Valter Pieracciani
Nem notamos direito as grandes pontes sobre as quais eu e você passamos todos os dias. Elas simplesmente estão ali. Nenhuma providência parece urgente. Até o dia em que algum veículo sair voando, ou toneladas de concreto esmagarem pessoas abaixo delas.
Com dor nos recordamos da queda em 2018 da Ponte Morandi, também conhecida como Viaduto Polcevera, em Gênova, na Itália. O trágico incidente resultou na morte de 43 pessoas e causou grande comoção e debate sobre a infraestrutura, a inspeção e a manutenção de pontes na Itália e em outros lugares. Naquele caso, foi preciso uma tragédia para que as práticas em todo o país fossem revistas.
As mudanças climáticas acrescentaram novas complexidades à manutenção das grandes estruturas. No hemisfério norte, pesquisadores indicam que o excesso de calor e o aumento dos níveis da água vêm acelerando movimentos de contração e expansão dos materiais. Em julho último, num dia de altíssimas temperaturas, a ponte da Third Avenue, que liga Manhattan ao Bronx, em Nova York, travou na posição aberta. Especialistas atribuíram o evento ao superaquecimento do aço, e jatos de água do Rio Harlem foram atirados à ponte, num esforço para resfriar as estruturas.
No Brasil estão frescas na memória as imagens de pontes inteiras engolidas pelas cheias dos rios do Rio Grande do Sul durante a grande catástrofe climática de abril e maio últimos.
Imagine os efeitos de um colapso do Viaduto do Chá, uma estrutura de 132 anos. Além do risco de mortes, o desastre pararia uma área crucial da cidade de São Paulo por um longo período, causando incomensuráveis perdas. Danos que certamente seriam centenas de vezes maiores do que o investimento para realizar uma adequada manutenção.
A palavra “manutenção” vem do latim mantenere, segurar firme na mão, e significa garantir que algo siga funcionando, operacional. Aplica-se a qualquer sistema, veículo, máquina, estrutura etc..
A forma de realizar manutenção e, em especial, seu significado evoluíram muito nas últimas décadas. As novas tecnologias da computação trouxeram ferramentas avançadas para monitoramento e diagnóstico de máquinas e estruturas. O velho conceito de que manutenção era consertar o que quebrava foi dando lugar a intervenções realizadas preventivamente para garantir produtividade e continuidade das operações.
Em ordem mais ou menos cronológica, ganharam protagonismo o Lean e a Manutenção Produtiva Total (TPM, da sigla inglesa Total Productive Maintenance). O foco se deslocou para eliminar tudo o que pudesse sinalizar perdas.
Seguiram-se as revoluções da Internet das Coisas (IoT) e da Indústria 4.0, que turbinaram as manutenções preditiva e preventiva. Foram introduzidos os sensores inteligentes e as análises de dados, propiciando o monitoramento em tempo real dos equipamentos e intervenções cirúrgicas, muitas vezes realizados remotamente, a milhares de quilômetros de distância.
Mesmo as inovações mais disruptivas e potentes não impedem, no entanto, que as atividades de manutenção caiam muitas vezes na fissura que existe entre a classificação do que é importante e do que é urgente. Importante é algo que, se não for feito, pode causar grandes impactos e perdas, mas temos a impressão de que se for adiado, tudo bem. Desfrutar de momentos de convivência com a família, por exemplo. Urgente é aquilo que exige uma ação quase que imediata, mas nem sempre produz grandes consequências se não agirmos, como é o caso de um telefone tocando.
A realidade pode nos cobrar um preço muito alto por termos abandonado tarefas importantes e priorizado apenas o urgente, ou aparentemente urgente. Isso é especialmente relevante no que diz respeito a grandes construções, centenárias ou não. É aqui que máxima eficiência e vanguarda da inovação deveriam se aplicar para assegurar manutenção e segurança, o que, infelizmente, nem sempre ocorre.
Estruturas antigas, erguidas com materiais e sistemas construtivos hoje em dia obsoletos, requerem uma especial abordagem quando se trata de mantê-las. Entram em campo a análise de trincas, a avaliação do estado de deterioração dos materiais, medidas de vibrações e movimentação de partes ou da inteira estrutura etc.. Campo fértil inclusive para muitas das inovações tecnológicas que mencionamos anteriormente.
Sabemos que muitas das grandes estruturas do Estado de São Paulo não têm sido objeto de análises e manutenção sistemáticas. Os riscos estão claros. Dispomos no Estado de ótimos engenheiros e dos especialistas necessários para realizar bons planos e executar manutenção adequada nessas obras. Falta certamente um terceiro pilar, formado pelas correspondentes políticas públicas e por planos de manutenção robustos. Focar e priorizar essas frentes de ação que são certamente importantes, apesar de parecerem para alguns não urgentes.
Valter Pieracciani, MSc, é engenheiro, bacharel e mestre em Administração de Empresas, especialista em Gestão da Inovação, sócio-diretor e fundador da consultoria Pieracciani Desenvolvimento de Empresas
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