José Roberto Cardoso
Você sabia que toda informação associada ao seu passaporte pode não estar no Brasil? A razão é muito simples: o chip inserido no documento não é fabricado no País, e sim adquirido no exterior,
o qual também o projetou, apesar de termos no País uma indústria que poderia ser capaz de produzi-lo.
Para quem não sabe, a indústria para produção de chip é cercada de uma série de exigências, que vão desde a escolha do local da instalação, que deve produzir vibrações muito abaixo daquelas que encontramos no restante do País, à necessidade de recursos humanos altamente qualificados.
A vibração do local, imperceptível pelo ser humano, limita a redução do tamanho do chip. Assim, para se chegar a um da ordem de dezenas de nanômetros (bilionésima parte de um metro), a estabilidade exigida no terreno deve ser elevada.
A presença da academia nas proximidades também é fator a ser considerado, pois a formação de recursos humanos qualificados precisa ser contínua, para garantir a longevidade e permanente evolução do conhecimento.
Esta introdução é para falarmos do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), a única indústria da América Latina fabricante de chips, instalada nos arredores de Porto Alegre (RS).
Fundado em 2008, portanto com apenas 13 anos de existência, está sendo liquidado pelo governo federal, o que deixa claro a falta de um projeto nacional de desenvolvimento, pois, como disse Sérgio Bampi, ex-diretor da empresa, “não se concebe que um Estado soberano renuncie à sua única capacidade fabril na área de micro e nanoeletrônica”.
A importância do Ceitec pode ser comparada à da Embraer, cofundada por Ozires Silva em 1969 para produzir o Bandeirante. O apoio estatal integral à companhia tornou-a uma das maiores empresas aeronáuticas do planeta, a ponto de ter mais aviões da Embraer voando nos céus americanos do que produzidos naquele país.
Se apoio afim tivesse sido dado ao Ceitec, teríamos atingido patamares de desenvolvimento semelhantes àqueles alcançados pela Embraer, quando decolou seu primeiro jato em 1990.
No atual cenário em que potências mundiais estão buscando se reequipar com fábricas e profissionais na área de circuitos integrados, a liquidação do Ceitec não só aumentará o fosso tecnológico do Brasil em relação às nações desenvolvidas, como diminuirá imensamente a capacidade brasileira para competir e inovar no mercado estratégico da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).
Dar um fim à indústria nanoeletrônica no País poderá acelerar o incentivo à fuga de cérebros para o exterior. Nossos grupos de pesquisa dessa área do conhecimento, que são poucos, mas valorosos, não terão outra alternativa a não ser trabalhar para instituições estrangeiras.
Não é fácil gerar conhecimento para benefício de outros, mas é isso que ocorrerá com a liquidação do Ceitec. O vetor de inovação em nanotecnologia apontará para fora de nosso país.
Quanto a nós, restará comprar o que nos for oferecido, mesmo com as severas restrições de acesso para o Brasil, pois estas são tecnologias desenvolvidas no exterior e consideradas sensíveis, devido ao seu uso civil e militar.
Passados alguns anos repetiremos, com certeza, sempre o mantra nacional “não sei por que não temos uma indústria de nanoeletrônica. Poderíamos fazer tanta coisa”. Creio que estamos fadados a ser apenas consumidores e admirar a competência dos outros.
José Roberto Cardoso é engenheiro, coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, ex-diretor e professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP)
Imagem no destaque: Freepik-Arte: Fábio Souza / Foto José Roberto Cardoso: Beatriz Arruda/Acervo SEESP