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O papel do petróleo e gás na guerra

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 Giorgio Romano Schutte

 

A guerra na Ucrânia mostrou novamente a centralidade dos recursos energéticos, em especial do petróleo e do gás, na política internacional. A dinâmica de grande parte das guerras travadas no último século exige essa leitura, às vezes mais evidente, às vezes menos. A invasão do Iraque pelos Estados Unidos e seus aliados, em 2003, por exemplo, aconteceu quando o País dependia de importações em cerca de 65% de seu consumo de petróleo. Hoje, com o gás e petróleo não convencional, conseguiu mais do que dobrar sua produção, e os EUA se tornaram quase autossuficientes e exportadores de energia. Não é o caso da Europa, que esgotou ou aposentou grande parte de seus recursos e se tornou um grande importador de energia.

 

Embora há vários anos tenha feito compromissos e investimentos em energia renovável, isso não compensou a crescente dependência europeia de importações de fósseis. Entre 2009 e 2019, ficou praticamente estável, em torno de 60%. E ainda houve a decisão da Alemanha de sair da energia nuclear após o incidente em Fukushima, em 2011. No caso do gás, a relação importação/consumo aumentou de 70% para 90%. De onde a Europa importa? Em todas as fontes a dependência se dá exatamente com a Rússia. A participação daquele país no total das importações de petróleo, carvão e gás é em torno de 30%, 39% e 40% respectivamente. Isso na véspera da inesperada invasão da Ucrânia pelas tropas russas.

 

A verdade difícil de aceitar para as grandes economias europeias é que havia uma parceria firme com a Rússia porque havia confiança e a ideia de que o seu presidente, Vladimir Putin, era previsível, embora defendesse com determinação os interesses de seu país. Trata-se de opção política muito enraizada na Alemanha, até como uma forma de exercer uma política externa com relativa autonomia em relação aos EUA. Houve gritaria e protestos em 2014, quando o governo russo reagiu com uma ação militar à derrubada do presidente Viktor Yanukovytch, considerado pró-Rússia, em um ciclo de protestos na praça principal de Kiev, conhecidos como Maiden ou Euromaiden. A União Europeia lançou um documento intitulado “Estratégia europeia de segurança energética” no qual afirmou que “a UE tem de reduzir a sua dependência externa em relação a determinados fornecedores, diversificando as suas fontes de energia, os seus fornecedores e as suas vias”.

 

Mas já no ano seguinte Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, deu o aval a Nordstream II, gasoduto que duplicaria a capacidade de importação de gás da Rússia pelo Mar Báltico, sem passar pela Ucrânia ou Polônia. Uma clara demonstração de que Crimeia é Crimeia, mas negócios à parte. O gás competitivo interessava demais aos parceiros da Gazprom, entre as quais a Shell, Wintershall (Basf) e Engie. Com isso tudo, Putin, pelo jeito, se sentiu confiante de ir mais longe. Afinal, tendo o segundo maior arsenal de armas nucleares e a dependência energética da UE, o que poderia impedi-lo? De outro lado, ninguém estava esperando isso. Excesso de confiança de um lado e uma avaliação precipitada sobre as divisões internas da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e sua própria decadência, a fragillidade do regime da Ucrânia. É muito provavél que a Rússia, mesmo com toda superioridade militar, ainda se arrependa dessa aventura.

 

Ao mesmo tempo mostrou para Europa e o mundo que petróleo e gás continuam recursos estratégicos. Europa vai ter de se desdobrar para encontrar outras fontes confiáveis. E quem sabe o Brasil se dê conta que o pré-sal é algo para ser valorizado em prol do desenvolvimento nacional e de uma inserção internacional estratégica soberana e qualificada. A insistência na privatização da Petrobras vai na contramão e parece mais um grito de desespero dos neoliberais convictos.

 

GiogioRomano

 

Giorgio Romano Schutte é professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (Opeb)

 

 

 

 

Imagem no destaque: Tom Fisk / Foto Giorgio Romano Schutte: Geert-Jan Kuypers

 

 

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