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“Catástrofe apocalíptica” no RS comprova urgência em mitigação e adaptação 

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Rita Casaro

 

MarcosBuckeridgeMarcos Buckeridge: tragédias são preço por desrespeito às leis da ciência ambiental; chance de reversão pode estar na inovação tecnológica. Foto: Acervo pessoalDeve ser encarada como um alerta à gravidade do aquecimento global em curso a tragédia vivida pela população do Rio Grande do Sul devido às fortes chuvas que começaram a cair sobre o Estado no final de abril, causando mega-alagamentos e deixando um rastro de destruição e morte que até o final de maio, segundo dados da Defesa Civil, havia somado 169 óbitos confirmados, 806 feridos e 581.638 desalojados. Quem avalia é Marcos Buckeridge, professor titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e o único cientista radicado no Brasil a participar como autor do Relatório Especial do IPCC, o painel intergovernamental sobre mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), que foi publicado em dezembro de 2018.

 

“O aumento de temperatura e os impactos não são lineares, são exponenciais. Então, conforme a temperatura vai aumentando, os efeitos vão ficando explosivamente mais [graves]. E o Rio Grande do Sul, infelizmente, é uma prova de um ponto nessa curva exponencial”, afirma.

 

Segundo ele, que também é vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, coordena o programa “Eixos Temáticos”, voltado ao desenvolvimento de políticas públicas, e atua em pesquisas relacionadas às Ciências Urbanas Aplicadas, a “catástrofe apocalíptica” que aflige o povo gaúcho não tem comparação com eventos anteriores provocados pelas chuvas. As consequências, pondera Buckeridge, remetem à situação de Nova Orleans, cidade estadunidense devastada pelo furacão Katrina em 2005 e até hoje não plenamente recuperada.

 

Sem ter feito a tarefa de reduzir as emissões como preconizava o Acordo de Paris, a humanidade não terá como limitar a elevação da temperatura média global a 1,5º em relação ao período pré-industrial até o final deste século, lamenta o pesquisador. “O CO2 já está circulando, e a gente já está vendo os efeitos. Por exemplo, o aumento da temperatura na superfície do mar deu um salto. E agora os oceanógrafos estão dizendo que a água do fundo do mar também está aquecendo. Então, tem coisas bem preocupantes acontecendo”, informa.

 

Apesar do atual cenário sombrio, Buckeridge diz ser otimista quanto às possibilidades trazidas pelas inovações tecnológicas. “Então, não é improvável que apareçam ideias que mudem as coisas de uma forma até radical e que esse problema consiga ser resolvido num tempo menor”, aposta. Outra boa notícia, acredita ele, é o potencial das energias limpas, especialmente no âmbito nacional. “A energia elétrica no Brasil é bem mais limpa, porque 80% é de hidrelétricas. Nós somos um país exemplar, se todos fossem iguais, a gente não estaria com esse problema.”

 

Enquanto as previsões otimistas não se concretizam, a necessidade de reconstrução urbana e rural, no caso do Rio Grande do Sul, e de adaptação para fazer frente a prováveis novos eventos climáticos extremos, no conjunto das cidades, exigirá empenho à altura da complexidade da tarefa. “Precisa ter essa conexão, que vai lá da política pública embasada em ciência até chegar na engenharia, colocando o processo para funcionar”, enfatiza.

 

Aspecto fundamental também em meio a essa batalha para evitar o caos no planeta, salienta Buckeridge, é o respeito à legislação pertinente ao tema. “A ciência ambiental tem RS11Centro histórico de Porto Alegre alagado devido às fortes chuvas e à elevação do nível do Lago Guaíba. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasilas suas leis, e se a gente desrespeitar, vai pagar o preço.”

 

Diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e ex-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, o pesquisador também aborda nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro as origens e os efeitos nefastos do negacionismo e a efetividade das Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs). “Nessa última, eu ouvi a palavra IPCC talvez umas duas vezes. E a ciência está fora. A única coisa que aquele pessoal capturou foi que a temperatura do planeta está aumentando”, testemunha. 

 


Confira os principais trechos a seguir e a íntegra no vídeo ao final.

 

 

Há tempos trava-se o debate sobre a necessidade de atuar na preservação ambiental e, ao mesmo tempo, adaptar as cidades devido aos eventos climáticos extremos que se tornaram frequentes. Uma tragédia ligada a essas questões se abateu sobre o estado do Rio Grande do Sul, ilustrando o problema de maneira chocante. Qual o caminho para fazer frente a esse cenário?

Vamos caracterizar um pouco melhor esse evento que aconteceu no Rio Grande do Sul. O aumento de temperatura e os impactos não são lineares, são exponenciais. Então, conforme a temperatura vai aumentando, os efeitos vão ficando explosivamente mais [graves]. E o Rio Grande do Sul, infelizmente, é uma prova de um ponto nessa curva exponencial. Eu espero que a minha dedução aqui esteja errada, mas até agora nós tínhamos cidades afetadas: Petrópolis, São Sebastião... Agora, a dimensão aumentou tremendamente, foram mais de 400 cidades, com um grande número de mortos e com um arrasto do evento enorme, está se falando em lugares onde as pessoas vão levar três meses para poder voltar para casa para ver o que aconteceu. Então, essa megaenchente não tem comparação. Algumas pessoas comparam com 1941, mas não [é pertinente], porque em 1941 nós não tínhamos esse “auxílio” das mudanças climáticas com esse aumento de temperatura. A gente tem uma ideia de que houve um bloqueio atmosférico que impediu que as frentes chegassem até o Sudeste e a água caiu toda no Rio Grande do Sul. Devido ao seu relevo e a sua rede de bacias hidrográficas, o estado alagou. Eu nunca tinha visto isso acontecer, talvez exista na história, mas eu não tinha visto um alagamento do estado. Nós tivemos o Katrina, mas os furacões são normais naquela área. E o grande problema é o depois. A recuperação, de novo eu espero sinceramente estar errado, pode levar décadas. Nos Estados Unidos, que têm uma quantidade de dinheiro muito grande, o furacão foi há 20 anos, e Nova Orleans não se recuperou ainda. Eu espero que no Rio Grande do Sul seja diferente, que as aplicações das tecnologias etc. sejam rápidas, eficientes, e que o dinheiro seja bem usado.

 

E o que fazer agora diante dessa situação?

RS08Passarela flutuante torna-se travessia entre Lajeado a Arroio do Meio após desabamento da ponte sobre o Rio Taquari. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência BrasilOlhando de um ponto de vista mais macro, tinha um Rio Grande do Sul num estado de equilíbrio. Estava tudo funcionando, o supermercado, as estradas, os bancos, as escolas, as delegacias, tudo o que a gente chama de "urbissistema". Quando você tem um ataque mortal, dissolve o equilíbrio. E quando o sistema for voltar a funcionar, para criar os novos urbissistemas pós-catástrofe, eles não entrarão no mesmo tipo de equilíbrio, serão outra coisa. É possível que volte melhor em muitos casos, porque aprendeu, incorporou, e é possível que volte pior; se tentarem voltar ao que eram antes, vão para o mesmo nível de vulnerabilidade. Então, essa é a pergunta que nós estamos fazendo: estamos num estado de equilíbrio frágil, vamos ficar assim? Vamos esperar acontecer outros iguais a esse? Vamos tentar adivinhar o que pode acontecer ou vamos fazer hipóteses e teorias sobre o que pode acontecer e tentar nos preparar? Esse é um momento em que teoria, hipótese etc. têm um valor enorme. As pessoas não gostam muito disso, querem ver a prática, vai lá, dá o dinheiro, faz, mas não, sem teoria agora, sem tentar imaginar cenários, não tem prática, porque a gente não tem bola de cristal. As pessoas não podem voltar para aqueles lugares onde elas estavam. Então para onde vão? É preciso estabelecer políticas públicas, o que é, por natureza, uma ação experimental. Quando você estabelece uma política pública, depende de como as pessoas vão aceitar, de como aquele ambiente vai reagir. Então, na realidade, não funcionam bem quando são feitas de cima para baixo. Elas têm que levar em consideração as pessoas que vivem e os gestores que trabalham lá. Essas políticas públicas não podem vir lá do Congresso Nacional ou da Presidência da República somente. [Esses entes] têm que estar, obviamente, mas tem que haver um pacto, um trabalho em conjunto, e leva tempo de implantação. As políticas públicas são probabilísticas, não existe nenhuma que dê 100% de acerto. Isso é impossível de acontecer. Então, você vai desenhar aquela política pública e vai ter que cuidar dela, vai ter que alimentá-la, vai ter que ouvir as pessoas para que aquilo seja moldado. No caso do Rio Grande do Sul, vai ser muito diferente nas regiões norte, sul, em Porto Alegre. A primeira coisa que vai ter que acontecer ali é baixar a água, e aí as pessoas começam a fazer reconstrução. Mas a gente tem que lembrar que toda a infraestrutura foi quebrada. Já não tem empresas, não tem negócio. Muita gente faliu. O efeito vai muito além do que a gente está vendo ali, porque o Rio Grande do Sul é muito importante. Do ponto de vista das pessoas, em primeiro lugar, obviamente, são irmãos brasileiros, mas também do ponto de vista industrial e agrícola. É uma reação em cadeia que se espalha pelo Brasil e se reflete na Argentina, em todos os países latino-americanos e europeus que se correlacionem de alguma maneira com o Rio Grande do Sul. Então, isso gera um dreno de dinheiro e uma complexidade enorme. Toda a infraestrutura de saneamento foi afetada. E aí a gente vai ver impactos, por exemplo, na saúde. Morreram pessoas, que é um efeito agudo. Mas agora vêm os efeitos crônicos, que nós vamos precisar cuidar. O efeito na saúde, nos transportes, na comunicação. Então, é um terror, uma catástrofe apocalíptica. A primeira coisa é tirar as pessoas de lá, dar todo esse auxílio, os donativos etc.. A segunda vai ter que ser a recuperação da infraestrutura, e aí os engenheiros, o sindicato podem ajudar muitíssimo.

 

O fato de as políticas públicas serem experimentos pode sugerir a ação de tentativa e erro, sem base em indicadores. Para não ficar dúvidas, o senhor poderia esclarecer esse ponto?  

Nesse nosso programa sobre políticas públicas, desenvolvemos uma metodologia. Com 160 professores – inicialmente apenas da USP – de alto nível divididos em 11 eixos temáticos diferentes, produzimos 800 itens de agenda, que são os elementos norteadores das políticas públicas. Nós estamos falando de ciência, educação, democracia, tudo isso no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, tudo atrelado à visão da Agenda 2030. Então a ideia é criar uma base justamente para que a política pública deixe de ser essa tentativa e erro e essa experimentação. Por isso que eu falei que existe um elemento probabilístico dentro da política pública. É provável que ela chegue ali a 70% de eficácia. Se chegar, está ótimo. Eu tenho que ir arrumando. O exemplo que eu tenho na cabeça foi uma política pública feita pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo [para] a conservação das florestas. Houve um trabalho dos técnicos de alto nível que a Secretaria tem junto com vários cientistas de RS06Sabesp, companhia de saneamento público paulista, enviou bombas e pessoal técnico ao RS para ajudar no escoamento da água. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasildiferentes áreas. Esse trabalho foi tomando corpo e foi se criando a política pública. Quando aquilo chegou a um determinado ponto, eles começaram a fazer audiências públicas com a população. E ouviram mesmo, foram ajustando e fizeram a implantação efetivamente daquilo que estava lá na política pública, depois de toda a consulta. E isso levou mais de um ano para fazer, não foi uma coisa simples. E o centro disso foram justamente os técnicos, os gestores públicos que foram os protagonistas disso. Acho que dá para entender agora por que eu chamo de probabilístico. Porque aquela ideia inicial que sai, que está lá nos nossos itens de agenda, são ideias genéricas. E elas vão ser transformadas em políticas públicas por diferentes grupos. Mas se você não tiver as agendas baseadas em pesquisa científica, vai obrigatoriamente se perder no meio e a sua política pública não vai funcionar. Então, no Rio Grande, por exemplo, vai ser muito importante que os gestores trabalhem com os cientistas de lá, que conhecem bem a região, e que trabalhem também em contato conosco aqui em São Paulo, com o Rio de Janeiro, com Minas Gerais, com todo mundo que puder ajudar em termos de levar base científica para que as políticas públicas possam ter um alicerce no conhecimento. 

 

A adaptação é imperativa, mas é possível ainda fazer a mitigação e evitar que a situação se agrave?

No quesito mitigação, nós não temos mais como evitar esse aumento de temperatura que virá até talvez o fim do século por causa de um efeito inercial. O CO2 já está circulando, e a gente já está vendo efeitos. Por exemplo, o aumento da temperatura na superfície do mar deu um salto. E agora os oceanógrafos estão dizendo que a água do fundo do mar também está aquecendo. Isso pode mexer com as correntes marítimas. Como o mar é três quartos da Terra, isso mexe muito mais com o clima. Então, tem coisas bem preocupantes acontecendo. Eu não gosto de ser alarmista, mas depois do Rio Grande do Sul comecei a ficar mais preocupado. Um dos caminhos pelos quais nós estamos indo é sugar o CO2 da atmosfera e enterrar em profundidade, a três, quatro quilômetros. Quando esse CO2 é enterrado, no estado supercrítico, que é um estado especial, fica preso lá debaixo da terra, não vai ficar na forma de gás.

 

E quanto a reduzir a emissão de poluentes?

Tem um termo em inglês que se chama phase-out, sair de fase, fazer com que combustíveis fósseis não sejam mais usados. O problema é o seguinte: nós construímos, principalmente no hemisfério norte, um sistema [cuja base] é petróleo, usa gasolina, diesel. O que a gente está defendendo agora é que toda a exploração de petróleo para manter o sistema funcionando seja feita de forma sustentável ao máximo possível. Por exemplo, principalmente no sistema brasileiro, quando o barco estiver lá tirando [petróleo do fundo do mar], ao invés de diesel, vai usar metanol produzido a partir do etanol. Vai usar energia eólica, solar. Então, isso vai amenizando um pouco o próprio processo de extração de petróleo. Nós já discutimos isso lá em 2014, no IPCC, depois no de 2018 também.

 

Esse processo no Brasil é mais viável comparativamente?

A energia elétrica no Brasil é bem mais limpa, porque 80% é de hidrelétricas. Nós somos um país exemplar, se todos fossem iguais, a gente não estaria com esse problema. O Brasil fez o seu trabalho em termos energéticos por diversas razões. Mais recentemente, [após a] Eco-92, se pensou bastante na parte ambiental. Mas, na questão energética, foi devido à crise do petróleo que a gente passou a usar, por exemplo, os carros a álcool e depois os flex. Eu costumo dizer que no Brasil não tem gasolina, porque 27% é álcool. E agora 14% do diesel do País é biodiesel. O grande problema que nós temos no transporte é que aos motores grandes o álcool não serve, os engenheiros todos sabem disso. Então nós estamos indo no caminho de produzir hidrogênio a partir do etanol. A primeira planta do mundo vai ser inaugurada na USP em agosto. Nós vamos ter três ônibus andando no campus com hidrogênio, não de água, de etanol. Por que é importante? Porque o etanol é um combustível líquido transportável, não preciso ficar transportando hidrogênio para lá e para cá. E esse hidrogênio também pode ser exportado para a Europa. A nossa produção de etanol, o caminho que nós estamos indo neste momento é que a emissão será negativa. Não é emissão zero. É negativa, porque todo o CO2 que é produzido durante o processo, desde que o CO2 é absorvido pela planta na fotossíntese até sair na forma de etanol e virar hidrogênio, todo o CO2 que é emitido ali é jogado para baixo da terra. E com isso vai poder, acoplando a sistemas de captura de carbono, diminuir o gás do efeito estufa na atmosfera. Essa é uma forma de mitigação.

 

Qual a sua avaliação da última COP, realizada no final do ano passado?

As COPs não funcionam como a gente acha que deveriam. Nessa última, eu ouvi a palavra IPCC talvez umas duas vezes. Eu passei lá a semana inteira, indo a eventos o tempo todo. E a ciência está fora. A única coisa que aquele pessoal capturou foi que a temperatura do planeta está aumentando, mas o IPCC deixa de existir ali. Em Paris, houve uma interação maior, foi isso que gerou o relatório especial que foi publicado em 2018. Dali saiu a demanda para o IPCC sobre o que vai acontecer se chegar a 2° [e a decisão de limitar] a 1,5°. E esses eventos estão mais extremos e acontecendo antes do que as previsões matemáticas diziam. Então talvez existam alguns elementos que nós, cientistas, não conseguimos capturar. As nossas teorias foram menos precisas. E, infelizmente, para o lado contrário do que a gente esperaria.

 

Com isso, o negacionismo em relação ao aquecimento global está vencido?

RS07Após enchente, a batalha para retirar lixo acumulado que tomou as ruas de Porto Alegre. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência BrasilPessoalmente, estou trabalhando com isso desde a década de 1990. Os cientistas, notadamente James Hansen, da Nasa, começaram lá na década de 1980 a fazer esse tipo de aviso: “Olha, gente, a temperatura está aumentando em vários lugares ao mesmo tempo, isso não é bom.” Naquela época, existia um negacionismo em curso que estava relacionado com o comunismo durante a Guerra Fria, e os comunistas eram muito malvistos. Então ali houve uma vinculação do ambientalismo com o comunismo, o que gerou esse negacionismo que vem bater aqui. Isso foi reforçado no governo anterior aqui no Brasil, com o desligamento de legislações importantes que nós tínhamos para a proteção do meio ambiente. Não é culpa disso diretamente [a ocorrência de desastres], mas isso faz parte de um processo mais amplo. Os negacionistas, obviamente, sempre esperam que isso não exista. A negação é o primeiro passo do luto, depois vem a raiva, depois a barganha e a aceitação. A maioria da população acho que já aceitou, mas ainda existem os negacionistas e os que se transformaram em negacionistas raivosos. Eles estão indo para o domínio da raiva e é isso que faz essas pessoas criarem fake news para atrapalhar o processo. Ou então o que faz com que as pessoas interfiram em legislações que já existiam ou impeçam, no Congresso Nacional, que legislações ambientais sejam aprovadas. Eu sei que legislação ambiental é um negócio que enche o saco, mas a gente tem que entender que tem coisas que não pode fazer mesmo. Isso faz parte das descobertas da ecologia que vêm lá da década de 1930; é assim que o planeta funciona e não adianta, é como querer revogar a lei da gravidade. Não dá! A ciência ambiental tem as suas leis, e se a gente desrespeitar essas leis, que é o que tem feito consistentemente, vai pagar o preço.

 

É preciso agir, portanto.

Uma questão que acho importante dentro desse contexto é que vamos ter que mudar um pouco o sistema capitalista que nós temos. Esse nosso capitalismo, onde poucas pessoas têm um lucro muito alto, vai ter que mudar, isso vai ter que ser dividido. Então precisa haver uma mudança também de mentalidade das próprias empresas. E está havendo, tem muitas que estão pensando em como fazer isso. O sistema socioeconômico vai ter que sofrer uma adaptação; a economia, a agricultura, precisa se modernizar. De novo, o Brasil é um exemplo, a gente fala [por exemplo] do agribusiness – o verdadeiro, não o que é criminoso, que queima a Amazônia, mas o que produz comida, tenta aumentar a sua produtividade e se preocupa com o meio ambiente. O meio ambiente hoje faz parte de qualquer decisão, de qualquer política pública, de qualquer coisa que nós fizermos. Ele tem que ser considerado. E as pessoas têm que aprender a usar isso. Eu sou um otimista, apesar do Rio Grande do Sul, que me chocou profundamente como cientista e como pessoa, porque eu não esperava que acontecesse tão rápido um evento tão violento, mas eu acredito na inovação e na tecnologia. No mundo, nós temos muita coisa muito interessante sendo feita. Então não é improvável que apareçam ideias que mudem as coisas de uma forma até radical e que esse problema consiga ser resolvido num tempo menor que até o fim do século. Um problema sério que nós temos com essa questão das inovações é que tem vários exemplos de produtos que ganham a competição sem ser os melhores. Então nós precisamos ficar vigilantes com isso, de não escolhermos tecnologias que não sejam as melhores. Eu falei aqui do etanol para hidrogênio, mas, ao mesmo tempo, nós estamos discutindo. Será que é isso mesmo? Será que o hidrogênio é o melhor caminho? Vamos fazer todos os cálculos. Pegar especialistas de todas as áreas, da engenharia, da economia, da biologia, da matemática, para tentar ver se realmente esse é o melhor caminho. E abrir os ouvidos, os olhos para outras ideias que apareçam. Desde uns 20 mil anos para cá, principalmente nos últimos dois séculos e particularmente nesse último, o Homo Sapiens demonstrou uma capacidade de inovação absolutamente incrível, e os engenheiros são absolutamente fundamentais em implantar isso, em aperfeiçoar esse tipo de coisa. Então precisa ter essa conexão que vai lá da política pública embasada em ciência até chegar na engenharia colocando o processo para funcionar, o gestor público colocando o processo social para funcionar. Então é essa conexão que a gente vai precisar agora aprender a ter.

 

Assista à íntegra da entrevista:

 

Imagem no destaque: Sobrevoo sobre Canoas-RS / Foto: Ricardo Stuckert/PR

 

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