Marcelo Souza
Recentemente estive com minha família em Paranapiacaba (SP) e, na ocasião, foi oportuno visitar a Casa Fox. Uma casa perfeitamente restaurada de um operário de ferrovia da década de 1930. Parado em frente àquela casa simples, com ar de aconchego, por alguns instantes, pensei que seria perda de tempo conhecer, mas como um estudioso de economia circular, achei que seria uma boa oportunidade de realizar um estudo de caso e inclusive mostrar para meus filhos como o mundo mudou em 100 anos.
Ao entrar, muita mudança, é claro, e muita nostalgia também. Sabe aquele sentimento de casa de vó? Era mais ou menos assim. Muitas fotos nas paredes e poucos, muito poucos utensílios. Para se ter ideia, tire a energia elétrica de sua casa e, consecutivamente, todos os equipamentos que são conectados em uma tomada. Em seguida, reduza seu armário de roupas em 90%. Fazendo isso, começará a ter uma ideia de como era a vida há menos de 100 anos, e adicione camas de mola também.
Imagino que esteja se perguntando porque iniciei este texto com esse relato, e acredite, é de forma proposital. O fato é que desde a chamada era das revoluções, ou seja, nos últimos 250 anos, e com maior intensidade nos últimos 100 anos, a sociedade mudou de forma muito acentuada. Nessa fase e até os dias de hoje, consumimos mais recursos naturais do que em todo o período de nossa história que antecedeu as revoluções.
Durante a segunda fase da Revolução Industrial, conhecemos a produção em massa, a qual, para ser alimentada, necessita que se estimule um consumo em massa e assim, mova-se a economia. Uma economia linear, diga-se de passagem. A economia linear é a que estamos habituados. Consiste na extração de recursos naturais, produção, comercialização e descarte. Quanto mais rápidas essas etapas forem concluídas, mais prospero é o sistema.
Com o surgimento da eletricidade, abriu-se uma infinidade de oportunidades, entre elas, a produção em 24 horas, máquinas movidas a motores elétricos e muitos, muitos eletroeletrônicos na indústria e principalmente em nossos lares.
Voltando ao conceito de consumo em massa, surge como estratégia a conhecida obsolescência programada, a qual está ligada ao fim de vida precoce de um determinado bem. Você já escutou a frase “as coisas não duram mais como antigamente”? Então, é a mais pura verdade, pois de fato não duram. Muitas vezes produtos estão sendo projetados/fabricados para durar horas apenas.
Um equívoco muito grande e muito comum com que me deparo constantemente, quando o assunto é economia circular, está ligado a um entendimento minimalista do conceito. Grande parte das pessoas que diz conhecer o tema o limita a reciclagem, mas o conceito é muito mais amplo. Na verdade, a reciclagem é a última opção proposta.
A melhor representação dos conceitos de economia circular de forma holística pode ser encontrada no conhecido Diagrama Borboleta da fundação Ellen MacArthur. O diagrama que se assemelha ao inseto propõe estratégias para a circularidade divididas em dois ciclos: biológico, relativo a recursos regenerativos, e técnico, não regenerativo.
Trazendo à evidencia o ciclo técnico neste artigo, existem quatro principais propostas de circularidades, sendo: compartilhamento, reúso, remanufatura e, por fim, reciclagem. Cada estratégia apresenta propostas que visam minimizar a inserção de novos recursos na economia.
O compartilhamento tem por objetivo aproveitar o máximo possível de bens já produzidos, por exemplo, enquanto um carro está parado em uma garagem, poderia estar gerando valor transportando outras pessoas. O reúso refere-se a um produto que não tem mais serventia para uma pessoa, porém ainda pode ser de grande valor para outra, evitando a necessidade de comprar um novo produto e deixar outro parado. A remanufatura se aplica a um produto que não está mais funcional, mas ainda pode ser trabalhado para voltar à utilização. Por fim, temos a reciclagem. Quando todas as estratégias anteriores não são mais possíveis de serem implementadas, objetiva-se retornar os materiais para a indústria de fabricação de novos bens.
O conceito é mais amplo e possui muitas estratégias. Com pouco esforço, podemos encontrar muitas empresas, algumas gigantes globais, que as implementam como centro de seus negócios, e abrem um leque muito grande de oportunidade de novos empreendimentos.
Assim, engenheiros, arquitetos e designers, no momento de concepção, precisam pensar no fim de vida de seus projetos e nas estratégias de circularidades. Portanto, a disciplina de economia circular deve integrar a grade curricular de qualquer curso que forma profissionais aptos à construção.
Fazer essa mudança não trará resultado imediatos, mas, certamente, em médio prazo, os efeitos seriam impressionantes. Já passou da hora de repensar a maneira como nossa civilização está construída. Pois consumismo não será sustentável no mundo por mais 100 anos.
Marcelo Souza é engenheiro de produção mecânica, mestre em administração, CEO da Indústria FOX – Economia Circular, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC Campinas) e autor do livro “Economia circular – O mundo rumo à 5ª revolução industrial (Unità-Editora)
Imagem: Freepik/Arte - Eliel Almeida / Foto Marcelo Souza: Acervo pessoal