Em meio a protestos, segue no Congresso Nacional a discussão sobre a reforma da Previdência e busca por aprovação em primeiro turno ainda ao início deste mês de julho – portanto, antes do recesso parlamentar. Segundo especialistas, as mudanças propostas até o momento mantêm aspectos perversos contidos no texto original (Proposta de Emenda à Constituição – PEC 6/2019).
A referência é ao substitutivo apresentado pelo relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), um dia antes da greve geral de 14 de junho, que abrangeu, segundo centrais sindicais, 45 milhões de trabalhadores em todo o País. Em 12 de julho está marcado novo Dia Nacional de Mobilização.
Tal resistência, segundo Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), precisa de fato continuar. Seu impacto culminou em progressos no Congresso Nacional, mesmo que limitados. Por um lado, no substitutivo, foi suprimida contribuição extraordinária à Previdência por parte de aposentados ativos, assim como modificação no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Houve recuos quanto a benefícios a trabalhadores rurais, regras de transição, pensões, bem como foi retirada a proposta de modelo de capitalização, em que o cidadão teria que contribuir individualmente via contas em bancos, não mais com um sistema coletivo e solidário (confira quadro).
Entre os pontos negativos – que têm gerado controvérsias no Legislativo –, por outro lado, Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), chama atenção para mudança na alocação de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que pelo substitutivo se destinaria ao pagamento de beneficiários da Previdência. Para o diretor do Dieese, isso comprometerá “todos os programas” que esse financia, como o seguro-desemprego. Outro problema que se mantém no substitutivo é quanto à fórmula de cálculo do benefício, não mais desconsiderando 20% dos salários menores, mas a partir da média de 100% do que o trabalhador recebeu ao longo de sua vida – incluindo, portanto, remunerações em início de carreira. Além disso, no texto do relator, estados e municípios ficam fora, o que, para o Dieese, poderá criar “disparidades de condições entre servidores de mesma carreira”.
Para além disso, a reforma não promove, de acordo com ele, “mudança na estrutura de financiamento”. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência de 2017 aponta que empresas privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência – e nenhum mecanismo para recuperar esses valores vem sendo objeto de debate nessa proposta. “O foco são ajustes paramétricos, como idade mínima, que não é o principal problema. Assim, onera-se mais a baixa renda [que começa a trabalhar mais cedo].” Toninho concorda: “Não há cortes em privilégios, mas está se tirando dos mais humildes.”
Onde está o rombo
Em palestra na Câmara Municipal de São Paulo em março deste ano, a auditora-fiscal aposentada da Receita Federal e membro da auditoria-cidadã da dívida, Maria Lúcia Fatorelli, demonstrou que o argumento de que a reforma é necessária para garantir o pagamento de benefícios no futuro é uma falácia. “O rombo não está nem nunca esteve na Previdência, o principal programa social do Brasil, em que mais de 100 milhões de pessoas são atendidas. O gasto público principal é com juros da chamada dívida pública”, ressaltou. Segundo ela, foram R$ 754 bilhões pagos aos bancos nos últimos anos dessa forma.
O orçamento federal para 2019 é de R$ 3,262 trilhões. Desse montante, segundo sua explanação, R$ 1,5 trilhão destina-se para pagamento dessa dívida; a servidores públicos ativos e aposentados, R$ 326 bilhões; e à Previdência, R$ 625 bi. Para Fatorelli, o que deveria ser reformada é a política monetária. Além disso, deveriam ser revistas desonerações, a dedução de juros sobre capital próprio e o modelo de tributação regressivo, bem como cobrados impostos sobre lucros e dividendos. “Só com isso, seria possível dobrar a arrecadação e garantir investimentos geradores de emprego.”
Principais pontos do substitutivo em relação à PEC 6/2019
• Desconstitucionalização: mantida sobretudo para servidores de estados e municípios.
• Idade mínima: mantida em 62 anos para mulher e 65 para homem.
• Tempo de contribuição: mínimo de 15 anos para mulher e 20 para homem, porém pode ser ampliado por lei ordinária. Para aposentadoria integral, mantidos os 40 anos.
• Modelo de capitalização: suprimido do texto.
• Benefício de Prestação Continuada: mudança suprimida do texto.
• Regras de transição: mantida fórmula 86/96, até alcançar 100 pontos para mulher em 2033 e 105 para homem em 2028. Também foram definidos “pedágios” (tempos adicionais de contribuição”para aposentadoria antes dos 62 anos (a mulheres) e 65 anos (homens).
• Piso da aposentadoria: vinculado ao salário mínimo.
• Pensão por morte: mantida cota familiar de 50% mais 10% por dependente, não reversível, exceto para deficientes, que terão o valor da pensão integral se essa não ultrapassar o teto máximo do regime geral. Desvinculação entre o valor mínimo das pensões e o salário mínimo foi abrandada.
• Fórmula de cálculo para aposentadoria: mantida em 100% da média de todos os salários recebidos pelo trabalhador.
Fonte: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) | https://www.dieese.org.br/notatecnica/2019/notaTec211Sbstantivo.html
Por Soraya Misleh