Soraya Misleh
Um mercado global cujos investimentos devem alcançar quase US$ 800 bilhões até 2024. Essa é a projeção da plataforma Bloomberg Intelligence, que reúne análises para nortear a tomada de decisões financeiras, quanto a uma tecnologia que promete revolucionar a forma como as pessoas se relacionam, consomem e produzem no mundo: o metaverso. Inspirada na ficção científica e agora deixando as páginas de livros e telas de cinema, aos engenheiros representa boas perspectivas e abre um leque de possibilidades.
Segundo Marcelo Knorich Zuffo, professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), o metaverso nada mais é do que a redefinição de conceitos do uso de tecnologias imersivas – realidades aumentada e virtual – nas redes sociais sob o ponto de vista do Facebook.
Ele destaca que não é algo novo. "Fomos os pioneiros em 2001 com a Caverna Digital", orgulha-se. A referência é à plataforma de computação e visualização de processos inaugurada sob coordenação do Núcleo de Realidade Virtual do Laboratório de Sistemas Integráveis da Poli-USP, que já apresentava um ambiente de imersão para recriação virtual de um universo possível. "Através da combinação da projeção de imagens tridimensionais com o uso de óculos especiais, além de interfaces que estimulam sensações sonoras e táteis, ela é utilizada para tomadas de decisões críticas em engenharia. A simulação da perfuração de uma bacia de óleo e gás e a construção de protótipos de automóveis, aeronaves e imóveis, por exemplo, podem ser feitas a um custo muito inferior ao de uma maquete real", apontava a Escola Politécnica em seu site há 12 anos.
No âmbito comercial, Zuffo observa que também “já houve tentativas passadas, como o Second Life [jogo que permitia simular um mundo virtual, lançado em 2003 pela empresa americana Linden Lab], mas não deu certo. A diferença é que desta vez não é uma rede começando do zero. Tem massa crítica considerável. Não é mais uma aventura, pode ser pujante. Com isso, engenheiros serão cada vez mais demandados”.
O especialista chama a atenção que sua viabilização está diretamente vinculada à implantação do 5G. E informa que a Academia Norte-Americana de Engenharias apresenta o aprimoramento da realidade virtual como um dos 14 desafios da área na atualidade. O jornal Valor apresenta ainda o metaverso como uma das dez tendências tecnológicas para 2022.
Na análise de Zuffo, o futuro serão os chamados "gêmeos digitais", em que você recria virtualmente um produto, por exemplo, e faz simulações antes de fabricá-lo, como um automóvel, estação de metrô, unidade industrial, plataforma de petróleo ou mesmo órgão humano na medicina.
Para alavancar esse mercado, o proprietário do Facebook, Mark Zuckerberg, divulgou mudança de nome da empresa para Meta, a qual reúne todos os aplicativos do grupo (incluindo Instagram, Messenger e WhatsApp), com 3,6 bilhões de usuários registrados. Além disso, anunciou investimento de US$ 150 milhões e contratação de 10 mil especialistas na União Europeia para sua construção.
O efeito dominó no segmento vem sendo sentido. Segundo reportagem do portal Seu Dinheiro de 1º. de dezembro último, a plataforma aberta Decentraland vendeu um terreno digital por um valor em criptomoedas equivalente a US$ 2,4 milhões. Em outra, The Sandbox, um iate virtual foi comercializado por US$ 650 mil. O que está em jogo, conforme Tiago Ricotta, gerente de experiência do cliente da empresa de tecnologia Trimble no Brasil, é atrair as pessoas para seu ambiente. “Isso vale dinheiro hoje.”
Essas movimentações têm despertado o interesse das maiores empresas do mundo, não só do setor de tecnologia, como aponta a mesma reportagem do portal Seu Dinheiro. Entre as que estão investindo em metaverso encontram-se Nike, Adidas, Disney, além da Microsoft. “É um mercado muito reativo. A tecnologia é exponencial. A cada hora surge uma nova startup. Engenheiros e arquitetos devem atentar para isso”, avisa Ricotta, informando que já há na Europa escritórios com foco exclusivamente em projetos imersivos. No Brasil também há especialistas trabalhando nesse sentido.
Para ele, o metaverso é o futuro da internet. Com o uso de óculos 3D, o usuário poderá se “teletransportar” de um portal para outro clicando em um aplicativo no seu celular. Com luvas, pode tocar e pegar objetos nesse ambiente paralelo. Zuffo comenta ainda que essa conectividade pode se dar com telas especiais de computador. “Desenha-se um mundo virtual e seu personagem (avatar) transita nesses locais”, completa Ricotta.
O usuário pode, por exemplo, experimentar uma roupa ou calçado por rede social e simular um test drive antes da compra de um automóvel sem sair de casa. “As vantagens das tecnologias imersivas são que propiciam maior engajamento, uma possibilidade de interação do real com o virtual muito mais ampla”, ensina Zuffo, que destaca sua aplicação não só no comércio e serviços, mas em diversos setores produtivos, por exemplo construção civil, petróleo (simulação de plataformas), medicina (cirurgias invasivas), transporte e aeronáutica. “A Embraer já está usando realidade virtual”, observa. Entre os exemplos ainda está simulador de navegação de comboios fluviais desenvolvido no Tanque de Provas Numérico da USP, instalado na Transpetro, no Rio de Janeiro, em parceria da Escola Politécnica, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e Petrobras.
A tokenização (substituição de dados reais por equivalentes) é a grande aposta de Ricotta para a engenharia e a arquitetura. Na sua opinião, os profissionais dessas áreas vão passar a realizar projetos cada vez mais imersivos, adentrando o ambiente que querem construir e modelando-o em 3D. “Vislumbro essa evolução nos próximos dez anos.”
Demandas e novas profissões
Alexandra Justo, gerente da área de Oportunidades na Engenharia do SEESP, acredita que com essa tecnologia se expandindo no Brasil, engenheiros de diversas modalidades deverão ser requisitados, desde computação, biomédica, biotecnologia e bioprocessos a produção, elétrica, mecatrônica e custos.
Além disso, elenca algumas novas profissões, apontadas em reportagem da revista Época Negócios, especificamente voltadas a metaverso, como cientista de pesquisa, estrategista, gerente de segurança, desenvolvedor de ecossistemas, construtor de hardware e de mundos, especialista em bloqueio de anúncios e em segurança cibernética.
Nos últimos dois anos, segundo sua análise, já se percebe a geração de vagas com ênfase na área de programação, Internet das Coisas, computação, desenvolvedores etc.. “Percebemos a grande demanda por profissionais que trabalhem as conexões robustas visando o carregamento dos dados de vídeo e os retornos imediatos dos movimentos no novo espaço imersivo. Profissionais competentes que atuem com 5G, criação de conteúdo, programação e design de jogos já são muito bem-vindos.”
Orientação
A área de Oportunidades na Engenharia do SEESP, como frisa ela, “está atenta ao que acontece no mercado de trabalho e apurará agora também as oportunidades além das fronteiras”. Justo acrescenta: “Prosseguiremos a nossa orientação dando ênfase à indicação de habilidades técnicas como aprimoramento profissional constante. Isso é fundamental. Por outro lado, sabemos que as habilidades comportamentais – soft skills – não perderão projeção e protagonismo nas profissões.”
Ao engenheiro que deseja se preparar para esse mercado, portanto, Justo dá a dica: além das habilidades técnicas e de domínio do idioma inglês, precisa reunir competências como facilidade de se adaptar, ser bom ouvinte e comunicador, saber se relacionar com a diversidade, ser inclusivo, manter-se atualizado e estar preparado para atuar de forma interdisciplinar.
Foto de capa: Freepik / Arte Fábio Souza