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Mais negros na engenharia, mas ainda muito a avançar

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Soraya Misleh

 

De origem humilde, a primeira mulher negra a se formar em engenharia no Brasil, no ano de 1945, Enedina Alves Marques, carregava um revólver na cintura e dava tiros para cima para ser ouvida e levada a sério no ambiente de trabalho. Setenta e nove anos depois, esse recurso não é mais necessário, mas a profissão segue predominantemente masculina e branca. A percepção é compartilhada por acadêmicos, estudantes e profissionais ouvidos pela reportagem do JE. Sem estimativas precisas, eles observam que apesar da maior presença negra na engenharia nos últimos anos, ainda há muito por avançar.

 

Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper e seu Centro de Gestão de Políticas Públicas, com apoio institucional da Telefônica Vivo, indica que nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) a proporção de negros no ensino superior aumentou 14% (dados de 2022). José Reinaldo Silva, professor associado do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e idealizador da Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP), formalizada em 2022 pela instituição, está entre os que enxergam que a mudança, contudo, ainda se dá timidamente.

 

Professores Anarosa Brandão, Monica Galindo (ao centro) e José Reinaldo Silva: busca por inclusão e diversidade. Fotos (na ordem): Poli-USP e Acervos pessoaisUm dos poucos docentes negros da Poli, ele crê que ampliar a diversidade racial passa por reconhecer as contribuições à engenharia e à sociedade de pioneiros como Enedina Alves, responsável pela construção da Usina Capivari-Cachoeira, a maior central hidrelétrica subterrânea do sul do Brasil, atualmente denominada Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, em Antonina (PR), e outros. “É um problema cultural. Antes da CIP, a Poli não reconhecia grandes engenheiros negros na história, como Teodoro Sampaio e os Irmãos Rebouças [os primeiros a se formarem no Brasil, ainda no século XIX], que desenvolveram o sistema de saneamento no Rio de Janeiro, no Paraná, em São Paulo”, aponta.

 

Coordenadora do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Nupe-Unesp), a professora-doutora Monica Abrantes Galindo considera a política de cotas como a principal ação rumo à diversidade almejada nas engenharias nas instituições públicas e nacionalmente. Além disso, menciona que os programas de financiamento estudantil, como o Fies, também têm seu papel para contribuir com o acesso dos jovens negros aos cursos superiores. “As cotas têm mudado o perfil das universidades”, o que, na sua concepção, é importante não apenas para os alunos envolvidos. “A entrada dos alunos e alunas negros e oriundos das escolas públicas tem trazido para a universidade a possibilidade de entrar em contato com outros espaços, outros problemas que demandam respostas através do conhecimento científico, além da exigência pelos próprios alunos de outras referências bibliográficas”, explicita.

 

Integrante do Coletivo Negro “A Voz do Morro” da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a estudante do terceiro ano da graduação Rafaela Carlos Souza Franco destaca, na mesma linha, que as ações afirmativas resultam em contribuição de conhecimentos ancestrais, por exemplo, em agricultura, incitando o debate sobre sua integração ao conhecimento científico.

 

A Lei de Cotas

 

Aprovada em 2012 como resultado da luta sobretudo do movimento negro e atualizada em 2023, a Lei de Cotas reserva 50% das vagas nas universidades públicas a estudantes oriundos de escolas públicas, com destaque para baixa renda, pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. No Estado de São Paulo, a Unesp saiu na frente e aprovou sistema de cotas em 2013; a Unicamp e a USP o fizeram somente em 2017.

 

Comunidade acadêmica e integrantes do Coletivo Negro “A Voz do Morro”, e mestre TC da Casa de Cultura Tainã, no ritual de plantio da árvore milenar africana Baobá Di Keti, que simboliza a resistência do povo preto. Foto: isabella Aparecida @cidocafotografGalindo traz indicativos de que a política de cotas teve efeito: “Dados do Censo da Educação Superior a respeito dos cursos de engenharia revelam que no período de 2010 a 2021 o número de estudantes pretos e pardos aumentou mais de quatro vezes.” Segundo ela, ampliou-se também a quantidade de brancos no período, mas não no mesmo patamar dos negros.

 

A efetividade da adoção das políticas afirmativas é constatada por Anarosa Alves Franco Brandão, professora-doutora do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Poli-USP e coordenadora da CIP: “A proporção de alunos pretos e pardos na Escola Politécnica vem aumentando paulatina, mas consistentemente, ano a ano. Acredito que em menos de cinco anos atingiremos a proporção prevista em lei, similar àquela definida pelo Censo de 2022 para o Estado de São Paulo.” Conforme os dados desse recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pretos e pardos no território paulista correspondem a 41% da população – a média nacional é 55,5%.

 

Uma das dificuldades, no entanto, diz respeito à própria autodeclaração sobre raça/etnia. É o que mostram os dados constantes da última edição do Anuário Estatístico da USP, como apresenta a coordenadora da CIP: estes ainda contêm um número expressivo de alunos que preferiram não declarar a raça. Para avançar na diversidade, como informa ela, a partir deste ano os alunos de graduação estão “obrigados a declarar sua raça no ato da matrícula”. Assim, aposta: “Na edição de 2025, já teremos uma visão mais real da proporção de pretos e pardos na USP como um todo e na Poli em particular.”

 

Permanência é desafio

 

Reconhecer, entretanto, o êxito das cotas, para a coordenadora do Nupe-Unesp, não significa que não há necessidade de continuar trabalhando no sentido da inclusão, mesmo após o ingresso. “O acesso à universidade e aos cursos de maior prestígio é fundamental, mas o passo seguinte e urgente é garantir a permanência dos estudantes”, assevera. Isso passa, segundo ela, por enfrentar questões centrais como a desigualdade socioeconômica. Na Unesp, como afirma, para fazer frente a esse desafio, políticas de permanência estudantil preveem auxílios financeiros, “além de moradia e restaurantes universitários em algumas de nossas unidades”.

 

No caso dos cursos de Exatas, Galindo elenca ainda como barreiras “os fantasmas ligados às dificuldades das disciplinas de cálculo, às deficiências do ensino básico e do currículo, além das culturas da própria universidade que, muitas vezes, não colaboram para que os estudantes negros possam estar ali”. Nesse sentido, considera que as ações de permanência estudantil precisam ser diversas e amplas, abrangendo ainda os fundamentais apoio acadêmico e reorganização dos cursos.     

 

Na Poli, Brandão explica que há dois grandes projetos sendo conduzidos pela CIP nesse sentido: Polis e Censo Poli. O primeiro, detalha ela, “propõe ações concretas para promover a inclusão de pessoas de diferentes gêneros, raças e identidades sexuais, buscando criar um ambiente que celebre a pluralidade e garanta igualdade de oportunidades. A ideia é envolver a comunidade politécnica, ampliando sua conscientização e sensibilidade em relação às questões de diversidade através de palestras, mesas de discussão, criação de materiais educativos e participação em eventos institucionais”. Já o Censo Poli, segundo descreve, pretende identificar questões relacionadas à saúde e bem-estar da comunidade politécnica, para embasar a definição de políticas que promovam acolhimento e aumentem a sensação de pertencimento.

 

Fazer frente a essas questões é crucial. “O racismo na engenharia hoje é intrínseco, um racismo estrutural, em que não há xingamentos, mas se exclui a pessoa”, percebe Rafaela Franco. Dizendo que já sofreu esse tipo de discriminação, ela define: “Principalmente na engenharia onde tem diversos grupos [de trabalho] em algumas disciplinas é o racismo mais doloroso, em que você se sente excluído da sociedade.”

 

Leonardo Bispo: estudantes negros enfrentam pressuposto de inferioridade intelectual. Foto: Allan de SouzaLeonardo Bispo, estudante do quarto ano de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP e membro do Coletivo Poli Negra, afirma que em sua turma são apenas oito alunos negros, dos quais somente duas mulheres. Ele declara enfrentar cotidianamente os desafios do racismo, como jovem negro, pobre e de periferia, desde a autocobrança de excelência até situações vivenciadas em estudos em grupo. “Por exemplo, quando alguém tem uma dúvida e pergunta para todos, e o aluno negro responde, sua resposta não é creditada como verdadeira ou correta. Existe o pressuposto da inferioridade intelectual, até que outro aluno branco confirme a resposta. Já passei por essa situação algumas vezes, até que decidi parar de estudar em grupos majoritariamente brancos.”

 

 

Barreiras e acolhimento

 

O sentimento de exclusão e a necessidade de lutar contra isso estão na origem de coletivos negros nas universidades públicas. É o caso do “A Voz do Morro”, cuja história está diretamente atrelada à adoção do sistema de cotas pela Unicamp, aprovado em 2017, surgindo logo na sequência. “Alguns alunos da faculdade acabaram se sentindo justamente excluídos da comunidade acadêmica da Feagri e isso causou alguma indignação, visto que são poucos, mas ainda próximos. A partir disso, esses alunos, que eram três pessoas, decidiram se reunir num banco da praça todo certo dia da semana para poderem conversar e entender os problemas que enfrentavam durante a graduação, os casos de racismo. Muitas vezes se sentiam sozinhos, então ali era o momento de compartilhar as suas angústias e até mesmo enfrentar juntos esses problemas”, relata Franco.

 

Esses encontros vão dar origem ao “A Voz do Morro”, o primeiro a ter sede física própria dentro da Unicamp, uma conquista da qual seus integrantes se orgulham e que o tornou referência dentro da universidade. Hoje, na instituição campineira, segundo Franco, são sete os coletivos negros em diversas faculdades e institutos, entre os quais das engenharias de alimentos e civil.

 

Estudante do quarto ano da graduação na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, Maria Luiza D´Almeida Casaro participa do Coletivo Mandume. Ela relata muitas dificuldades, como o nivelamento no ensino e se manter, ao que as bolsas não são suficientes.

 

Da esquerda para a direita, Ana Luiza Custódio e Maria Luiza D´Almeida Casaro: desafios sobretudo às mulheres negras. Fotos: Acervos pessoaisIsso, como desabafa, afeta o psicológico e prejudica a permanência na faculdade: “Quando você olha ao redor, são pouquíssimas pessoas negras, e elas, como eu, não tiveram o mesmo acesso a uma educação de base. A gente vem direto do ensino médio sem quase nada de matemática e física, e aí é desmotivada, porque não consegue lidar com informações tão complexas. Tem que se esforçar muito e ainda trabalhar para complementar renda. São muitos desafios.”

 

Para D´Almeida, é preciso ações de acolhimento às pessoas negras que chegam na faculdade. Além disso, frisa ser imprescindível elevar a qualidade do ensino público fundamental e médio para que “a gente tenha uma base de exatas e não passe por todas essas dificuldades”.

 

O Programa de Formação Interdisciplinar Superior (Profis) da Unicamp, uma espécie de curso preparatório para o ingresso na graduação, busca dar uma resposta a esse problema, mas ainda é limitado. Oferece 120 vagas a partir de notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como descrito em seu site, a estudantes oriundos de escolas públicas de Campinas.

 

Diante disso, a aluna da FEA é categórica: “Falta muito investimento, falta muito cuidado e olhar para essas pessoas, porque eu sinto que as pessoas pobres são jogadas, entre aí e boa sorte. Tornar-se engenheiro é realmente um desafio muito, muito difícil. Não somos incentivadas como mulheres negras a estarmos aqui. É importante fortalecer os coletivos porque a permanência se dá por olhar para o lado e ver pelo menos uma pessoa na qual você se reconheça.”

 

Rafaela Franco plantando Baobá. Foto: isabella Aparecida @cidocafotograf Rafaela Franco salienta que um espaço de união e troca dos estudantes negros da Unicamp é o Aquilomba Fórum, “onde resolvemos as questões e enfrentamos as dificuldades na universidade, visto que a política de ações afirmativas é importante, mas não é suficiente para garantir a permanência de seus alunos pretos, pardos e indígenas, que hoje somam mais de 25% das pessoas da Unicamp [não só da engenharia]”. O Aquilomba Fórum, continua “se tornou o lugar plural em que debatemos pautas importantes para promover a inclusão das nossas vozes e nossas opiniões sobre as ações da universidade relacionadas aos cotistas”.

 

Além dos coletivos, não há outros programas na Unicamp voltados a essa ação, diz a estudante da Feagri. O que existem são os núcleos de Consciência Negra (NCN) e de Consciência Trans (NCT), que “hoje representam as pessoas negras e também ajudam a instituição a promover alguns eventos, debates e fazem parte de algumas tomadas de decisões dentro dos conselhos da universidade”.

 

Ana Luiza Custódio, estudante do terceiro ano de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP e integrante do Coletivo Poli Negra, dá ênfase à importância desses espaços nas universidades e à necessidade de políticas de permanência e acolhimento. Também oriunda de escola pública e vinda de outra cidade, a pequena Tuiuti, no interior paulista, afirma, “sem hesitar”, que já enfrentou racismo e machismo, “de forma mais sutil no começo, de fato com olhares, com questionamentos realmente se você é capaz, principalmente em laboratórios, atividades práticas”.

 

Coletivo Negro Poli USP nas boas-vindas aos calouros de engenharia em 2024. Foto: DivulgaçãoO coletivo do qual faz parte nasce em meados de 2014-2015 também em meio a esse sentimento de exclusão. “Surge com um grupo de meninas pretas que se reunia para falar sobre negritude e sobre como era ser uma mulher preta na Poli. Posteriormente, o grupo foi também se expandindo para homens pretos, pessoas pretas no geral”, apresenta. Segundo a estudante, seu objetivo é integrar e empoderar a comunidade preta na Escola Politécnica, ao que se realizam eventos, como a Semana da Consciência Negra que acontece sempre por ocasião do 20 de novembro, e também “lutar por nossos direitos dentro da Poli, lutar contra o racismo”. Ela vaticina: “O coletivo é muito importante para as pessoas reconhecerem seus iguais, é um lugar onde tem muito acolhimento.”

 

Assim como D´Almeida, Custódio observa como um dos principais desafios a falta de nivelamento nos estudos em função de a maioria das pessoas pretas serem oriundas de escolas públicas. “Uma política a ser adotada é mudar essa estrutura curricular para que, nos primeiros anos, a gente tenha uma base de cálculo que não teve no ensino médio. Para além disso, garantir mais qualidade desde o ensino básico, permitindo que pessoas que saiam da escola pública entrem nas universidades públicas não defasadas”, sublinha.

 

O problema é agravado pelas diferenças relacionadas ao acesso a infraestrutura tecnológica adequada no ensino básico, como indica a pesquisa “Tecnologia e desigualdades raciais no Brasil”, apresentada em junho último pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper e realizada pelo seu Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP), com o apoio institucional da Fundação Telefônica Vivo. Conforme a análise, alunos brancos têm maior acesso a computadores, internet e laboratórios de informática e ciências. Essa situação se agrava em função das desigualdades regionais: a diferença, por exemplo, sobe para 24% quando se compara o acesso de um aluno branco da rede privada na região Sul ao de um estudante preto da rede pública no Nordeste.

 

No mercado de trabalho

 

Formado pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP e aposentado pela antiga Cesp, seu primeiro e único emprego na área, o diretor do SEESP Alberto Pereira Luz acredita que ter feito graduação em uma instituição conceituada lhe facilitou o acesso ao mercado de trabalho. Tendo, portanto, atuado exclusivamente em empresa estatal, diz que nunca sentiu exclusão como negro que prejudicasse a progressão na carreira. 

 

A despeito disso, ele reconhece que a discriminação racial segue sendo realidade. E enxerga como maior desafio a engenheiros e engenheiras negros terem que demonstrar maior competência e compromisso para acesso a uma carreira de sucesso. Não obstante, vislumbra que a inclusão nos debates do tema tem contribuído para diminuir a marginalização, “à medida que se constatam que culturas e experiências diferentes podem enriquecer carreiras profissionais”.

 

Alberto Pereira Luz (à esquerda) e Aristides Galvão, dirigentes do sindicato. Fotos: Acervo SEESP

A diversidade, complementa, “contribui para uma cultura organizacional inteligente e sadia, típica da filosofia da engenharia, que utiliza do conhecimento científico para planejar e construir da melhor forma”. Na sua visão, as entidades sindicais necessitam, nesse sentido, manter constantemente políticas que garantam ambiente plural e diverso, tanto como divulgação em suas mídias quanto em seus acordos coletivos de trabalho.

 

O SEESP ajudou Aristides Galvão, hoje vice-presidente da Delegacia Sindical em Piracicaba, a superar os obstáculos. Enfrentando muita discriminação ao se formar no início dos anos 1990 em Engenharia Civil e bastante dificuldade na Prefeitura de Piracicaba, em que foi fiscal de construção civil, ele conta que conheceu o sindicato em 1992-1993 através do atual presidente da subsede em sua cidade, Walter Antonio Beccaro. “Estava se implantando o Promore [Programa de Moradia Econômica] no município, e o SEESP foi peça-chave para que eu pudesse vencer etapas. Foi muito racismo, muita pedra no caminho.”

 

Aos jovens, Galvão aconselha: “Tem que lutar para vencer as barreiras. É mais complicado, mas tem que enfrentar e não desanimar.” É o que fez o engenheiro civil e de custos Rogério Magela, coordenador do Núcleo Jovem Engenheiro (NJE) do SEESP. “Fui tentando me integrar ao mercado e houve momentos em que percebi um olhar diferente. Uma vez cheguei a uma fábrica e um profissional que me atendeu questionou: ‘você que é o engenheiro orçamentista? Imaginei um senhor branco, barbado, mais velho’. Eu respondi: ‘Se quiser, pode tentar em outra empresa’. Quando terminei de montar o orçamento, ele disse que o surpreendi.” Primeiro jovem a se formar no ensino superior em sua família paterna e, na materna, o pioneiro na área de exatas, Magela, que hoje é sócio-diretor da RM Engenharia, persistiu: “Aos poucos fui ganhando espaço no mercado.”

 

Os jovens engenheiros Rogério Magela e Tamires Pinheiro da Silva: persistência. Fotos: Acervos pessoaisEssa determinação também é marca da engenheira civil Tamires Pinheiro da Silva, ex-coordenadora do NJE, diretora adjunta do SEESP e conselheira do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP). Tendo começado a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, oriunda de escola pública, ela afirma que o maior desafio durante a faculdade foi conciliar estudos e trabalho.

 

Já no mercado, destaca: “Não posso negar que, por ser uma área ainda maioritariamente masculina e elitizada, tem suas dificuldades. Ainda existe muito preconceito, mas pouco a pouco as barreiras vão sendo quebradas.”

 

Pinheiro observa que há muitas pessoas capacitadas que não conseguem ingressar no mercado devido a questões raciais, de classe social e de gênero. E dá o recado: “Mas não podemos desistir, e sim persistir para que as próximas gerações não tenham que passar por isso.”

 

Como em todas as áreas, os desafios para as mulheres negras na engenharia são sempre maiores. Elas enfrentam taxas mais elevadas de desemprego e a falta de representatividade em cargos de liderança, segundo observa Franco. Algumas iniciativas importantes para fazer frente a isso já se notam no mercado, ainda de acordo com ela: “Dentro de algumas empresas há grupos de apoio às mulheres negras na engenharia, outras têm programas de diversidade que ajudam a promover o acolhimento e a capacitação, ajudando-as e às pessoas negras em geral a serem reconhecidas, vistas e valorizadas.”

 

“A ideia de interseccionalidade nos ajuda a compreender um pouco essa situação. Nas mulheres negras se manifestam de maneira articulada diversos tipos de opressões, em especial as relacionadas ao racismo e ao sexismo de nossa sociedade. No caso da engenharia, assim como da medicina e do direito, chamadas profissões imperiais, paira o status de profissão de destaque para as quais em nossa sociedade sexista e racista as mulheres e os negros não são esperados”, enfatiza a coordenadora do Nupe-Unesp. 

 

A mudança ainda lenta dessa realidade esbarra justamente no racismo estrutural, como ratifica Silva, “cada dia mais velado, portanto, mais difícil de combater”. Para garantir a transformação necessária, Franco propugna como fundamental ensino antirracista desde o ensino básico e médio, que “nada mais é do que uma abordagem educacional que visa desconstruir os preconceitos e promover igualdade e inclusão”.

 

“É uma mudança estrutural muito grande que vai demorar muitos anos para ocorrer, mas acredito, sendo muito esperançosa, que vai ocorrer, e a gente vai poder viver num país melhor, menos racista, com mais equidade e igualdade. E é muito bom estar quebrando as estatísticas, não virando mais uma, sempre lembrando que a luta não é por mim, é por todos nós, por todas nós”, conclui Custódio.

 

 

Capa: Fotos – Acervos pessoais / Divulgação e Coletivo Poli Negra | Poli-USP (Ana Rosa Brandão) | Acervo SEESP (Aristides Galvão e Alberto Pereira Luz) | isabella Aparecida @cidocafotograf (Rafaela Franco) | Allan de Souza (Leonardo Bispo) | Arte – Eliel Almeida

 

 

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