Carlos Saboia Monte
Desde 2006, a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) e seus 18 sindicatos filiados têm no projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” seu principal instrumento de mobilização pelo avanço socioeconômico, científico e tecnológico do País. A iniciativa tem coberto os diversos segmentos da nossa profissão, oferecendo propostas e avaliando criticamente as medidas adotadas pelos governos.
Como os pré-candidatos à futura disputa das eleições presidenciais estão preparando seus programas de ação, oferecemos aqui, a título de colaboração, as ideias centrais do projeto ao qual os engenheiros se dedicam há 15 anos.
Como vem acontecendo na maioria dos países, desde que a pandemia do novo coronavírus se instalou, o papel dos Estados Nacionais tem se mostrado decisivo para atenuar a dramática perda de renda de suas populações assoladas pelo aumento do desemprego, pela perda de suas moradias, pela necessidade de manter-se socialmente isoladas para evitar a contaminação e, no limite, pelo fantasma da fome. Auxílios emergenciais, complementação de rendas, a distribuição de cestas básicas e a suspensão de execução de dívidas foram adotadas em diversas partes.
Mais do que isso, ficou patente que o modelo de economia de mercado e a solução individual dos problemas mundiais, como praticado pela doutrina liberal, não consegue mais dar conta de diminuir o fosso entre segmentos populacionais submetidos a uma distribuição de renda crescentemente injusta.
Independentemente das opiniões econômicas individuais, convém aos novos governantes pensarem antecipadamente sobre programas assistenciais que possam vir a adotar, seja pela prorrogação do prazo de duração da atual pandemia, seja pela possível ocorrência de novos fatos semelhantes causados por fenômenos climáticos extremos.
Igualmente podem se frustrar as tentativas de buscar uma ação mais eficaz dos investidores, que, à luz das incertezas mundiais generalizadas, tendem a se retrair, adotando posições conservadoras e, assim, reduzindo a probabilidade de êxito de um programa de privatizações. Sugerimos, portanto, que essa dificuldade seja levada em conta.
Com base nas informações e premissas acima, fazemos as recomendações a seguir para setores específicos da nossa economia.
Petróleo e gás
Em 2008, ocorreu a fantástica descoberta das reservas do pré-sal pela Petrobras. Era a promessa da independência na produção de petróleo e gás, com atendimento pleno das demandas de combustíveis fósseis em território brasileiro, e ainda poderíamos contar com excedentes para exportação. Superadas as dificuldades para iniciar-se exitosamente a produção, houve uma reversão gradual de expectativas, resultando em exploração de parte significativa de nossas reservas por empresas multinacionais, vencedoras de leilões promovidos pelo governo brasileiro. E foi adotada uma política de preços baseada nas cotações internacionais do petróleo, encarecendo muito a gasolina, o gás de cozinha e o diesel, o que repercute fortemente no custo de vida, especialmente dos cidadãos mais pobres. O atual surto inflacionário está a recomendar a revisão dessa política pela Petrobras, como, aliás, vem sendo debatido no Congresso.
Energia elétrica
A implantação de novas formas de geração de energias mais limpas (eólica e solar) tem contribuído para reduzir a dependência do regime pluviométrico, fundamental para a produção, mais barata e menos poluente, de energia elétrica de base hídrica. Todavia, a escassez de chuvas e a impossibilidade de armazenamento dos ventos e dos raios solares acabou resultando na reativação de usinas de reserva de base térmica, mais caras, que tem impactado fortemente o custo da eletricidade para os consumidores.
Entre as demais formas de geração elétrica, sugeridas pelo "Cresce Brasil" e que não foram adotadas, devem ser mencionadas a cogeração, o uso da biomassa (álcool e madeira) como fonte térmica menos poluente e ainda a adoção significativa da geração distribuída, que requer menor utilização de extensas linhas de transmissão para o transporte da energia produzida em locais afastados dos centros de consumo de carga. Referendamos todas essas recomendações por julgarmos que permanecem viáveis.
Saneamento básico
A aprovação pelo Congresso Nacional de um novo marco regulatório para o saneamento foi feita com a promessa de que o País possa melhorar o seu desempenho nesse setor, passando a oferecer água e esgotamento com qualidade para toda a nossa população. Entre os principais entraves que devem ser examinados cautelosamente sobre esse tema, estão: concorrência ou associação entre empresas dos setores privado e público; importância do papel a ser desempenhado pelas agências reguladoras; incremento de custos para os consumidores; e a tendência mundial de reversão de concessões, sobretudo em diversos países da Europa.
Rodovias
Segundo relatório anual de 2019 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o País possuía 1.720.700km de rodovias, dos quais apenas 213.453km eram pavimentados. Desse total, 59% foram avaliadas como regulares, ruins ou péssimas.
A extensão das rodovias cresceu apenas 0,5% entre 2009 e 2019, enquanto o incremento da frota nacional de veículos foi de 74,1% no mesmo período, passando de 59.361.642 para 103.363.180, com participação crescente do número de caminhões, tratores e reboques.
Essa disparidade entre a expansão das rodovias e o aumento da frota justifica a demanda crescente de manutenção das vias para garantir a melhor segurança possível das condições de tráfego. A conservação das rodovias vicinais também exige o mesmo cuidado para permitir o acesso mais adequado às regiões fornecedoras de produtos agrícolas, pecuários e florestais.
No que diz respeito aos transportes urbanos e interurbanos de passageiros, o modal rodoviário também é predominante, mas cabe destacar a presença crescente do transporte sobre trilhos nas regiões metropolitanas.
Ferrovias
Vêm sendo tomadas algumas iniciativas para incrementar a rede de ferrovias, visando sua maior utilização para escoamento das cargas produzidas pelo agronegócio, em especial na região Centro-Oeste, não apenas para o transporte entre as regiões produtoras e os portos atlânticos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), bem como criando novas alternativas para saída de produtos pelos rios amazônicos. A renovação antecipada das concessões a vencer das empresas privadas foi a fórmula utilizada para permitir o desenvolvimento do trecho sul da Ferrovia Norte-Sul, pela Rumo, e da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), por meio da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
No caso da Norte-Sul, a concessão de 1.500km de extensão, entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP), já se tornou efetiva, permitindo a ligação com Santos pela Malha Paulista, que já era operada pela Rumo.
A Fico teve seu projeto inicial melhorado e deverá ligar Mara Rosa (GO) a Lucas do Rio Verde (MT), totalizando 1.641km, servindo para permitir o escoamento da produção agropecuária de Mato Grosso via Santos e constituindo-se em passo importante para a futura execução da Ferrovia Transamericana, que permitirá ensejar o acesso dos centros produtores do Centro-Oeste, através da Bolívia e do Peru, até os portos de Antofagasta ou Arica, no Chile, e Icó, no Peru.
Já o projeto da EF-170, a Ferrogrão, que ligará Sinop (MT) a Miritituba (PA), deverá demandar prazo de execução mais alongado, pois ainda precisam ser superados obstáculos ambientais e legais, bem como realizadas todas as etapas de estudos e projetos até se desencadear o investimento total de mais de R$ 15 bilhões, necessário para sua implementação.
Mais recentemente, foi concedida pelo governo à empresa Bahia Mineração (Bamin) a ligação entre Caetité e o Porto de ilhéus, primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, para permitir a exportação dos minérios extraídos pela companhia.
Outra iniciativa conjunta, dos governos federal e pernambucano, possibilitou a recente outorga à Bemisa Holding S.A.-Mina Baratinha do trecho de 717km da Transnordestina, situado entre Curral Novo (PI), passando por Salgueiro e chegando ao Porto de Suape (PE).
Obras públicas inconclusas
A FNE incluiu na edição “Recuperação pós-pandemia” do “Cresce Brasil” a proposta de retomar as obras paralisadas. A medida contribuiria para a criação de novas oportunidades para os engenheiros e demais categorias que atuam na construção civil direta ou indiretamente.
Quais critérios possibilitam classificar uma obra como inconclusa? Há mais de um, e apresentaremos a seguir três exemplos. A Caixa Econômica Federal estabelece que são obras que apresentam evolução inferior a 1% do cronograma físico inicialmente contratado, em um período contínuo de 90 dias. Já́ de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), uma obra é tida como paralisada se não possui execução orçamentária há mais de um ano, ainda que tenha contrato vigente. Por fim, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso definiu obra paralisada como aquela declarada como tal pelo gestor, com um ano ou mais sem medição, ou ainda quando o contrato foi rescindido e a obra, não concluída.
Segundo informações apuradas a partir de diversas fontes, o volume de recursos desperdiçados, por força da interrupção de obras, atinge montantes elevados, como veremos a seguir:
- Em 1995, comissão do Senado destinada a inventariar as obras inacabadas verificou a existência de mais de 2 mil obras inconclusas, com dispêndios acumulados de mais de R$ 15 bilhões, à época.
- Em 2007, o TCU, em trabalho realizado sobre 400 obras não concluídas no valor acumulado de R$ 3,342 bilhões, publicou o Acórdão 1.188/2007, do qual resultou uma recomendação expressa de que passasse a ser mandatório um levantamento completo das obras públicas em andamento para permitir seu acompanhamento e a detecção de problemas em sua execução.
- Um outro levantamento, desta vez por iniciativa conjunta da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), tomando em conta apenas informações de duas comissões constituídas separadamente no Congresso Nacional (a Comissão Especial do Senado Federal de Obras Inacabadas – Ceoi e a Comissão Externa da Câmara dos Deputados – Cexobras), somente para acompanhar as obras do governo federal, e considerando-se somente aquelas administradas pela Caixa Econômica Federal, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, apresentou 7.439 inconclusas em dezembro de 2016.
- Por fim, o Governo Temer lançou, em novembro de 2017, o programa “Agora é avançar”, de responsabilidade do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, tendo por objetivo retomar 7.439 obras que se encontravam paralisadas e completá-las até o fim de 2018. As obras referidas dizem respeito aos setores de logística, óleo e gás, defesa, política social, habitação, mobilidade urbana, saneamento e energia. O conjunto representava um valor somado de R$ 76,7 bilhões, com todas as obras na área de atuação do governo federal, sem incluir obras estaduais e municipais.
- Em 2020, foi criado um programa semelhante, por iniciativa do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), contando com a participação de diversos órgãos da administração pública federal e que recebeu o nome de “Destrava”.
Somente considerando os dados das fontes acima citadas e sem levar em conta as obras inconclusas a cargo de estados e munícipios, podemos afirmar que o prejuízo causado aos cofres públicos por mais de 10 mil obras paralisadas alcança valor superior a R$ 100 bilhões, o que demonstra a necessidade de ser buscada uma solução para esse ingente problema.
As interrupções de obras devem-se a múltiplas causas, ora por responsabilidade da empresa contratada, ora por culpa do órgão público contratante, ou de ambos, contratante e contratado, e ainda por outros motivos fortuitos.
A FNE entende que a abordagem do problema das obras inconclusas pode representar a mais importante iniciativa para permitir a recomposição rápida dos empregos perdidos no recente ciclo de desaceleração da economia brasileira, ensejando simultaneamente a rápida oferta de trabalho para as empresas e para os profissionais da engenharia, atingindo outrossim o objetivo de aumentar a oferta de equipamentos e serviços públicos nas mais diversas áreas, como saúde (hospitais, postos de saúde, ambulatórios, clínicas, laboratórios de imagem e exames clínicos); educação (escolas, creches, institutos, faculdades); segurança pública (presídios, delegacias, postos de fiscalização nas estrada, postos de fronteira); e vias de transporte (trechos de estradas, pontes, viadutos, obras de arte em geral).
Carlos Saboia Monte é consultor e coordenador técnico do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”
Imagem do destaque: Fotos: Tiago Correa/UGPE e Cláudio André Santos (Divulgação PAC) | Arte: Eliel Almeida