Jéssica Silva
A tragédia no Rio Grande do Sul evidenciou a urgência climática como realidade a ser mitigada e combatida. Os eventos extremos, cada vez mais frequentes, tornam ainda mais graves os desafios enfrentados nos municípios a cada estação, como as constantes enchentes no verão e, mais recentemente, ondas de calor às vésperas do inverno – situação que deixou a marca na Capital paulista de mês de junho mais seco em 29 anos. Especialistas ouvidos pelo Jornal do Engenheiro alertam: falta natureza nas cidades.
Uma medida amplamente divulgada atribuída à Organização Mundial da Saúde (OMS) é a de que essas precisam ter, no mínimo, 12 metros quadrados de área verde por habitante. Para a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (Sbau), é preciso considerar as especificidades de cada município para que haja uma melhor distribuição desses espaços verdes de acesso público, de modo a explorar toda capacidade e mecanismos de gestão e resiliência urbana e atender de forma equitativa toda a população.
“Rotular um número x de metros quadrados por habitante como sendo o ideal, sem considerar a distribuição dessas áreas na cidade, pode, de certa forma, inibir as decisões políticas e incentivo aos projetos de inovação urbana e soluções baseadas na natureza”, defende o vice-diretor de gestão da Sbau, João Paulo Ferreira.
Em 2023, a cobertura vegetal na Capital superou a meta de 50% do território, de acordo com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). Nos últimos três anos, mais 160 mil árvores foram plantadas por incremento, compensação e reparação ambiental, o que rendeu a São Paulo, no ano passado, o título de “Cidade Árvore do Mundo”, da Fundação do Dia da Árvore (Arbor Day Foundation) e Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com outros 34 municípios brasileiros.
A despeito disso, de acordo com a plataforma Urbverde, nem toda a população tem acesso a essas “áreas de natureza”. A iniciativa do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP), em parceria com outras universidades, monitora dados de vegetação dos 645 municípios paulistas e disponibiliza, entre outras informações, o índice de desigualdade socioambiental.
A Capital ocupa o 65º lugar no ranking dos municípios mais desiguais, com 87% da população residindo em setores com percentual de cobertura vegetal abaixo da média, longe de parques e praças. Isso interfere diretamente na saúde das pessoas. “Não ter áreas verdes, ou não tê-las de forma bem distribuída na cidade, pode criar, por exemplo, as já conhecidas situações das ilhas de calor, que são áreas com temperaturas acima da média”, destaca Ferreira.
As florestas urbanas e periurbanas, conforme ele explica, desempenham funções ecológicas e ambientais importantes como a promoção de conforto térmico, interceptação e redução da velocidade de escoamento superficial das águas das chuvas. Ainda, são sumidouros de carbono, isto é, capturam gás carbônico melhorando a qualidade do ar, e se transformam em habitats para diversos grupos biológicos da fauna e flora local e migratória.
Repensar a cidade
Ele, que é engenheiro florestal, ratifica que a ciência tem evidenciado cada vez mais a relação entre qualidade de vida, saúde e bem-estar com a proximidade, facilidade de acesso e convívio das pessoas em regiões arborizadas. Em 2021, um estudo na Europa concluiu que mais de 40 mil mortes por ano estavam associadas à falta de acesso a áreas verdes.
Na avaliação do diretor do SEESP e mestre em Planejamento Urbano, Nestor Tupinambá, escolhas ruins no passado fizeram com que hoje retornar a natureza nas cidades seja uma preocupação. “Canalizamos os rios, construímos avenidas de fundo de vale. Você vê o crescimento e o adensamento das cidades”, ressalta. Com tanto concreto, como alerta ele, as cidades estão mais impermeáveis. “Tínhamos um tempo de concentração de 30 minutos para aquela gota que cai no chão chegar até o fundo de vale. Hoje está na base de dez”, calcula.
Nesse sentido, repensar a cidade é fundamental. “Seria preciso fazer um estudo de vias que podem ser dispensadas, a exemplo do Minhocão [Elevado Presidente João Goulart]. Nos rios e córregos, pensar em parques lineares, resgatar as matas ciliares; por exemplo, na Avenida Aricanduva, seria necessário o espaçamento entre as vias e o rio”, aponta Tupinambá.
O planejamento para cidades resilientes, frisa o especialista, é uma situação transversal, que passa por todos os setores, como mobilidade e moradia. “Passa pelo Plano Diretor, um importante instrumento de mudança, mas que infelizmente foi revisado sem essa preocupação”, critica.
Para Sadalla Domingos, professor sênior na Escola Politécnica (Poli-USP), grandes obras são necessárias, mas, igualmente, atividades de zeladoria e manutenção. “A boca de lobo tem que estar limpa”, critica. Ele chama a atenção ainda à participação da sociedade: “É preciso educar a população, temos que ter cuidado com o lixo, com o descarte correto de material. Juntar as pessoas para resolver a cidade. A engenharia pode contribuir sempre, mas a responsabilidade é de todos.”
Valorizar quem faz
Bandeira premente do SEESP, o planejamento das cidades exige a valorização dos que projetam e executam as obras e ações. Yuri Hilton Alves atua há dez anos no licenciamento ambiental na SVMA. “Na execução do meu trabalho, estou sempre atento ao Plano Municipal da Mata Atlântica, ao Plano Municipal de Arborização Urbana, entre outros, assim como a toda a legislação vigente correlata, com um olhar atento para aquelas referentes à arborização urbana e às áreas permeáveis”, conta.
Engenheiro agrônomo efetivo da Prefeitura, ele é um dos 1.143 trabalhadores que compõem o atual quadro de profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG). A categoria, que luta pela valorização salarial com reconhecimento do piso e reposição das perdas inflacionárias desde 2013, não tem novas contratações desde 2018, quando foi realizado o último concurso público.
“Sabemos que o número de engenheiros municipais está defasado, sendo necessário a recomposição e ampliação desse quadro para uma maior efetividade das ações em direção a uma cidade mais adaptada às mudanças climáticas e seus efeitos, como ondas de calor, ondas de frio e chuvas intensas”, atesta Alves.
Foto no destaque: Parque Piqueri/ Prefeitura Municipal de São Paulo