Jéssica Silva
Uma proposta de transformação urbana está em andamento na zona leste da capital paulista. Trata-se do Eixo Platina, um projeto da empresa Porte Engenharia, que engloba a construção de empreendimentos comerciais, residenciais, hoteleiros, educacionais, de serviços, além de cultura e lazer, na região paralela à Avenida Radial Leste, entre as estações Carrão e Belém da Linha 3 – Vermelha do Metrô.
O projeto está em sua primeira fase de desenvolvimento, com seis edifícios já entregues, sendo o primeiro prédio finalizado em 2019. O investimento foi de aproximadamente R$ 8 milhões destinados também à revitalização de praças, calçadas, melhoria na iluminação pública e inclusão de elementos artísticos que serão instalados ao longo do eixo, de acordo com Carollina Okamoto, especialista de Ciência Urbana e Novos Negócios da Porte Engenharia.
Já nessa primeira fase serão mais de 400 mil metros quadrados para fomentar o desenvolvimento na região, com a estimativa de promover moradias próximas às infraestruturas urbanas para cerca de 3 mil pessoas, estimular 17 mil postos de trabalho na área empresarial, 1.800 no ramo de serviços e 200 na área hoteleira.
“A cultura será amplamente beneficiada com a construção de um Centro de Convenções de 8.700m², o maior teatro de São Paulo, com capacidade para mais de 1.560 pessoas, e um complexo de cinema com as primeiras salas VIPs da região. A previsão é que até 6 mil pessoas possam acessar diariamente essas opções de lazer”, descreve Okamoto.
A ideia do Eixo Platina surgiu devido à alta demanda por essas infraestruturas na região, conforme ela explana: “Os empregos formais na área representam apenas 16% das vagas na cidade, atendendo apenas 28% da população economicamente ativa da zona leste. Isso significa que 72% dos moradores precisam se deslocar para outras partes da cidade.”
O projeto, atesta a gerente, expande a oferta de empregos e cria oportunidades para a comunidade local, reduzindo a necessidade de deslocamentos pendulares – baseado no conceito de cidade de 15 minutos. “Isso contribui para um estilo de vida mais sustentável e eficiente”, ela frisa.
A cidade de 15 minutos, que consiste em promover trabalho, escola e lazer a 15 minutos da moradia, sendo necessário apenas mobilidade ativa (caminhada ou bicicleta) ou transporte público, foi oficialmente apresentada pelo urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, durante a edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2015, a COP21, como uma iniciativa no combate às questões do clima.
Depois que a capital francesa adotou o conceito, muitas outras cidades pelo mundo, como Milão, Houston, Xangai e Buenos Aires, investiram nesse tipo de política urbana. “Pelo bem das pessoas e do nosso planeta, nós precisamos redesenhar nossas cidades”, destaca o próprio Carlos Moreno em vídeo que explica a ideia.
O urbanista franco-colombiano avalia uma segunda proposta, a de cidade de 30 minutos, o que em locais com dimensões como as de São Paulo seria possivelmente mais realista. “Nós temos três pontos que formam uma espécie de triângulo da existência no quotidiano, que é casa, local de trabalho e lazer mais costumeiro, e é isso o que geralmente a gente percorre por 90% do tempo”, elucida José Luiz Portella Pereira, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
O plano de acessar essas atividades em 30 minutos contribui diretamente à redução de emissão de gases de efeito estufa, com reflexos positivos à saúde: “O maior benefício é a sobra de tempo para a família, projetos pessoais, sem desgastes excessivos com transporte, o que atualmente, além de poluir, diminui a capacidade produtiva das pessoas e seu estado de sanidade mental.”
Para isso, no entanto, um ponto crucial, na visão de Pereira, é a geração de emprego próximo aos locais de moradia, o que implica desenvolvimento de polos econômicos fora dos centros das cidades. “O eixo é uma boa ideia, mas insuficiente. Precisamos de mais eixos nos locais mais periféricos. Essa má distribuição submete a maior parte da população a uma mobilidade sacrificante”, ele critica.
Trabalho x casa
Uma pesquisa elaborada pela organização sem fins lucrativos Rede Nossa São Paulo em parceria com o instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) mostra que o tempo médio diário gasto com trajeto para atividades essenciais como o trabalho na Capital é de 2h25. Entre quem utiliza apenas o transporte público, a média sobe para 2h47. Isso pode representar, em um ano, mais de 25 dias que uma pessoa passa dentro de um veículo.
A analista de qualidade Gisleide Cavalcante gasta 3h20 no trânsito de ida e volta nos dias em que realiza seu trabalho de forma presencial, saindo do bairro Interlagos, na zona sul onde mora, até a Mooca, na zona leste da cidade. Nos dias em que faz home office, esse tempo é diluído em outras ocupações como passear com o cachorro, estudar, cuidar da saúde e ver filmes com a filha Alice, de dez anos. “Se tivesse que ir todos os dias à empresa, não aceitaria”, ela conta.
Ônibus, metrôs e trens cada vez mais lotados e avenidas com incontáveis veículos que ocasionam recordes de quilômetros parados todos os dias são notícias rotineiras e não exclusivas da Capital. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em torno de 15% da população do Estado que trabalha se desloca de uma cidade a outra para a atividade, o que equivale a mais de 3 milhões de pessoas todos os dias no trânsito intermunicipal.
Guarulhos é a terceira cidade em que os trabalhadores mais realizam essas viagens, com mais de 116 mil cidadãos no tráfego urbano diário. Pamela Gomes é uma delas. Copeira, perde em média 4h por dia no trajeto de ida e volta do Parque Jurema até o Itaim Bibi, na zona oeste de São Paulo. “Isso porque saio de casa bem mais cedo para fugir do trânsito lento na Dutra e no Trevo de Bonsucesso”, diz. Ainda assim, a oportunidade de trabalhar perto de casa não é uma opção. “Em São Paulo o salário é maior, então de certa forma compensa”, pondera.
Reorganizar as cidades
Promover uma mobilidade urbana eficiente e qualidade de vida à população está entre as bases de uma cidade inteligente, tema da última edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, elaborado pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com apoio do SEESP, como lembra o diretor do sindicato e membro do Conselho Assessor de Mobilidade Urbana da entidade, Edilson Reis. A publicação foi entregue ao longo da campanha eleitoral deste ano a todos os candidatos aos postos municipais que estiveram no SEESP em debate tradicionalmente realizado em sua sede, na capital paulista. “Falamos do foco no transporte público de qualidade e na importância de promover pleno emprego em todas as regiões”, afirma Reis.
Para Fernando de Mello Franco, diretor do instituto de pesquisa aplicada com foco em dinâmicas socioespaciais ZeroCem, a reorganização das cidades é impreterível para promover, sobretudo, justiça socioambiental. “A nossa crise já está instaurada, se não revermos nosso modelo de urbanização ela será ainda mais grave. A gente precisa repensar as formas de uso do território, as lógicas de mobilidade de massa, de distribuição do emprego, das ofertas de bens e serviços urbanos”, aponta.
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e secretário municipal de São Paulo na gestão Haddad, quando foi lançado o projeto de transformação urbana “Arco do Futuro”, que planejava converter a chamada Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM) em centros lineares, seguindo a mesma lógica do Eixo Platina, Franco resgata: “A MEM tem um patrimônio imobiliário subutilizado. O ‘Arco do Futuro’ intensificaria o uso do solo justamente onde o transporte público de alta capacidade (trens e metrôs) já está.” O plano sofreu diversas alterações. Para ele, muitos projetos atuais de intervenção urbana na cidade se deram a partir disso. “Com defeitos e qualidades, estão sendo aplicados”, considera. E externa: “Essa transformação nos permite pensar não a partir dos bens e serviços em um único lugar, mas indo lá desde a zona sul, nas áreas da represa, ao extremo da zona leste, apoiado na oferta de um transporte de alta capacidade movido por uma energia limpa.”
Na avaliação de Pereira, os desafios nesse sentido são muitos porque, em suas palavras, “as cidades não foram planejadas, foram feitas na especulação imobiliária e nos apetites financeiros”. Assim, sinaliza: “Seria uma tarefa para engenheiros e arquitetos, não especuladores.” O engenheiro frisa ainda a importância em se estabelecer uma política pública de transformação urbana. “O Estado tem fomentar, para depois a iniciativa privada manter. Precisa ser um projeto de longo prazo”, enfatiza.
Mudança de paradigma
Na discussão de aproximar o trabalho das moradias entra também uma modalidade muito difundida no País nos últimos anos, o trabalho remoto. A Sondagem do Mercado de Trabalho (SMT) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), de 2023, revelou que muitos profissionais que trabalhavam presencialmente prefeririam o home office – 49,7% dos entrevistados afirmaram que gostariam de adotar o modelo remoto total ou parcialmente. Entre as pessoas que atuavam em home office, 15,8% alegaram que um dos principais pontos positivos é não perder tempo com deslocamento – o terceiro benefício mais escolhido pelos participantes depois de flexibilidade no horário (43,6%) e aumento da qualidade de vida (28,5%).
Empregadores e a sociedade em geral, avalia o diretor do SEESP, têm que iniciar um processo de mudança cultural sobre a exigência da presença física do trabalhador em atividades não operacionais para cumprir sua jornada de trabalho. “É trabalhar com definição de meta, com prazos de entrega. E, em contrapartida, como acrescenta, os funcionários se qualificarem para esse trabalho remoto”, opina Reis. “Empresas que já adotam essa técnica afirmam que nesse modelo há uma melhor produtividade”.
Outra questão apontada por ele é a revitalização do centro, “reformando e adaptando prédios vazios e degradados para moradia daqueles que exercem suas atividades próximas, onde há muitos postos de trabalho”. Reestruturação ainda contribui ao meio ambiente. Dossiê publicado pelo Instituto Pólis contabiliza que se os 87 mil domicílios não ocupados na região central paulistana servissem de moradia a trabalhadores que se deslocam diariamente de regiões periféricas da cidade, o município deixaria de emitir 4,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e).
Foto no destaque: Local em que está situado o Eixo Platina, zona leste da Capital. | Porte Engenharia