Renato Becker
Estamos vivendo uma transformação da economia global, em que o crescimento é orientado pela inovação. Países se transformaram a partir de políticas e investimentos em inovação, como Coreia do Sul, Taiwan, e outros se consolidaram ainda mais, como Estados Unidos e Alemanha.
Este país europeu é, inclusive, líder em rentabilidade no mercado cafeeiro, apesar de não cultivar um hectare sequer da commodity, diferentemente do Brasil – principal produtor e exportador mundial do café. Um exemplo da importância crucial da industrialização, inovação e tecnologia.
A inovação é parte intrínseca da engenharia, que atua basicamente na solução de problemas, aplicando técnicas e criatividade. O Brasil possui excelentes faculdades de engenharia, algumas classificadas entre as 100 melhores do mundo, e temos a característica de um povo muito criativo em todas as áreas do conhecimento. Não à toa existem muitos engenheiros brasileiros trabalhando em empresas de liderança e nos principais centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos países que detêm tecnologias de ponta.
Precisamos de políticas sérias e perenes para evitar a fuga de cérebros e trazer de volta os que atuam no exterior. Isso passa pela valorização profissional.
Atualmente há uma grande discussão sobre a necessidade e a importância da reindustrialização do País e o seu fortalecimento, o que nos induz a uma reestruturação tecnológica necessária. O tema está presente na última edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com o engajamento do SEESP.
Com a implementação de Internet das Coisas (IoT), a comunicação 5G, a indústria 4.0 e a introdução de inteligência artificial (IA), ficamos muito dependentes da tecnologia estrangeira, hardware e software importados, tecnologias sensíveis, que expõem a vulnerabilidade da nossa indústria.
Nesse campo, é necessário muita pesquisa e desenvolvimento, além de grandes investimentos, o que depende em grande parte de política e incentivos do governo, da forte participação da academia nas áreas de ciência e tecnologia (C&T) e dos centros de P&D.
Contudo, inovação na indústria não é apenas a revolucionária (“disruptiva”), existem diversos outros tipos, como descrito no “Manual de Oslo”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É um processo contínuo, que inclui aperfeiçoamentos, novos usos e aplicações dos produtos e processos existentes, softwares, mudanças no sistema organizacional, na logística e distribuição, no marketing, no design, e que podem ser efetivadas sem investimentos tão vultosos.
Essa precisa ser uma atividade permanente da engenharia na indústria, visando mantê-la competitiva e atender a todo o tempo o mercado que também é dinâmico, e está sempre à procura do melhor custo/benefício.
É uma questão de sobrevivência. A indústria que não tiver essa visão poderá ficar parada no tempo e ir perdendo o seu valor, até a sua “morte” por obsolescência. Ícones da indústria multinacional que dominavam seus mercados, mesmo possuindo internamente conhecimento/tecnologias novas, não resistiram, pois não atuaram corretamente na aplicação de inovação. Lembram-se da Kodak e da Blackberry?
Às vezes, a inovação vem para substituir o próprio produto principal ou de maior lucratividade do fabricante, mas é preciso considerá-la em diversos cenários e com visão de futuro, para não perder o “bonde da história”, como ensina o pai da teoria da inovação disruptiva Clayton M. Chrisyensen em sua obra “O Dilema da Inovação” (M. Books).
O risco é tanto de perda de oportunidade de novos negócios quanto de seus profissionais engenheiros, que acabam saindo e montando uma nova empresa, muitas vezes concorrendo com aquela que não considerou a sua proposta inovadora (isso ocorreu inclusive no “Vale do Silício”, nos Estados Unidos). Tal história é descrita em “A guerra dos chips”, de Chris Miller (Globolivros).
Devemos desenvolver nossa própria tecnologia de ponta de alto valor, tanto para produtos e serviços como em projetos, hardware e software, essenciais para nossa segurança industrial, assim como fizemos com grande sucesso na agricultura através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para conquistarmos a propriedade intelectual essencial para adquirir nossa liderança tecnológica e independência econômica, e que poderá render centenas de bilhões de dólares em nossas exportações.
Com essa visão e preocupação, o SEESP criou há alguns anos uma faculdade pioneira de Engenharia de Inovação, objetivando contribuir com a sociedade, em especial com a engenharia nacional, para um “futuro cada vez mais presente”.
Por outro lado, durante a pandemia, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP) disponibilizou aos engenheiros, juntamente com a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), um curso EAD de Empreendedorismo e Inovação em Engenharia.
São iniciativas importantes, mas isoladas, que necessitam de uma integração maior e uma participação séria e efetiva dos órgãos de governo, entidades de financiamento e aquelas que englobam a indústria, tanto em nível estadual (Fiesp) como em nível nacional (CNI).
Concluindo, fica a mensagem: nosso país precisa de um ritmo de crescimento adequado, que permita o aumento de riqueza (PIB), do nível de empregos, da melhoria do bem comum, e isso passa pela engrenagem da indústria, da inovação constante, que depende fundamentalmente da engenharia, mola propulsora do desenvolvimento.
Renato Becker é engenheiro eletricista, diretor do SEESP e consultor em engenharia, inovação, novos negócios e empreendedorismo
Imagem: Joke Phatrapong-Freepik/Arte - Fábio Souza / Foto Renato Becker: Acervo pessoal