Soraya Misleh
Há pouco mais de três anos o então governador João Doria conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa de São Paulo autorização para o Executivo extinguir a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU). Na visão de especialistas, se a medida for levada adiante, representará perda de conhecimento técnico e prejuízos à população paulista. Ao contrário, eles defendem que a companhia seja fortalecida.
Lei nº. 17.293/2020, que afeta também outras estatais, autarquias e fundações. Por ora, a intenção inicial de liquidar a EMTU parece ter perdido força e não estar no horizonte do atual governo paulista.
A permissão para extingui-la consta da
É o que avalia o engenheiro Laércio Basílio da Luz Filho, membro do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade do SEESP. Na sua visão, isso se deve à importância das atribuições da empresa e ao fato de as alegações de ordem econômico-financeira se provarem incorretas. “O próprio TCE/SP [Tribunal de Contas do Estado] reconsiderou todos os motivos apresentados à época para a autorização da extinção”, explanou. “A EMTU tem suas contas equilibradas, o que comprova que quem editou a lei desconhecia dados básicos sobre a empresa.”
De acordo com o último balanço patrimonial e social, atualizado em 1º. de junho deste ano, a EMTU iniciou o ano no azul. Para o exercício de 2023, a dotação orçamentária legal para investimentos era de R$ 293,3 milhões. Cinquenta por cento foram contingenciados. Somando o que já havia em caixa (entre saldo positivo e restos a pagar), perfaz-se o total disponível de R$ 462,83 milhões, que “serão destinados a dar continuidade ao Programa 3706 - Expansão e Gestão do Transporte de Baixa e Média Capacidade” – constante do Plano Integrado de Transportes Urbanos (Pitu em Marcha), sob responsabilidade da EMTU, conforme previsto no Plano Plurianual 2020-2023 do governo paulista.
Outra inconsistência nos argumentos, segundo Luz, é de que seria necessário que suas operações fossem privadas, o que já é sua situação desde 1997. “Ela apenas gerencia e fiscaliza o transporte intermunicipal de passageiros, em cinco regiões metropolitanas do Estado [São Paulo, Baixada Santista, Campinas, Vale do Paraíba/Litoral Norte e Sorocaba], uma área que congrega 70% dos habitantes, que geram 75% do PIB em 134 cidades. Também gerencia e fiscaliza sete enormes concessões de transporte com sucesso, situadas em três regiões metropolitanas, e permissões em outras duas”, descreve. Segundo o balanço oficial, ao todo, foram 509,15 milhões de passageiros transportados entre janeiro e dezembro de 2022.
Conhecimento técnico em risco
Luz é categórico: “Caso houvesse a extinção, haveria uma perda enorme de qualidade no transporte intermunicipal de passageiros. Não há nenhum órgão que atue com sucesso da maneira e na abrangência da EMTU.”
Embora o perigo iminente de extinção tenha se dissipado, o risco de perda de conhecimento técnico acumulado segue presente. Isso porque, como afirma o diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Transporte de Passageiros do ABC e Litoral Sul (Sindfisc) Paulo Tito Siqueira, cerca de 26% do corpo de pessoal da EMTU conta 26 a 35 anos de companhia, e “não temos um quadro de candidatos na reserva”, ao que seria necessário realizar concurso público.
Sem isso, o corpo técnico seguirá sendo reduzido, sem que o know how seja transmitido. Atualmente são 466 funcionários, entre os quais apenas dez engenheiros.
Extinção não
Conforme a lei que autoriza sua liquidação, atividades desenvolvidas pela companhia passariam a ser de responsabilidade da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Na análise do engenheiro Francisco Christovam, diretor executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), é “muito pobre reduzir as atribuições da EMTU a fiscalização e regulação”.
Ele lembra que essa empresa pública tem como missão promover a qualidade da mobilidade urbana nas regiões metropolitanas do Estado. “As atividades que desenvolve são necessárias e não são facilmente absorvíveis por departamentos, órgãos e secretaria de transportes”, frisa.
Refutando, portanto, a intenção expressa de extingui-la, defende: “Tem que melhorar, não acabar, dando-lhe outra configuração, transformando-a em agência metropolitana, com mais poder para fazer gestão, fomento e acompanhamento de novas tecnologias, planejamento, desenvolvimento de redes de transporte, formas de remuneração e sistema mais eficiente.” Christovam completa: “O foco deve ser o passageiro, cada vez mais crítico e exigente, que não quer mais somente regularidade, mas também confiabilidade, conforto, tarifa módica. Se é para mudar, deve ser para melhor.”
A visão é compartilhada pelo também engenheiro Luiz Carlos Néspoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), que enfatiza: “Ao contrário de extinguir a EMTU, que tem um papel relevante e específico na gestão do sistema de transporte público sobre pneus nas regiões metropolitanas, é mais pertinente, e eu diria, imprescindível, a constituição de uma agência de mobilidade estadual que incorpore todos os sistemas de transporte público de caráter metropolitano, hoje representados pelas linhas intermunicipais de ônibus sob gestão da EMTU, as ferroviárias metropolitanas da CPTM e a rede de linhas de metrô. Não se trata de torná-la a autoridade metropolitana, mas sim integrá-la a essa agência.”
Assim, ele propugna por uma rede integrada – física, operacional e tarifária –, “constituída por todos os modos, de maneira a garantir organicidade, homogeneidade, qualidade, eficiência e efetividade ao transporte público na região”.
Sob essa perspectiva, Néspoli considera fundamental que, no planejamento, redes de transporte, desenvolvimento das cidades e metropolitano dialoguem entre si.
Proposta para melhoria
A criação da Agência de Mobilidade Urbana do Estado de São Paulo (AMU/SP) é objeto do Substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLC) 56/2023, de autoria da deputada Edna Macedo (Republicanos). Em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alesp, o PL parte de iniciativa do engenheiro Laércio Luz, como ele descreve, com o apoio de “grandes entidades relacionadas a transporte e que defendem principalmente os interesses da sociedade”.
Luz explica que o substitutivo não obriga o governo a criar o órgão, mas o autoriza a fazê-lo. Pelo texto, a AMU/SP “terá como atribuição planejar, gerenciar e fiscalizar todo o sistema de transporte de passageiros no Estado, ônibus, vans, VLTs, trilhos. A EMTU seria um dos braços da agência para cuidar do sistema de transporte de média e baixa capacidade. O outro braço seria o sistema de alta capacidade (trilhos). De forma simplificada, esse projeto facilita toda a integração física e tarifária de passageiros e um controle maior e efetivo sobre o planejamento, gestão e fiscalização, com custo praticamente zero”.
Ainda segundo ele, a agência também traz para si o controle de dados dos sistemas de transporte inteligente (ITS na sigla em inglês) e da bilhetagem eletrônica dos cartões de pagamento, “com o fim de gerar interoperabilidade entre eles, criando também meios e formas de pagamento diferenciados”.
O órgão teria a atribuição, como informa ele, de concentrar os recursos para investimentos em melhoria e modicidade tarifária, bem como possibilitaria “macroplanejamentos importantes na área de transportes”. Luz apresentou a proposta durante o evento “Exemplos no mundo x A governança metropolitana em São Paulo”, realizado pelo Instituto de Engenharia em 27 de outubro último.
Ele vaticina: “A criação da agência vai tornar muito mais simples para o Estado, operadores e principalmente a sociedade as relações, como por exemplo o cidadão poder utilizar o seu cartão de transporte em qualquer lugar no Estado.” O foco, assegura, é o passageiro. Tito assevera a importância da participação da sociedade, colaboradores e seus sindicatos em quaisquer mudanças relacionadas à empresa.
Diretor do SEESP, Edilson Reis conclui: “Mantida a EMTU ou criada a agência de mobilidade no Estado de São Paulo, é fundamental atribuir a essa instituição o papel de acompanhar o programa de descarbonização da frota pública de transporte de passageiros nas regiões metropolitanas. Cabe, nesse sentido, à engenharia da empresa o papel de desenvolvimento de novas alternativas energéticas sustentáveis de energia de tração (eletromobilidade, hidrogênio verde etc.) para a frota de ônibus.” Para tanto, é imprescindível conter a perda de conhecimento técnico e assegurar valorização profissional.