Uma batalha da maior importância vem sendo travada no âmbito do Parlamento brasileiro. De um lado, os governos estaduais e municipais, liderados pelo governador José Serra e pelo prefeito da Capital Gilberto Kassab, buscam a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 12, referente aos precatórios; de outro, os credores alimentares, o elo mais fraco da corrente, buscam receber seus créditos em vida. A pressão para a aprovação da PEC 12 é tamanha que o Senado a aprovou, no mesmo dia, em duas sessões, levando o texto para a Câmara dos Deputados, onde se encontra atualmente.
Precatórios são dívidas judiciais irrecorríveis do Governo (União, estados e municípios) em favor dos cidadãos e empresas que buscaram seus direitos na Justiça. Essas dívidas podem ser alimentares (salários, proventos de aposentadoria, pensões, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez) e não alimentares (desapropriações de imóveis, quebra de contratos etc.). A Constituição determina que o precatório seja expedido pelo tribunal competente para sua inclusão no orçamento e pagamento. Esse obedece a uma ordem cronológica: aqueles expedidos até 1º de julho deveriam ser quitados até o final do exercício seguinte; após 1º de julho, apenas no ano posterior ao exercício seguinte. Além disso, os precatórios alimentares deveriam ter prioridade absoluta em relação aos não alimentares. Caso a PEC 12, também conhecida como a “PEC do Calote”, seja aprovada, todos os débitos dos precatórios atualmente pendentes e futuros serão limitados à capacidade de orçamento (de 0,6% até 2% da receita líquida) do respectivo devedor. Desse montante, 40% seriam para o pagamento da fila dos precatórios, reorganizada por ordem de valor, do menor para o maior, e 60% seriam destinados a leilões públicos, nos quais receberiam primeiro os credores que oferecessem o maior deságio.
No âmbito federal, os precatórios foram colocados em dia e hoje são pagos sem atraso, exatamente no exercício para o qual foram previstos. Infelizmente, o mesmo não acontece nas demais instâncias. O Estado de São Paulo é o maior devedor da Federação, resultado da sua política de rolagem das dívidas. Em linhas gerais, possui hoje um débito acumulado de dez anos de precatórios alimentares, totalizando um passivo de R$ 16,2 bilhões. Nos municípios, a situação também é variada, mas a franca maioria é devedora contumaz, capitaneada pela Prefeitura de São Paulo, com dívida de R$ 11,2 bilhões.
Credores na penúria
A situação daqueles que aguardam o pagamento das suas dívidas contra o Estado é de penúria. Depois de anos de discussão judicial com os inúmeros recursos do Estado, viúvas, aposentados, servidores e ex-servidores públicos esperam há anos por essa quitação. É o caso de Dona Gema Dorotheia Silva Nunes, viúva de um ex-servidor. Aos 78 anos e com a saúde frágil, está há dez na fila esperando pelo pagamento dos gatilhos salariais devidos pelo Departamento Aeroviário de São Paulo ao seu falecido marido. Sua esperança, ao receber aquilo a que tem direito, é sair do aluguel e dar entrada na compra de uma casa para passar o resto de sua vida com o mínimo de dignidade.
Há ainda milhares de cidadãos que padecem de doenças gravíssimas, como câncer, e que, mesmo possuindo um crédito vencido e não pago pelo Estado, morrem aguardando a satisfação de seu direito. Essas pessoas têm conseguido ordens de sequestro junto aos tribunais, visando assegurar tratamentos médicos e uma melhor qualidade de vida. Esses enfrentam ainda a estarrecedora postura do Estado, que recorre da ordem judicial mesmo nessas situações extremas.
A desculpa esfarrapada do Governo é sempre a mesma: não há recursos suficientes. Porém, a realidade é outra. O Estado de São Paulo é um exemplo típico. Sua arrecadação bateu a casa dos R$ 90 bilhões em 2008 e estima-se que em 2009, com a venda da Nossa Caixa por R$ 5,3 bilhões, chegue a R$ 118 bilhões.
A base de uma nação democrática é o respeito à lei e à independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A regra segundo a qual “aquilo que a Justiça determina não se discute, cumpre-se” não pode valer somente para o cidadão, mas também para o Estado, que, inclusive, deve dar o exemplo.
Exerça seu direito de cidadão, convoque seu deputado federal a não aprovar esse calote público. Só assim conseguiremos dar um passo a mais no desenvolvimento do País. Vale ressaltar que toda a comunidade jurídica é contrária à emenda e já se manifestaram publicamente nesse sentido a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Ordem dos Advogados do Brasil e diversos sindicatos e associações.
Reynaldo Sangiovanni Collesi é advogado, sócio do escritório Ovidio Collesi – Advogados Associados