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Sociedade civil defende adiamento da revisão do Plano Diretor

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Deborah Moreira

Sao Paulo thomas hobbs Flickr interna

O artigo 4º do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo, aprovado em 2014, prevê a realização de uma revisão neste ano. Porém, especialistas e entidades da sociedade civil advertem que esta deve ser adiada devido à pandemia causada pelo novo coronavírus. Isso porque o processo requer efetiva participação popular, com a realização de debates presenciais, o que é considerado inviável durante a crise sanitária que exige distanciamento social. 

"Nós consideramos absolutamente inviável realizar a revisão do Plano Diretor da Cidade de São Paulo neste momento. Tal processo é muito importante para o desenvolvimento e organização do município e precisa refletir a realidade da vida da população e ser feito com ampla transparência e participação popular”, afirma Murilo. O dirigente pondera que nenhum desses objetivos citados por ele pode ser alcançado devido à conjuntura atual: “A pandemia ainda fora de controle impede a realização de reuniões e audiências presenciais. Optar pelo modelo de eventos virtuais significaria excluir grande parcela da sociedade sem acesso adequado à internet.”

Eliseu Gabriel Foto Luis Franca CMSPEliseu Gabriel (à dir.) durante votação do PDE. Foto: Luiz França-CMSPEliseu Gabriel lembra que a essência do plano foi construída a partir da ampla participação dos paulistanos. Foram 114 audiências públicas, com mais de 25 mil munícipes que apresentaram 10 mil contribuições. O texto passou, em 2013, por quatro etapas de revisão com audiências temáticas nas subprefeituras e oficinas públicas, além de um mapa colaborativo. Todo o processo de revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que culminou na Lei 16.050/2014, foi eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como exemplo de boa prática de planejamento urbano com presença popular efetiva.

“Mesmo que haja lives ou outros eventos virtuais, são poucos que conseguirão participar com internet de qualidade. Além disso, cria-se um processo mais distante pela tela. Por isso, é importante que seja adiada essa discussão”, pondera o vereador.

Urgência é outra

A proposta da Frente São Paulo pela Vida, que conta com apoio de 463 entidades, entre elas o SEESP, é adiar a revisão e discutir neste momento agenda emergencial relacionada à segurança alimentar, habitação, transporte e geração de renda aos pequenos empresários.

O pesquisador Ivan Carlos Maglio reforça a ideia que há outras urgências e lembra que as pessoas que têm menos acesso à internet são as que vivem nas periferias, onde observam-se os maiores índices de contaminação e mortes pela Covid-19.“Forçar uma revisão neste momento ataca as populações em situação crítica, sem haver necessidade emergencial." Ainda, pontua ele, é preciso efetivar o que a lei de 2014 determinou e não aconteceu, "como a criação de novos parques, de mais corredores de ônibus e as notificações de imóveis ociosos no centro para que possam ser aproveitados para habitação". 

votacao PDE Foto Luiz Franca CMSPAprovação do PDE em 30 de junho de 2014. Foto: Luiz França-CMSPEle se refere ao Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (Peuc), que tem como objetivo induzir os proprietários de imóveis não utilizados, não edificados ou subutilizados em regiões bem servidas de serviços e infraestrutura urbana a promoverem o aproveitamento, evitando a degradação do entorno e o desperdício do terreno. O instrumento já era previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e foi regulamentado na cidade pela Lei nº 15.234/2010.

Após ser notificado, o proprietário tem até um ano para demonstrar à Prefeitura o aproveitamento ou protocolar um projeto de reforma ou nova edificação. Caso não atenda, é aplicado o IPTU Progressivo, que eleva o tributo quando não há cumprimento da função social do imóvel. Dados de um relatório de setembro de 2019, feito pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), demonstram que até junho daquele ano a Prefeitura havia notificado 1.425 imóveis por não cumprirem com a sua função social e 392 estavam sujeitos ao IPTU Progressivo. De acordo com uma lista disponível no site da SMDU, foram emitidas 3.264 notificações até abril de 2021. Segundo essa relação, que apresenta falhas como imóveis repetidos e ausência de ordem cronológica, a grande maioria (2.192) ocorreu em 2015 e 2016, na região da Subprefeitura da Sé. Em 2017 e 2018, há apenas 142 notificações; em 2019, foram 411 notificações e, em 2020, 127, quase todas concentradas no dia 6 de fevereiro. Não há registros em 2021.

Interesse setorial

Ivan Carlos Maglio arquivo pessoalIvan Carlos Maglio. Foto: Acervo pessoal

O modelo urbanístico do Plano Diretor é verticalizar as habitações nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (Eetu) ao longo dos sistemas de transporte coletivo de alta e média capacidades, como metrô, trem e corredores de ônibus, com apartamentos menores e poucas vagas de garagem para incentivar o uso do transporte coletivo. Já nas áreas internas dos bairros, o plano prevê um controle maior da verticalização. “Elas [construtoras] querem quebrar esse modelo, querem poder construir mais vagas de garagem e mais prédios nos miolos dos bairros”, comenta Ivan Maglio.

 


Na sua opinião, neste ponto reside o interesse na revisão do PDE. “O discurso usado é sempre o de que é preciso destravar a cidade, retomar o setor da construção civil. Só que os números dizem o contrário, eles são muito favoráveis ao mercado, que vai de vento em popa”, completa.

Maglio alerta que o setor pretende diminuir o valor da Outorga Onerosa do Direito de Construir, instrumento instituído em 2002 no PDE, que já constava no Estatuto da Cidade e em lei federal, que estabelece limites cobrando contrapartidas de quem deseja edificar acima do coeficiente estabelecido pelo zoneamento. “A outorga onerosa é o coração do plano”, explica o especialista em planejamento ambiental e urbano, que coordenou a elaboração do PDE quando da inclusão desse dispostivo.

Os recursos arrecadados com a outorga vão para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) da SMDU, são usados na aquisição de áreas para produção de Habitação de Interesse Social e para iniciativas relativas a mobilidade, parques, saneamento ambiental e patrimônio cultural.


Atualização de dados
 

Outra questão levantada pelo pesquisador é que há mudanças na cidade, especialmente em virtude do longo período de sucessivas quarentenas para conter a disseminação da Covid-19, a serem consideradas antes de se alterar o PDE. “Uma boa parte está trabalhando em home office, deixando enormes escritórios vazios. Muitas empresas abriram mão da infraestrutura ou fecharam vagas. Por consequência, o transporte de massa não está recebendo o mesmo número de passageiros”, exemplifica.

 

populacao SP Foto Tomaz Silva Ag BR internaMudanças na cidade de São Paulo devem ser apuradas. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

 

Apurar adequadamente esse novo cenário depende também do Censo Demográfico da população brasileira, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que só deverá ser realizado em 2022, após ser suspenso em 2020, período em que estava previsto, e novamente neste ano. 

 

“A não realização do censo cria um apagão de informação fundamental. São dados populacionais que servem como base para aprimorar a medição e o foco das políticas públicas. Já tivemos um apagão no Estado que foi a extinção da Emplasa [Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A], cujos dados foram encaminhados para um órgão que não consegue operá-los, que é o antigo IGC [Instituto Geográfico e Cartográfico]”, explica Maglio.

Murilo Pinheiro Foto Beatriz Arruda JEMurilo Pinheiro, presidente do SEESP. Foto: Beatriz ArrudaAs entidades e especialistas que integram a frente defendem que um diagnóstico sobre a implementação do PDE, feito pela Prefeitura, deveria preceder a revisão. “É preciso que antes se conheçam esses dados efetivamente. É, portanto, evidente que a iniciativa precisa ser adiada", reforça o presidente do SEESP.

 

Contraponto
A Prefeitura Municipal de São Paulo argumenta que adiar a revisão prevista no PDE dependeria também de consulta à população. A administração também afirma poder garantir amplos debates a partir de um modelo híbrido de participação com ações presenciais e digitais, respeitando as recomendações do Plano São Paulo, do governo estadual, de combate à Covid-19.


O vereador Paulo Frange (PTB-SP), que atuou na construção do PDE em 2002 e em 2014 e como relator na Lei de Zoneamento, é favorável à revisão neste ano. Para ele, que é médico, é possível realizá-la no final do segundo semestre com segurança. “A Câmara vai receber essa proposta do Executivo só no segundo semestre, quando pretendemos iniciar as audiências públicas em toda a cidade”, afirma. O parlamentar acredita que haverá ampla participação pelos canais virtuais e também presenciais nos cerca de 50 teatros da rede de educação nos CEUs. “Os teatros são enormes e podemos usar um terço desses espaços, respeitando o distanciamento. As associações comerciais também podem ceder mais espaços para distribuir melhor, priorizando os ambientes abertos, com ventilação”, argumenta.

Frange acredita que até lá, mesmo com a vacinação “a passos de tartaruga”, haverá entre 35% a 40% da população vacinada, o que já daria uma margem maior de segurança. “Agora, a população pode ficar tranquila que não havendo ampla participação e muitos afirmando que não foram ouvidos, nós não somos obrigados a votar. O plano prevê que seja iniciada discussão neste ano. A lei não obriga a votar”, completa.

 

Havendo o processo de revisão, o vereador defende que haja maior aproveitamento na ocupação das avenidas principais da cidade, que estão fora das regiões centrais, onde se concentra o comércio, com tráfego dos ônibus pela faixa da direita, não pelo corredor. “Essas áreas representam 8% do território nobre da cidade. Há um questionamento grande de que nessas zonas comerciais os atuais prédios, de 15 a 16 andares, não fecham muito bem a conta para empreendimentos de melhor qualificação. É preciso discutir esse ponto”, comenta.

Ele também propõe maior flexibilidade para os projetos arquitetônicos. “Precisamos ser mais generosos no coeficiente de aproveitamento nas áreas hospitalares. Percebo a necessidade de modificar os prédios. Como vamos lidar com essas áreas vazias nos hospitais? Como transformar um prédio numa megaUTI? Olha a dificuldade que estamos tendo em prédios mais modernos, como o Hospital da Brasilândia, e como foi fácil transformar um prédio do Hospital Geral em 400 leitos de UTI”, avalia.


Frange sugere ainda a discussão sobre locação social, que considera essencial para reduzir o déficit habitacional. "Precisamos debater a possibilidade do mais pobre fazer uso desse instrumento que garante moradia próxima ao local de trabalho. Se a empresa muda de bairro, o trabalhador consegue se deslocar para outro imóvel com mais facilidade.”

Ele aposta que a criação de novas centralidades nas periferias ganhará corpo nas discussões. “Isso implicaria diretamente a redução do uso do transporte, tornando menor a distância entre casa e trabalho. Os vereadores estão bastante convencidos dessa necessidade”, argumenta.

Imagem de destaque – Foto: Thomas Hobbs/Flickr

(Dias depois da publicação desta matéria, o tema foi debatido em evento online, promovido pelo SEESP, com participação das fontes citadas. "O Plano Diretor da Cidade de São Paulo - Revisão exige transparência e participação popular, no dia 7 de junho)


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