A despeito de queda que vem sendo verificada de 2010 para cá, o Brasil continua a liderar a produção mundial da fruta. São anualmente cerca de 18 milhões de toneladas de laranjas, o que equivale a 30% da safra global, segundo o Ministério da Agricultura. Metade vira bagaço, como informa a professora do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Ljubica Tasic. Ela orientou pesquisa desenvolvida nessa escola pela paquistanesa Almas Taj Awan, com o objetivo de melhorar o rendimento no aproveitamento dessas sobras como biomassa para produção de etanol. O resultado se encontra na tese intitulada “Bagaço de laranja para a produção de etanol de segunda geração”.
Ao invés de ir para o lixo e criar um problema ao meio ambiente, o resíduo orgânico pode trazer benefícios socioeconômicos. Entre eles, diz Tasic, “gerar empregos e o desenvolvimento de indústria baseada na produção de novos compostos e biomateriais”. De acordo com sua afirmação, além de se transformarem em bioetanol de segunda geração, os bagaços, ricos em polissacarídeos, poderiam servir de matéria-prima para produção de vários outros derivados (commodities), como pectina (fibra que pode ajudar a controlar o colesterol) e celulose.
Inovações e uso industrial
Com foco na produção de etanol, o trabalho apresentado na Unicamp tem uma série de diferenciais. Uma das inovações apontadas pela professora, mediante melhora dos processos de hidrólise hoje empregados, resulta na redução do custo na fase preparatória e precedente à fermentação. Segundo texto divulgado no site da universidade, intitulado “Química desenvolve etanol a partir do bagaço da laranja”, foi feita comparação do “processo clássico, que envolve hidrólise ácida, com os que utilizam a aplicação de enzimas comerciais e com aquele em que introduziram o micro-organismo Xanthomonas axonopodis pathovar citri (Xac)”. O resultado foi queda significativa no preço. “Usando as enzimas da Xac, a hidrólise da biomassa é feita sob condições brandas, temperatura ambiente e os hidrolisados não precisam de desintoxicação. Esse fitopatógeno causa grande prejuízo à citricultura brasileira, provocando cancro, e possui arsenal de enzimas com habilidades de degradar a parede celular das laranjas (frutos, folhas etc.).”
Outra inovação obtida foi maior resistência das leveduras do bagaço da laranja, mediante seu isolamento. Além de diminuição do tempo de fermentação para seis horas. “Comumente, é preciso 24 a 48h para concluir esse processo”, esclarece. O etanol gerado tem ótima qualidade, garante ela. “É bastante limpo, conforme os resultados das análises. Poderia ser usado como etanol absoluto (para indústria química, farmacêutica, entre outras), em forma de destilados (tipo cachaça) e como combustível de segunda geração.” O ganho em rendimento no processo chega a 60%, segundo divulgado no site da Unicamp.
Segundo Tasic, a possibilidade de se começar a produção em escala industrial é grande, “em especial na indústria de suco de laranja, que poderia aproveitar seus resíduos de frutas e, com relativo baixo investimento, iniciar a reciclagem do lixo orgânico e a produção verde e sustentável do etanol”. Como explica a professora, “cada uma dessas indústrias precisaria construir uma nova parte da fábrica similar às das sucroalcooleiras”. Caso já a possua, seria demandada apenas uma adaptação. “Acho que no primeiro caso, o tempo necessário para a produção de etanol seria de dois a cinco anos, e no segundo, de 12 a 24 meses.” Atualmente, somente uma indústria do setor aproveita o bagaço, assevera.
Por Soraya Misleh