Soraya Misleh
Por seu potencial, o Brasil tem condições de liderar a necessária transição energética mundial ao enfrentamento das mudanças climáticas – o que envolve um conjunto de medidas de mitigação e de adaptação para alcançar uma economia de baixo carbono. Nessa direção, transformação radical na estrutura do setor em relação à oferta e à demanda de energia é condição sine qua non. Seu planejamento deve ser pensado visando a conservação, a eficiência energética e a geração limpa, em convergência com as demandas econômica e social de promover a competitividade da indústria e criar empregos.
nova edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) que conta com a adesão de seus sindicatos filiados, entre os quais o SEESP.
Quem aponta é a especialista Clarice Ferraz, segundo a qual as empresas estatais têm papel central nesse processo, ante os elevados investimentos de longo prazo necessários à transição energética, seja na inovação ou na adequação de novas infraestruturas. Professora da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Economia de Energia (GEE) e diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), ela é autora da nota técnica sobre o tema para a
“A descarbonização da economia exige o aumento da eletrificação dos usos energéticos, ganhos de eficiência e ampliação de fontes renováveis na matriz. Há uma mudança radical da estrutura do setor, com aumento dos custos, diferentes necessidades de financiamento e maior dificuldade de operação devido à intermitência e imprevisibilidade das novas fontes renováveis. Consequentemente, é preciso modificar os marcos regulatórios que regem as atividades energéticas”, enfatiza na nota técnica.
O papel das empresas estatais
A participação do Estado brasileiro no setor produtivo se reduziu significativamente após a onda de privatizações inaugurada nos anos 1990. Clarice Ferraz propõe na nota técnica o caminho inverso: “Para a economia voltar a crescer a partir do desenvolvimento sustentável, com inclusão social e estabilidade de preços, o setor produtivo estatal energético é central, assim como uma estratégia de coordenação e cooperação com o setor privado. A regulação do uso dos recursos naturais – cujas abundância e qualidade sejam possivelmente as maiores vantagens comparativas –, acompanhada de uma política de administração de demanda efetiva, por meio de investimentos públicos que enfrentem a grave crise ecológica em curso, são instrumentos econômicos que alicerçam as estratégias de desenvolvimento sustentável no longo prazo.”
Ao encontro dessa proposta, é fundamental, como destaca, recuperar o controle público da Eletrobras, que, ao lado de outro conglomerado estatal do setor – a Petrobras –, deve ter sua gestão voltada ao interesse da sociedade, com redução da influência dos acionistas minoritários.
“A Eletrobras é dona de portfólio que representa 30% da capacidade de geração do País, constituído em 94% de energias renováveis, dos quais 91% são oriundos de geração hidrelétrica a partir de reservatórios. Essa dotação invejável lhe proporciona grande flexibilidade de geração limpa e, ainda mais extraordinário, a custos módicos, pois grande parte de suas usinas já teve os seus investimentos totalmente amortizados. Além disso, ela detém 47% da capacidade de transmissão, o que permite que grandes volumes de eletricidade possam ser enviados de uma região a outra”, ressalta Ferraz em sua nota técnica. Água e energia, como ensina a especialista, são monopólios naturais, e sua operação deve ser coordenada. Isso é prejudicado no regime “competitivo” implementado com as privatizações, o que implica “ineficiência econômica”.
Assim, Ferraz é categórica: “Urge reformar a estrutura de governança do setor elétrico brasileiro, de modo que os ativos de flexibilidade estejam na mão do Estado, em benefício da população, com reversão de descotização e eliminação dos ‘jabutis’ incluídos na Lei 14.182/2021 que privatizou a Eletrobras. O tamanho do mercado livre deve ser reduzido, privilegiando contratos de longo prazo com previsibilidade e modicidade tarifária.”
Confira aqui a nota técnica “Desafios à reestruturação do setor energético brasileiro”
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Foto no destaque: Linhas de transmissão de energia no meio do canavial, em Ribeirão Preto (SP) / Paulo Nabas-Uai Foto-Folhapress