Gilberto Maringoni
O Estado – ou o poder público – tem sido cuidadosamente caluniado durante as últimas cinco décadas. Isso se dá em variadas campanhas de desinformação ao redor do mundo. Tido como ineficiente, lerdo, atrasado, obsoleto, perdulário, burocratizado, patrimonialista, foco de empreguismo, preguiça, desperdício e corrupção, entre tantos outros atributos negativos, o Estado foi responsabilizado por quase todos os pecados passados, presentes e futuros da sociedade.
Foi chamado de dinossauro por presidentes, governadores/as, deputados/as, prefeitos/as, empresários/as, acadêmicos/as, intelectuais, dirigentes sindicais, jornalistas, artistas e incontáveis mais, numa corrente ecumênica de detratores.
Diante dessa situação, seria necessário realizar o desmonte, a desestatização, a privatização, a capitalização, a parceria público-privada, a concessão em busca de melhores preços e qualidade de serviços e produtos para se abolir tais males. Urgia abrir a economia, derrubar barreiras, desmontar cartórios, varrer privilégios e acabar com a boa vida de funcionários folgados e indústrias superadas, em um bota-abaixo furioso. As palavras de ordem imediatas passaram a ser reformas, enxugamentos e ajustes.
Em nosso país, a cruzada é propagada como um embate moral e mortal entre o moderno e o arcaico. Seria preciso romper com a era Vargas e acabar com um tal de gigantismo estatal. Conversa fiada, ou fake news, como se diz em português pós-moderno.
Vivemos há 30 anos uma política de privatizações, venda de ativos e de concessões de serviços públicos para a iniciativa privada. É quase impossível ver vantagens em qualquer uma delas. Os preços subiram, a qualidade dos serviços desabou e todas as concessionárias vivem fazendo lobbies por financiamentos, relaxamento de exigências nos contratos, isenções fiscais e favores do Estado. Uma negociata para poucos.
A pandemia mostrou que só um serviço estatal, como o Sistema Único de Saúde (SUS), tem condições de proteger a população brasileira, com vacinação maciça, rápida e eficiente. Agora imaginem se essa estrutura não existisse e o combate à Covid estivese a cargo dos planos de saúde privados. Os engenheiros e engenheiras, por sua vez, sabem que não existe infraestrutura sem iniciativa estatal.
Para contribuir com essa disputa é que organizei o livro "A volta do Estado planejador – Neoliberalismo em xeque" (Editora Contracorrente). Ele traz capítulos de gente do primeiro time da economia, da ciência política e da luta pela democracia. Os autores são Adalberto Cardoso, Aloizio Mercadante, André Lara Resende, André Roncaglia de Carvalho, Antonio Corrêa de Lacerda, David Decccache, Dennis de Oliveira, Franklin Martins, Isabella Nogueira, Ivan Colangelo Salomão, João Sicsú, José Luís Fiori, José Sergio Gabrielli de Azevedo, Juliane Furno, Juliano Medeiros, Leda Maria Paulani, Mário Bernardini, Paulo Gala, Paulo Kliass, Pedro Cezar Dutra Fonseca, Renata Lins, Rosa Maria Marques, Walter Sorrentino e William Nozaki.
O centro da obra pode ser resumido na frase: para desenvolver o Brasil e melhorar a vida de nossa gente, é preciso ação do Estado. Com seu impulso o Brasil foi o país da periferia que mais cresceu entre 1930-1980. Precisamos de um Estado forte para planejar o futuro. Forte, democrático e a serviço da cidadania.
Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), coordenador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (Opeb), artista gráfico e cartunista
Fotos: Destaque - Arte: Eliel Almeida / Perfil Gilberto Maringoni - Acervo pessoal