Eliseu Gabriel
Uma das pautas mais importantes da cidade e menos entendidas pela população está em fase final de discussão na Câmara Municipal de São Paulo: a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), em vigor desde 2014. O PDE é uma lei municipal que orienta o crescimento e o desenvolvimento da cidade. Embora tenha validade até 2029, a lei determinou que neste ano houvesse uma revisão. O que se imaginava era que, assim, pudéssemos corrigir o que não está dando certo, em diálogo com a sociedade.
O Plano Diretor em vigor tem como principal diretriz aproximar emprego e moradia pela criação das Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEUs). Estas zonas são estabelecidas muito próximas dos locais onde há grande oferta de transporte coletivo como, por exemplo, estações de metrô, corredores e terminais de linhas de ônibus. São os chamados eixos de mobilidade.
As ZEUs tiveram por objetivo induzir o adensamento, ou seja, aumento da população e da atividade econômica no entorno dos eixos de mobilidade, dando significativos incentivos fiscais e outros para a construção de grandes edifícios de usos não residenciais e residenciais, com forte predominância de Habitações de Interesse Social (HIS). Com isso, imaginava-se diminuir a expansão urbana para as bordas verdes da cidade.
Foi isso que aconteceu? Não, não foi: “abriram a porteira para a boiada passar”. Não foi garantida a necessária participação da sociedade na formulação dos planos de bairros, que estavam previstos, mas não foram implementados, a fim de estabelecer regras e limites, levando em conta as particularidades de cada local. Não foi feito, também, nenhum tipo de estudo de impacto ambiental ou de vizinhança, nem avaliada a capacidade de suporte da infraestrutura instalada, tampouco o crescimento explosivo de empreendimentos imobiliários, que têm promovido uma devastação e descaracterização de bairros consolidados. A moradia popular, então, foi uma mera “desculpa” para tanto incentivo.
De fato, está acontecendo tudo ao contrário, uma verdadeira “blitzkrieg” (guerra relâmpago, em alemão) nos bairros consolidados com maior interesse do mercado. Assédio a atuais moradores, demolição de quarteirões inteiros e a construção acelerada de enormes edifícios, estes muito menos para adensar essas áreas estabelecidas como ZEU e muito mais para construir imóveis como ativos financeiros, para investimento e especulação. Muitas das unidades habitacionais produzidas têm servido ao mercado de locação temporário e a grupos de investimentos nacionais e estrangeiros.
Boa parte desses enormes arranha-céus está vazia. Não adensou nada, apenas tornou a cidade mais vulnerável à emergência climática que já vivemos, com aumentos de ilhas de calor, enchentes sem controle, trânsito parado, barulho acima da lei e um profundo mal-estar para os que já moram nessas regiões.
A revisão em andamento deveria reverter essa tendência, mas a Câmara Municipal convocou dezenas de audiências públicas num intervalo de tempo curtíssimo, com pouca participação de público. Porém, diante do que foi exposto na maioria delas, esperava-se que o Projeto Substitutivo ao apresentado pelo Executivo, da Revisão do PDE, levasse em conta o que foi ouvido nas audiências. Imaginava-se, por exemplo, que nessa revisão os planos de bairros fossem mais bem regulamentados e que ganhassem o poder de ser levados em conta em mudanças do zoneamento, parâmetros construtivos e usos permitidos.
Esperava-se uma limitação da área de abrangência das ZEUs, que hoje é de um raio de 600 metros nas estações e de 300 metros de cada lado dos corredores de ônibus. No entanto, para nossa surpresa, o raio proposto aumentou para 1km e nos corredores foi para 450 metros de cada lado. Isso quase dobra a área disponível para essa provável demolição de bairros consolidados. Além disso, outro artigo permite a construção de prédios no miolo dos bairros com até três vezes a área do terreno, que hoje é de duas vezes.
Há muito outros pontos críticos, alguns muito preocupantes, como a proposta de criação das “Zonas de Concessão” em áreas públicas concedidas (estádio, parques, centros culturais), que, sob controle privado, poderão ter usos não permitidos atualmente. Nesse caso, parece haver um forte simbolismo: querer fazer crer que o interesse do mercado pode estar acima do interesse público.
Nós participamos ativamente do processo de discussão. Realizamos um importante seminário, participamos de audiências públicas e apresentamos 20 emendas ao Projeto de Lei da Revisão do PDE (PL 127/2023), em conjunto com lideranças e movimentos de bairros e de universidades. Elas visam enfrentar os problemas acima expostos e aumentar a permeabilidade do solo, respeitar as áreas de preservação permanentes (margens dos córregos), garantir e ampliar a cobertura vegetal, prevenir a cidade das consequências de eventos extremos, além de garantir o respeito à cultura local.
A mim cabe avaliar cada um desses aspectos e me empenhar no convencimento de meus pares sobre o significado de cada uma dessas medidas na vida dos moradores, dos trabalhadores que vivem na cidade, defender as emendas que propus e decidir se voto favoravelmente ou não ao Projeto de Lei que resultar desse processo.
Está em jogo nosso futuro. Que cidade queremos?
Eliseu Gabriel é professor e vereador de São Paulo (PSB) em seu sexto mandato
Fotos: USP Imagens - Arte: Eliel Almeida (interna e destaque) / Acervo pessoal (Eliseu Gabriel)
É uma luta constante, mas essa revisão do plano diretor está com muitas aberrações. Você chegou a ver meu pronunciamento sobre o “escondido” artigo 111, que vai ameaçar os dados meteorológicos coletados desde 1945 no Mirante de Santana. Um absurdo que precisamos brecar. Grande abraço.
Conte com todo o nosso apoio. São pessoas como o Senhor que ainda mantém um fio esperança para um mundo para nós e as futuras gerações. Infelizmente, vivemos em um mundo, que os interesses econômicos e pessoais prevalece sobre a maioria da população, principalmente as mais vulneráveis. Saudações e sucesso nessa batalha.
É uma luta constante, mas essa revisão do plano diretor está com muitas aberrações. Você chegou a ver meu pronunciamento sobre o “escondido” artigo 111, que vai ameaçar os dados meteorológicos coletados desde 1945 no Mirante de Santana. Um absurdo que precisamos brecar. Grande abraço.