Soraya Misleh
Toda empresa que realize atividades na área de engenharia deve ter, no mínimo, um profissional legalmente habilitado como responsável técnico. É o que determina a Resolução 1.121, de 13 de dezembro de 2019, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), que dispõe sobre o registro de pessoas jurídicas nos Conselhos Regionais (Creas). Essa obrigatoriedade garante proteção tanto à sociedade quanto à categoria.
A normativa não limita a atuação do responsável técnico a um único CNPJ. Ou seja, ele pode prestar esse serviço em mais de uma empresa. Todavia, está em discussão no Confea a uniformização de parâmetros em âmbito nacional para que o profissional possa assumir a tarefa junto a várias pessoas jurídicas com segurança e qualidade, como jornada mínima semanal, compatibilidade entre o exercício cumulativo do cargo e a natureza da atividade, bem como entre o local da empresa e o endereço do profissional.
Como funciona
A responsabilidade técnica está prevista na Lei 5.194/1966, que regulamenta o exercício das profissões de engenharia, agronomia e arquitetura. O documento que a comprova – a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) – foi instituído pela Lei 6.496/1977. É exigido, como explica o presidente do Crea-SP, engenheiro Vinicius Marchese, em todo tipo de contratação ou prestação de serviços pelas categorias abrangidas pelo Sistema Confea/Creas, inclusive no caso de vínculo trabalhista – ou seja, também funcionários de uma empresa devem emiti-lo.
Conforme Marchese, a ART é o que delimita a responsabilidade do profissional sobre o serviço prestado. “Para isso, ele tem à disposição o CreaNet, uma plataforma online que, entre outros serviços, serve para o preenchimento e registro da anotação”, explica o presidente do conselho paulista, que revela que o CreaNet está sendo modernizado para simplificar o processo. Ele também chama a atenção para a necessidade de o profissional não esquecer de dar baixa na ART na mesma plataforma após o término do trabalho. Ou seja, “sinalizar no Sistema Confea/Crea que a obra ou serviço foi concluído”.
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Marchese ratifica que esse instrumento serve de garantia tanto ao profissional quanto ao consumidor. Ao primeiro, destaca, “por ter em documento exatamente qual foi o serviço prestado por ele, salvaguardando a si de intervenções alheias que possam vir a ser feitas”. Já para o segundo serve como comprovação do que foi contratado e quem desenvolveu a atividade.
“O outro ponto é sobre o histórico profissional, uma vez que a ART também compõe o acervo técnico e funciona como um registro de todo o trabalho executado, uma garantia dos direitos autorais. Para as empresas, especialmente, esse acervo pode ser comprovado pela Certidão de Acervo Técnico (CAT), muito utilizada em processos licitatórios, por exemplo”, pontua.
A Anotação de Responsabilidade Técnica não é uma mera burocracia, portanto, mas funciona como uma espécie de rubrica profissional. Nessa linha, Marchese sugere que os engenheiros a vislumbrem não “como uma obrigação, mas sim como uma segurança para os seus trabalhos”. Ele é categórico: “A ART é uma ferramenta jurídica de valorização da área tecnológica, que têm razão de existir pura e simplesmente para oferecer proteção ao profissional e à sociedade.”
O engenheiro pode emitir ART em outra localidade que não a de seu registro, porém o presidente do Crea-SP avisa que é preciso, primeiro, ter uma autorização. “É o que chamamos de visto profissional, o qual deve ser solicitado junto ao conselho regional de jurisdição do estado em que se pretende atuar.”
Na agronomia e agrimensura
A coordenadora da Câmara Especializada de Agronomia (CEA) do Crea-SP, Adriana Mascarette Labinas, apresenta a importância da ART no exercício cotidiano dessa profissão: “Para a aquisição de defensivos agrícolas, produtos biológicos e químicos, imprescindíveis para a produção de alimentos, papel, celulose e energia em larga escala, é necessário a emissão de uma receita agronômica vinculada a uma ART, confeccionada por profissional engenheiro agrônomo ou florestal registrado no conselho.”
Ela continua: “Esse procedimento visa garantir a proteção da sociedade, sustentabilidade do meio ambiente, a produção de alimentos saudáveis, a conservação do solo, da água e do ar. Além disso, a ART é um documento no qual o profissional consegue adicionar as atividades de sua autoria ao seu portfólio, valorizando-se no mercado e crescendo na carreira.”
Eltiza Rondino Vasques, coordenadora adjunta da Câmara Especializada de Engenharia de Agrimensura (CEEA) do Crea-SP, constata que a ART traz as informações resumidas sobre onde e quais foram os serviços prestados ou executadas as obras; os dados do profissional e do interessado/empreendedor. “Os serviços executados pelos profissionais ligados à Câmara de Agrimensura permeiam, por exemplo, a elaboração de mapeamentos temáticos, a aquisição e manutenção de dados geográficos, atividades de georreferenciamento, levantamentos cadastrais, aerofotogramétricos, sensoriamento remoto, parcelamento do solo e agrimensura legal. Além disso, os geógrafos emitem ARTs para serviços relacionados às caracterizações geográfica e biogeográfica do ambiente, de paisagens, de zoneamento, antropogeografia (geografia humana) e geografia econômica”, descreve.
Na construção de um prédio
José Antônio Bueno, coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica (CEEE) do conselho paulista, salienta: “A ART é importante, pois, além de delimitar a área de cada profissional, também serve como contrato e comprova a participação em determinado projeto.” O documento, frisa, serve ainda para pedido da CAT, “exigida pelos órgãos municipais, estaduais e federal e por empresas privadas”.
Bueno traz um exemplo no segmento abrangido pela CEEE: “Na construção de um edifício, comercial ou residencial, o engenheiro eletricista deve recolher a ART das instalações elétricas de projeto, execução ou os dois e, dentro desta anotação, constar a potência que o empreendimento precisa. Sendo assim, a função do profissional fica delimitada à parte elétrica, e cada engenharia recolhe as ARTs específicas de suas atividades.”
Roberto Racanicchi, coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Civil (CEEC) do Crea-SP, atesta: “É um documento legal que garante a segurança e a qualidade da obra, inclusive nas questões que tangem à durabilidade e relações com as prerrogativas das normas técnicas que tratam de respectivo assunto associado às práticas de engenharia civil. Também é importante nas garantias técnicas para aprovações e regularizações perante órgãos competentes e tem força de prevenção contra possíveis problemas legais.”
Ele ilustra: “Um exemplo prático comum é a construção de um edifício, que envolve muitos profissionais, normalmente divididos em duas partes: quem faz o projeto e quem faz a execução. São projetos de estrutura, de fundações, de instalações hidráulicas e elétricas, de prevenção contra incêndio, de paisagismo e vários outros.” Cada modalidade tem que ter um responsável técnico – e uma ART respectiva.
O mesmo se dá na execução, diz Racanicchi, “seja na construção, instalação ou alvenaria”. O coordenador da CEEC complementa: “Todas as obras devem ter um responsável, que não é, necessariamente, o projetista, principalmente quando se trata de obra de grande porte – que pode contar com dez ou 15 profissionais envolvidos, e cada um com seu respectivo serviço e ART. Todas as atividades devem ser compatibilizadas.”
Na mineração, mecânica e química
De acordo com Cláudia Cristina Paschoaleti, coordenadora da Câmara Especializada de Engenharia Química (CEEQ) do Crea-SP, a produção industrial nessa modalidade é bastante complexa e implica uma série de riscos, o que torna imprescindível a presença do responsável técnico. Segundo ela, o tipo mais comum de ART no caso dos engenheiros químicos é de cargo ou função, que “estabelece seu vínculo com pessoa jurídica quando envolve atividades para as quais sejam necessários habilitação legal e conhecimentos técnicos específicos”.
O responsável técnico precisa estar alerta, pois, como observa Paschoaleti, se ocorrer produção fora das especificações legais, ele responderá por isso. “Podemos citar como exemplos alguns casos que foram constatados desde o início de 2023: falta do percentual mínimo de iodo em sal de uma marca específica, aditivo vencido na produção de maionese de determinada empresa, risco de presença de vidro em barras de chocolate de uma marca bastante conhecida, presença de ingredientes potencialmente cancerígenos em picolés e sorvetes de uma marca famosa.”
Marcos Domingues Muro, coordenador da Câmara Especializada de Geologia e Engenharia de Minas (Cage) do conselho paulista, sintetiza: “O recolhimento da ART é uma segurança e uma validação do serviço tanto da parte do profissional quanto para a empresa.”
“Em uma mineração, onde se precisa realizar um plano de fogo ou uma nova frente de lavra, o engenheiro de minas deve planejar o serviço da forma mais segura, de modo que não se tenha desperdícios ou erros de execução que podem resultar em acidentes de trabalho, ou prejuízos. Essas informações devem ser colocadas na ART e, com isso, assegurar que o que foi realizado tem garantia do profissional. A empresa se assegura que o serviço tem a qualidade do profissional, e este se resguarda no trabalho específico. Caso seja realizado plano de fogo ou abertura de cava diferente do que foi concebido em projeto, o profissional não pode ser responsabilizado”, ilustra.
Ele cita outro exemplo: nas perfurações de poços tubulares profundos, aos quais é exigida a realização de outorga, com informações a respeito de vazões, tipo de rochas e qualidade da água, quem fica responsável pelo documento é o geólogo. “E o recolhimento da ART garante a confiabilidade de execução do poço pelo profissional e a qualidade da potabilidade da água que será utilizada em benefício da sociedade.”
Já na Engenharia Mecânica, aponta a profissional da área Jéssica Trindade Passos, conselheira do Crea-SP, a responsabilidade técnica abarca atividades como perícias e laudos voltados a máquinas e equipamentos, bem como manutenção e projeto destes; projetos de elevadores, de brinquedos, de caldeiras; laudos técnicos para funcionamento de parques de diversão; projetos de refrigeração; automações mecânicas; além de laudos de Plano de Manutenção, Operação e Controle (PMOC). Este útlimo está previsto na Lei 13.589/2018, que dispõe sobre manutenção de instalações e equipamentos de sistemas de climatização de ambientes. O PMOC é obrigatório em edifícios públicos ou coletivos com essa instalação, bem como, de acordo com o parágrafo 1º. do artigo 1º., em “ambientes climatizados de uso restrito, tais como aqueles dos processos produtivos, laboratoriais, hospitalares e outros, que deverão obedecer a regulamentos específicos”.
Ricardo de Deus Carvalhal, coordenador da Câmara de Engenharia de Segurança do Trabalho (CEEST) do Crea-SP, conclui: “O recolhimento da ART é um registro formal das atividades executadas e serve como um contrato de trabalho que garante à sociedade que um profissional habilitado está à frente da execução do serviço, independentemente da modalidade da engenharia.”
Fotos: Divulgação Crea-SP / Capa - Usertrmk/Freepik e Senivpetro/Freepik / Arte: Eliel Almeida