*Artur Araújo
Já se tornou lugar-comum a brincadeira: quer mudar uma estatística? Separe “com China” e “sem China”. Não é só pelo porte, que pesa muito, mas principalmente pela orientação das políticas chinesas, voltadas para o desenvolvimento nacional. Independentemente da opinião sobre regime político, há fatos: por décadas, os chineses têm empregos suficientes para acompanhar o crescimento populacional, os salários têm a maior taxa de crescimento do mundo e a participação do trabalho na renda nacional é alta.
Números distintos, que abatem as médias globais, são os dos países centrais – Estados Unidos, Japão, União Europeia – e das periferias das Américas, do Oriente Médio e da África. No subcontinente indiano, no território da antiga URSS e no sul e leste da Ásia, o cenário bem mais “chinês” do que “ocidental”, até pela tração de vizinhança.
Identificar causas de sucesso é bom instrumento para acertar também, desde que com os devidos cuidados com especificidades e singularidades. Como somos, hoje, um país com altos níveis de desemprego, de subemprego, de subutilização e de desalento – particularmente entre jovens com formação universitária e entre profissionais experientes do setor tecnológico, como os engenheiros –, olhar para a China tornou-se dever.
E aí surge uma identidade que orgulha e preocupa. Todas as diretrizes formuladas pelo projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com a adesão do SEESP, por mais de 13 anos, são “chinesas” e a opção do Brasil é cada vez mais “ocidental”.
Projeto nacional
O sindicato e a FNE sempre insistiram que está no crescimento econômico, na expansão contínua da produção e do consumo internos, a base obrigatória de um projeto nacional com geração de bons empregos, distribuição de renda, inclusão social e sustentabilidade ambiental. A melhoria da qualidade de vida exige geração de maiores excedentes, pelo aumento do volume e, principalmente, da produtividade.
Os números comparativos medem o afastamento do Brasil em relação à “rota da seda”. Nas últimas décadas, o PIB da China cresceu a uma taxa média anual de 10%; no mesmo período, o Brasil foi uma gangorra: 1,7% de crescimento médio anual nos anos 1980; 2,6%, 3,6% e 0,9%, respectivamente, nos três períodos seguintes; de 1950 a 1980, tínhamos sido um dos campeões mundiais de crescimento e de diversificação.
A Ásia sinaliza. Na contramão dos países centrais regidos pelo neoliberalismo, China, Malásia, Coreia do Sul, Vietnã, Índia, Singapura, entre outros, vêm se industrializando sempre, partindo da produção de itens de consumo de massas e pequena agregação tecnológica para se tornarem centros globais de geração de valor e de ponta na ciência aplicada e na técnica.
A desindustrialização brasileira, como já identificado pelo “Cresce Brasil”, é precoce, não é fruto de uma maturação que leva à derivação para os serviços de alta sofisticação. Ao contrário, é prova da reversão da diversificação produtiva, originária das políticas de substituição de importações e da criação de uma estrutura produtiva moderna. Nossa desindustrialização é, essencialmente, reprimarização e perda de complexidade, o que implica menos e piores empregos e menor aumento de renda per capita.
Por que crescer
É notório o alto desemprego e subemprego entre os jovens recém-formados e entre engenheiros e demais profissionais experientes da área tecnológica. Décadas depois da era do “engenheiro que virou suco”, temos “engenheiros virando Uber”.
Há três origens principais para isso, uma estrutural e duas conjunturais. Parte desse desemprego vem de um erro de essência da “Lava Jato”, que ao invés de punir acionistas e altos executivos de empresas envolvidos em corrupção, atacou as companhias, demolindo a construção civil pesada, a construção naval, a fabricação de máquinas e equipamentos e afetando a cadeia produtiva do setor de petróleo e gás.
Já o atual ultraliberalismo leva à obsessão com o corte de gastos, travando investimentos na manutenção e ampliação da infraestrutura brasileira, que gerariam, virtuosamente, a receita tributária que equilibraria as contas da União.
Outra determinante é ainda mais grave: a opção pelo desestímulo à manufatura dentro do Brasil, via recusa à adoção de políticas industriais. Quanto menor a complexidade da malha de produção de um país, muito menor é a criação de empregos qualificados.
A retomada do crescimento econômico, acima de 5% ao ano no mínimo (e principalmente via indústria de transformação e muitas obras públicas), não só é um desafio nacional – se quisermos um Brasil com capacidade de dar vida decente a mais de 210 milhões de pessoas –, como o único caminho realista para empregarmos decentemente todos que queiram trabalhar, entre os quais as engenheiras e engenheiros de todas as idades, de todos os lugares.
Só há um lugar de onde vêm empregos. Esse lugar é um país que produz, consome, cresce, inclui, distribui e é sustentável.
* Artur Araújo é consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”