Hugo Sérgio de Oliveira e Cláudio Gabarrone
O Governo do Estado de São Paulo, para dar cumprimento à determinação do Novo Marco Legal do Saneamento de universalização dos serviços em todo o País até 2033, decidiu antecipar essa meta para 2029. Isso, entretanto, para justificar seu objetivo principal de privatizar a Sabesp sob o argumento de viabilizar os recursos necessários, embora os indicadores da empresa já mostrem que essa meta foi praticamente atingida. Para tanto, pretende vender parte de suas ações, porém sem querer abrir mão do controle acionário da companhia.
Entretanto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se manifestou, recusando o modelo proposto pela Sabesp para abertura de capital. O paragrafo 2º do artigo 216 da Constituição do Estado de São Paulo estabelece que o Estado deve assegurar o controle acionário da empresa, mesmo que os serviços sejam prestados por concessionário privado. Porém, com a venda das ações, perderá poder e, certamente, o controle acionário. Também perderão poder os prefeitos, ao transferirem praticamente sua competência sobre o saneamento básico para as URAEs [Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário], vale ressaltar, em desacordo com o que estabelece o artigo 30 da Constituição Federal.
Cabe um alerta aos prefeitos sobre as consequências com a perda de competência sobre o saneamento, principalmente água e esgoto, a partir da grave situação vivenciada pelos paulistanos recentemente com a falta de energia elétrica por vários dias, sem que o Governo do Estado e o Prefeito do Município de São Paulo tivessem condições legais para resolver o problema. Lembrando que por ser a energia de competência da União, a Enel só responde ao governo federal.
Caso a Sabesp venha a ser privatizada, conforme é o desejo do Governador, a empresa só responderá por qualquer problema de abastecimento de água ou de esgoto à URAE, a exemplo do que aconteceu com a energia.
O processo de privatização da Sabesp inicia-se, praticamente, em 5 de julho de 2021, quando foi aprovada a Lei 17.383, que trata da regionalização do Estado para efeito de cumprimento do requisito estabelecido pelo Novo Marco Legal. Com base na lei de regionalização, o Governo do Estado de São Paulo constituiu quatro URAEs, sendo que na URAE 1 estão inseridos todos os municípios operados pela Sabesp. Também por meio de um decreto estadual foi estabelecida a regulamentação da URAE 1, definindo, entre outras, sua governança.
Cabe salientar que as URAEs constituem a base do novo arranjo institucional do setor, definindo uma governança de forma interfederativa que compreende os seguintes elementos:
I – uma instância executiva composta pelos representantes do Poder Executivo dos entes federativos integrantes da respectiva URAE;
II – uma instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil;
III – uma organização pública com funções técnico-consultivas;
IV – um sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas.
Hugo Sérgio de Oliveira é economista, ex-presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), ex-gerente de operações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ex-funcionário da Sabesp
Cláudio Gabarrone é diretor administrativo e financeiro da Associação dos Aposentados e Pensionistas da Sabesp (AAPS), ex-superintendente de Fiscalização de Custos e Tarifas da Arsesp e ex-consultor do Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS) do Ministério das Cidades
Imagem: bilanol/Freepik.com - Arte: Fábio Souza / Fotos Hugo Sérgio de Oliveira e Cláudio Gabarrone: Acervos pessoais