Jéssica Trindade Passos
Alinhando-se aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), a norma ABNT PR 2030 (prática recomendada), lançada ao final de 2022, estabelece conceitos, diretrizes e modelo de avaliação e direcionamento para organizações se enquadrarem à agenda ESG (Environmental, Social and Governance – ambiental, social e governança, em português).
A discussão surge de modo mais explícito na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Assembleia Geral das Nações Unidas, definindo o desenvolvimento sustentável como “o processo capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das gerações futuras”.
Nesse viés, ao longo dos anos o debate sobre o tema avança na tentativa de reduzir ou minimizar os impactos da interferência humana que culminaram na redução da biodiversidade, erradicação de ecossistemas, extinção de animais, vegetais, espécies e alterações climáticas profundas que desencadearam o desequilíbrio ambiental, provocando aumento da temperatura, intensos períodos de seca, queimadas, desenvolvimento de doenças e chuvas torrenciais. Exemplo é o episódio vivenciado no litoral norte de São Paulo, entre 18 e 19 de fevereiro último, cujo intenso volume pluviométrico em curto espaço de tempo resultou em graves consequências à infraestrutura e sofrimento pelas vidas perdidas.
As mudanças climáticas passaram a ser assunto nas principais discussões sobre o futuro do planeta, integrando sociedade, Estado e o mundo corporativo como detentor do poder econômico, propulsor de novas tecnologias e engajador de políticas públicas, o qual possui responsabilidade direta sobre a exploração das matérias-primas para sua produção, impactando o ecossistema.
Nesse sentido, surge em 2004 o termo ESG, que “traz ao mercado um novo olhar sobre as temáticas socioambientais, alinhadas à Agenda Global 2030 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, contendo boas práticas e um conjunto de padrões que visam definir se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada”. A iniciativa é fruto de uma provocação do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores ambientais, sociais e de governança ao analisarem as empresas em que investiriam. Assim, percebe-se que seja pela consciência sobre as ameaças que as mudanças climáticas podem representar ao negócio ou para atender a critérios estabelecidos para a tomada de decisão de investidores, as instituições públicas, privadas ou organizações sem fins lucrativos têm buscado aderir às práticas ESG em seu sistema de gestão.
No entanto, o que não se pode negligenciar é o real significado do termo ESG e a compreensão da sua essência para a geração de valor de um negócio ou de um plano de governo, que devem considerar a sustentabilidade um componente primordial, e não um capítulo isolado que visa compensar os efeitos causados pelas decisões humanas, baseadas na visão individual em detrimento da coletiva.
Empresas, governos e sociedade devem compreender o seu papel na geração do padrão de desenvolvimento sustentável, entendendo que os negócios estão inseridos em um sistema econômico que serve à sociedade, conscientes que os recursos naturais são finitos, e é preciso fazer escolhas que considerem o impacto ao meio ambiente.
Hoje, contudo, deve-se questionar o posicionamento de algumas organizações, que têm pensado ESG como recurso de marketing, sem ações efetivas que resultem na mudança de conduta e estratégia das instituições. ESG não é sobre gerar externalidades que se vendem como positivas para a sociedade; o papel e o teclado aceitam todas as palavras, mas no final o que gera resultados concretos são as ações. É preciso compreender que as práticas de greenwashing ou socialwashing [lavar de verde ou social, propaganda para encobrir os impactos causados] não cabem mais em uma sociedade que entende sua responsabilidade para a geração de um mundo melhor.
A boa governança corporativa adota práticas responsáveis, é regida pela transparência, ética, equilíbrio de decisões, assumindo o papel no direcionamento das ações para alcançar objetivos concretos que garantam a efetiva mudança na forma como lidamos com os processos produtivos, visando contribuir para o futuro do planeta. As estratégias da governança não devem ser geradas com foco apenas nos recursos, mas sim nos objetivos que nortearão suas decisões, considerando seus valores, sua missão, as pessoas envolvidas nos processos, a comunidade em seu entorno, clientes, enfim, seus stakeholders [todos os grupos interessados].
As escolhas de hoje definirão a forma como as gerações futuras vão viver. Sociedade, empresas e governo têm papel fundamental e devem agir agora, introduzindo em suas ações cotidianas práticas ESG. Como consumidor moderno, exigir da marca sustentabilidade, responsabilidade social, condições de trabalho adequadas e refletir: “realmente preciso disso?” ou, ainda, “de onde veio isso?”. Como comprador, requerer a licença para adquirir elemento extraído da natureza. Como legislador e regulador, garantir normas que impeçam condutas que venham a prejudicar o ecossistema e promover o desmatamento. Como engenheiros, na construção de modelos sustentáveis, soluções tecnológicas disruptivas para geração de energia renovável, desenvolvendo máquinas e veículos movidos a combustível limpo. O futuro do planeta está em nossas mãos.
Jéssica Trindade Passos é engenheira mecânica, diretora do SEESP, conselheira do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP), pós-graduanda em Environmental, Social and Corporate Governance (ESG) pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas), gerente de certificações e ESG da Acriq Certificadora, consultora da ConsulTrin e Ybyra Engenharia
Imagem: Narawit_Sukkasemsakorn - Freepik.com - Arte Fábio Souza / Foto Jéssica Trindade Passos: Acervo pessoal