Jéssica Silva
O Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (Cobenge) chega a sua 50ª edição com duas importantes tarefas: celebrar a implantação das novas diretrizes curriculares para os cursos da área, com prazo prorrogado devido à pandemia para serem incluídas em todas as grades até abril de 2023, e chamar a atenção das instituições de ensino, alunos e profissionais a um grande desafio atual da sociedade, o cuidado com o meio ambiente.
Promovido pela Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge), neste ano o evento tem como tema “A arte da formação em engenharia para os desafios do desenvolvimento sustentável”. A realização será online, em quatro dias de atividades, de 26 a 29 de setembro próximo. Pela primeira vez o Cobenge é organizado por cinco instituições simultaneamente: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Centro Universitário FEI, Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“É uma edição especial pela organização e principalmente pelo tema, em um momento que o mundo inteiro enfrenta mudanças climáticas e outras questões relacionadas, e para enfatizar às instituições de ensino superior do País a relevância dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Toda escola de engenharia tem que dar a devida importância a esse tema na formação de seus alunos”, afirma o coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, professor da Poli-USP e chairman do Cobenge, José Roberto Cardoso.
Em meio às comemorações pelo centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, o presidente da Abenge, Vanderli Fava de Oliveira, afirma que não por acaso o tema do congresso inclui "arte", o que expressa a compreensão de que trata-se de fonte para criatividade nas atividades da engenharia. "O exercício da profissão é, antes de tudo, uma arte”, frisa.
Desde a primeira edição, em 1973, o Cobenge movimenta o mundo acadêmico em um encontro para apresentação e discussão de pesquisas e trabalhos técnicos sobre o ensino de engenharia. “É um ambiente para troca de conhecimento”, descreve Marcello Nitz da Costa, pró-reitor acadêmico do Instituto Mauá.
De 1º de março até 24 de abril próximo está aberto o prazo para submissão de artigos e trabalhos a serem apresentados durante a edição deste ano. A Comissão Científica do evento, coordenada por Nitz, é a responsável por todo o processo de recepção dos trabalhos, distribuição para avaliação por pares, organização das apresentações nas diferentes sessões técnicas que compõem a programação do congresso e, ao final, publicação em documento disponível no site da Abenge. “Os temas propostos vão desde aspectos relacionados a gestão, regulação, interação com a indústria, com a educação básica, a questões das salas de aula como inovações curriculares, metodologia, tudo com a vertente da sustentabilidade”, explica o pró-reitor.
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Em sua visão, a sustentabilidade “sempre estará na ordem do dia do engenheiro”. O assessor de Relações Institucionais da FEI e coordenador da Comissão de Marketing do 50º Cobenge, Fábio do Prado, ratifica: “Está claro que não adianta mais você ensinar engenharia por ensinar, a engenharia deve trazer soluções para demandas de sustentabilidade e desenvolvimento da sociedade.”
“Vamos colocar na mesa o desafio maior dos engenheiros deste século, que é a garantia de um mundo melhor, seguro e agradável de se viver”, salienta o professor do Departamento de Eletrônica e Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Deeb-Feec) da Unicamp e membro da Comissão Estratégica do evento, Gilmar Barreto.
O congresso conta ainda com o V Simpósio Internacional de Educação em Engenharia da Abenge, e na programação inclui expositores de outros países, segundo conta o coordenador da Comissão Internacional do evento, Marcelo Augusto Leal Alves, do Departamento de Engenharia Mecânica e da Comissão de Relações Internacionais da Poli-USP. “Pretendemos trazer pesquisadores do tema internacionalização e até grandes instituições de ensino superior que possuem esses programas [...]. A ideia é promover a troca a respeito da formação do engenheiro hoje. Ele pode trabalhar na esquina de casa ou em outro país, mas tem que estar preparado para atuar em problemas globais, em equipes multiculturais”, salienta.
A programação completa e as inscrições para o público serão divulgadas próximo à data do evento – acompanhe no portal da Abenge
Novas diretrizes e o ensino de engenharia
Também na pauta do Cobenge está a discussão acerca da implantação das Novas Diretrizes Curriculares dos cursos de engenharia, instituídas a partir da Resolução nº 2, de 24 de abril de 2019. Estas foram elaboradas por comissão nacional formada pelo Ministério da Educação por meio do Conselho Nacional da Educação (CNE), com participação da Mobilização Empresarial pela Inovação/Confederação Nacional da Indústria (MEI/CNI), do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e da Abenge, que teve atuação determinante, conforme conta Oliveira.
Segundo o presidente da associação, o novo texto traz à formação do engenheiro o desenvolvimento de competências e habilidades para além do conhecimento teórico, que classifica hoje como "commodities". Ele detalha: "Se você precisa de um determinado conhecimento, vai na internet e está lá. Só o conteúdo não é suficiente para formar o engenheiro. É necessário que se insira em uma determinada atividade para que o aluno aprenda como usar, como aplicar.”
Na análise de Cardoso, a modernização da grade acrescenta tendências mundiais na formação de habilidades interpessoais do engenheiro, como aprimoramento da comunicação, da escrita, apresentação e mesmo noções econômicas, de negociação. Para Prado o novo ensino significa uma “universidade em saída”. Ele justifica: “As diretrizes vêm num momento e com uma mensagem muito norteadora de que a engenharia precisa trabalhar muito proximamente à sociedade.”
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Documento de apoio à implantação das DCNs do curso de graduação em engenharia, produzido pela Abenge, CNI, Confea e outras instituições
Um livro para formar o engenheiro do século XXI
Nesse sentido, Oliveira vislumbra que a atualização curricular traga mais e melhores profissionais ao mercado. Segundo ele, uma das preocupações durante o processo de construção das diretrizes era o alto índice de evasão nos cursos. “Em 2012 tivemos o menor índice, mas isso veio crescendo. Em 2019, que são os últimos dados, a evasão nas escolas privadas era de 66% e nas públicas passava de 50%.” (veja quadro abaixo)
O presidente da Abenge avalia: “Para um país que precisa de engenheiros, formamos proporcionalmente à população menos do que todos os países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Em 2019, o Brasil formou cerca de 126 mil. Na Coreia do Sul, por exemplo, na década de 1990 já se formavam 80 mil, sendo que o país tem um quarto da nossa população. Não temos o desenvolvimento tecnológico e a engenharia como principais geradores de riquezas. Para reverter isso a melhoria da qualidade [dos cursos] é fundamental.”
Outras modificações nos cursos superiores citadas pelos especialistas refletem no ensino de engenharia, como as diretrizes gerais da aprendizagem híbrida, ainda em discussão pelo CNE, e, em fase de implantação, a resolução que determina que 10% da grade horária seja destinada a projetos de extensão. Esta última, em especial, é vista com bons olhos pelos acadêmicos. “Serão projetos voltados para a sociedade, para procurar soluções e impactar positivamente nos padrões de qualidade de vida. Precisamos ver o futuro com entusiasmo. Com certeza, as escolas de engenharia farão parte do desenvolvimento de um futuro melhor”, almeja Barreto.
Tudo isso converge para que o 50º Cobenge aconteça em um momento ideal para se discutirem tendências e “inspirar as pessoas para mudanças”, como classifica Nitz. O desafio não é pequeno. “Ouso dizer que falta ambição nos cursos de engenharia, falta uma visão ampla. Nosso país é continental e tem uma distribuição de renda desequilibrada. Isso faz com que tenhamos vários tipos de educação superior, das mais simples, baratas e com menos estrutura às altamente exigentes. É preciso debater qualidade para todas”, conclui o pró-reitor do Instituto Mauá.
*Texto editado em 16/3/2022.