Um levantamento realizado pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) em parceria com a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e outros órgãos ambientais constatou 317 fontes potenciais de contaminação nas áreas de recarga do Aquífero Guarani, que se estendem por 23.500km² do total de 142 mil quilômetros quadrados da reserva subterrânea em território paulista. O objetivo do estudo, ainda em andamento, é orientar o Governo Estadual na criação de uma lei específica com diretrizes mais restritivas para conservação qualitativa e quantitativa desses setores de alimentação do Guarani.
O primeiro lugar no ranking da concentração de pontos de risco ficou com a região de Araraquara, que soma 88. Um deles é um aterro de lixo que deve ser desativado até setembro, após um acordo entre a Prefeitura e a Promotoria do Meio Ambiente. Na segunda colocação ficou Ribeirão Preto, com 51 fontes potenciais. Em seguida, vem o distrito de Piracicaba, com 42; Pirassununga, com 31; Bauru, com 26; Botucatu, com 24; São José do Rio Pardo, com 20; Itapetininga, com 16; Jaboticabal, com 13; Franca, com quatro; e Itu, com duas.
O maior potencial de contaminação vem da agroindústria, que gera um grande volume de resíduos líquidos e sólidos lançados no solo das áreas de recarga do Guarani. As atividades que predominam nessa região são alimentícia, canavieira e mecânica- metalúrgica.
Para o presidente da Abas (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas), Everton Luiz da Costa Souza, a ocupação urbana desordenada e irregular, os postos de combustíveis que apresentam vazamento de óleo ou gasolina, os lixões e a falta de saneamento básico são outros fatores que concorrem fortemente à contaminação das águas subterrâneas.
Além disso, os poços artesianos clandestinos também são considerados um risco. “Aqui em Ribeirão Preto, nós criamos zonas de restrição para novas perfurações, que ficaram limitadas ao abastecimento público. Existe um rebaixamento do lençol muito intenso e isso pode vir a comprometer o abastecimento futuro da cidade, que depende 100% das águas do Guarani”, informa Carlos Alencastre, diretor regional do Daee (Departamento Estadual de Água e Energia Elétrica). Outra atividade que requer atenção, segundo ele, é o uso e a ocupação do solo pela agricultura. “Se os produtores jogarem pesticidas na lavoura, podem gerar uma contaminação nas faixas de recarga.”
Melhor prevenir que remediar
Apesar das ameaças, de acordo com o hidrogeólogo José Luiz Albuquerque, responsável pela pesquisa, “até o momento não foi constatado nenhum traço de contaminação nas águas do Guarani”. No entanto, ele alerta para a necessidade das medidas de conservação. Embora a parte confinada do aquífero seja protegida por uma camada rochosa de basalto, a principal preocupação é que a poluição presente na superfície penetre o subsolo e cause a contaminação durante o processo de recarregamento do reservatório pelas chuvas. “O movimento das águas subterrâneas é bem mais lento, o que faz com que a diluição do contaminante seja retardada, mas o custo para limpar é tão alto que torna inviável a sua utilização”, explica Alencastre.
Paralelamente, os pesquisadores do IPT desenvolvem também um mapa de vulnerabilidade das áreas de recarga do aquífero. “Nós estamos começando a mapear as profundidades do lençol freático e as características do solo. Vamos examinar cerca de 500 poços para obter a informação precisa sobre a camada geológica. A ideia é cruzar as informações para indicar as áreas onde o solo tem menos impedimento à contaminação”, informa Albuquerque.
Bem precioso
Considerado a maior reserva de água doce da América do Sul, o Aquífero Guarani possui aproximadamente 1,2 milhão de quilômetros quadrados, abrangendo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No território nacional, a reserva ocupa uma área de cerca de 900 mil quilômetros quadrados, passando pelos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Conforme Alencastre, a importância da reserva é ecológica, econômica e social. “O Guarani desempenha um papel fundamental no abastecimento público de inúmeros municípios, seja de forma integral ou complementar. Temos que preservar essa riqueza e ter consciência de que podemos comprometer o abastecimento futuro das populações se não tomarmos medidas rigorosas agora.”
Lucélia Barbosa