com capacidade de 25 toneladas por dia andando em São Paulo, nas marginais, nas avenidas. É importantíssimo um modal mais compatível que tire de dentro da cidade caminhões e comece a desafogá-la. Essa é a grande mudança estrutural.”
Por Soraya Misleh