Soraya Misleh
projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com adesão do SEESP, traz contribuições para tanto, em quatro notas técnicas apresentadas por especialistas.
Déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias, ausência de engenharia de manutenção, congestionamentos gigantescos que paralisam a economia das cidades, impactam o meio ambiente e prejudicam a qualidade de vida estão entre os grandes desafios a serem enfrentados ao desenvolvimento nacional sustentável com inclusão social. Com a esmagadora maioria da população brasileira – 85% de 215 milhões – vivendo em áreas urbanas, o País de dimensões continentais demanda políticas públicas que solucionem esses graves problemas. Em sua nova edição, o
“Receitas acessórias para a mobilidade urbana” é o tema abordado pelo Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP. Vinculado ao Conselho Tecnológico da entidade, este reúne profissionais da área. Especialistas com ampla trajetória em defesa de políticas públicas para o setor, eles têm se debruçado em apresentar diagnósticos e contribuições do sindicato para a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. A nota técnica para o “Cresce Brasil” vai ao encontro dessa pretensão.
Consultor do projeto da FNE, Marco Aurélio Cabral Pinto é engenheiro de produção e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em nota técnica intitulada “No curto prazo, a estratégia é impactar os mais pobres com salto de melhoria nos serviços públicos urbanos”, ele atualiza e desenvolve proposta da federação: garantir estrutura de Engenharia de Manutenção nas três esferas de governo, com equipes e dotação orçamentária própria.
As outras duas notas técnicas se debruçam sobre desenvolvimento urbano e habitação. Escritas respectivamente por José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), e Reinaldo Iapequino, então secretário executivo da Habitação do Estado de São Paulo, propugnam política pública ao setor estruturada e eficiente, que priorize a baixa renda, com protagonismo dos engenheiros desde o seu planejamento.
Sem déficit e com moradia digna
Economista e advogado, ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e ex-secretário executivo de Orçamento e Gestão do Estado, Iapequino salienta: “Para atender a parcela mais vulnerável da população, que é majoritária, são necessários programas e ações que aloquem vultosos recursos para investimentos e subsídios e prevejam condições de financiamento condizentes com a situação socioeconômica das famílias beneficiárias.”
Ele complementa: “Para responder às crescentes demandas da sociedade por moradias, saneamento, mobilidade e qualidade de vida, é preciso aumentar a eficiência do gasto público, integrar políticas e ações públicas e privadas. Sem descuidar das qualidades urbanística e arquitetônica, urge aumentar substancialmente a oferta de moradias, novas e requalificadas, bem como de infraestrutura, equipamentos públicos e áreas privadas para exploração de atividades econômicas geradoras de emprego, renda e tributos.”
Iapequino defende a utilização de parcerias público-privadas, cabendo ao Estado o planejamento, a regulação, a fiscalização, a promoção e o fomento da atividade privada. Também sugere a instituição de legislação, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, que delineie eixos estratégicos aos quais os entes estatais fiquem obrigados, reduzindo a descontinuidade de projetos e/ou entregas açodadas de bens e serviços inadequados.
Na mesma linha, José Carlos Martins propõe em sua nota técnica um grande programa nacional, com participação do poder público e da iniciativa privada, no qual haja integração entre distintos projetos habitacionais e metodologia única de financiamento, visando a otimização dos esforços. Além disso, a instituição de fundo setorial de incentivo à engenharia e inovação para se enfrentar o desafio de garantir moradia digna a todos os brasileiros, com menos custos e mais qualidade.
O presidente da CBIC destaca a importância da indústria da construção civil para impulsionar a economia, gerar emprego e renda: ao ativá-la, frisa, outros 62 segmentos são estimulados. “Cada posto gerado no setor reverte em outros 2,1 e, nesse compasso, muitos milhares de novas vagas são abertos, considerando as diretas, indiretas e induzidas”, continua.
Para aproveitar devidamente esse potencial, ele indica a premência de se preservar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que, “mais do que um direito do trabalhador, é também um agente financiador de habitação popular, saneamento ambiental e infraestrutura urbana”. Também defende a criação de um mercado de imóveis usados, sem entraves e com acesso ao crédito facilitado, como “passo primordial para atenuar esse hiato social relacionado ao déficit habitacional”.
Confira as notas técnicas “A engenharia no combate ao déficit habitacional” e “Desenvolvimento urbano e habitação: ampliar o repertório da ação estatal”
Investimentos em transporte
À modernização e melhoria da mobilidade urbana, o Conselho Assessor do SEESP aponta em sua nota técnica como fundamental a garantia de investimento público na expansão e operação dos sistemas de transporte.
Para assegurar os recursos vultosos necessários, apresenta exemplos do mundo desenvolvido capitalista que podem ser seguidos no Brasil. Entre eles, a instalação de centros de lazer e compras junto a terminais: “As estações, que eram apenas locais para embarque e desembarque dos usuários, atualmente abrigam pontos comerciais, escolas, hospitais, habitações ou escritórios, transformando-se em novas centralidades e gerando recursos para a implantação e operação das linhas, além de melhorar a qualidade de vida da população. Nesses países, os planejamentos urbano e da mobilidade andam juntos.”
Os recursos, aponta o Conselho Assessor do SEESP, podem vir de várias fontes, como fundos gerais, taxas sobre a venda de gasolina e sobre comercialização ou aluguel de veículos e cobranças por registros e licenças. Fórmulas de incentivos tributários são alternativas para estimular os investimentos em infraestrutura. “Para cada US$ 1 bilhão investido pelo governo federal em mobilidade, há um retorno de US$ 6 bilhões para a economia”, destaca a nota técnica.
No texto ainda, o grupo de especialistas enfatiza que mobilidade demanda pensar os projetos urbanos de forma integrada, para além dos sistemas de transportes, “com o objetivo de aproximar a moradia dos locais de estudo, trabalho, lazer e comércio”.
Confira aqui a nota técnica “Receitas acessórias para a mobilidade urbana”
Serviços públicos
“A estratégia brasileira de desenvolvimento no período 2023-2026 deve ser voltada à indução de investimentos com benefícios diretos em empregos de boa qualidade para a classe pobre. Muito da insatisfação e do desalento observados na sociedade brasileira nos últimos oito anos decorre do expansivo caos da miséria, que se aproxima dos pobres, principalmente nas periferias das grandes cidades sudestinas. Só que não basta o aumento do investimento, tampouco crescimento do emprego ou da renda do trabalho. Para os pobres, a percepção de bem-estar social virá necessariamente acompanhada de melhoria substancial e rápida nos serviços públicos urbanos.”
Assim o consultor Cabral Pinto apresenta o desafio do Estado de se garantir infraestrutura adequada de transporte, saúde, educação, água e saneamento, resíduos sólidos, iluminação pública, habitação, observando as necessidades substanciais de programas federais para investimentos nessas áreas fundamentais.
Para assegurar mais e melhores serviços públicos aos brasileiros, ele enfatiza a demanda por quadro técnico qualificado, notadamente engenheiros das diversas modalidades. “Aqui, o anseio social por qualidade de vida se encontra com a reivindicação para que esses profissionais estejam presentes nas administrações públicas”, frisa, lembrando que garantia de manutenção das obras de arte deveria ser percebida pelos gestores como “investimento em ativos existentes”, não gasto.
Sob essa ótica e com o uso de novas tecnologias, como Building Information Modeling (BIM), Cabral Pinto explica: “Com os projetos atualizados, torna-se possível o escalonamento de prioridades e o planejamento das ações, visando-se diminuir riscos e aumentar qualidade.” Ele acrescenta: “A formação de inventário digital das instalações/equipamentos, com dados sobre modelos, fornecedores, condições de uso, histórico de manutenção, deve ser priorizada pelos gestores como estratégia.”
De posse desse acervo, a nota técnica indica que especial atenção precisa ser dada à necessidade de manutenção em todas as áreas, como forma de garantir segurança, qualidade de vida e economia de recursos públicos, evitando-se a deterioração das cidades e dos equipamentos públicos.
Nessa linha, revela que instituir a área de Engenharia de Manutenção nas administrações públicas, com coordenação centralizada das atividades, orçamento e quadro técnico próprio, teria o objetivo de garantir o trabalho preventivo permanente e qualificado.
Nos estados e municípios, propõe constituir um centro de responsabilidade ligado diretamente ao chefe do Executivo, “de maneira a se permitir apoio à atuação transversal com demais Secretarias de Governo”. Este seria responsável, entre outras atribuições, por digitalizar e atualizar inventário da infraestrutura pública e elaborar o Plano de Manutenção Preditiva e Corretiva.
Acesse a nova edição do “Cresce Brasil” no site crescebrasil.org.br
Foto no destaque: Reforma na estrutura da Ponte Costa e Silva, em Brasília / Paulo Carvalho-Agência Brasília