Remanescente das desestatizações que marcaram o setor elétrico paulista nos anos 90, a Cesp Paraná (Companhia Energética de São Paulo) é a bola da vez. O assunto veio à tona após tornar-se pública, ao final de setembro, a meta do Executivo paulista de proceder, sob a coordenação da Secretaria da Fazenda, a análise de ativos do patrimônio que restou em suas mãos – 18 empresas no total, incluindo a geradora em questão.
“Sua pretensão é gastar cerca de R$ 20 milhões para avaliação e pensar a modalidade de privatização. Estamos questionando isso, achamos um desperdício de dinheiro público”, informa o deputado estadual Simão Pedro (PT).
No que concerne à Cesp, o Governo do Estado já anunciou a possibilidade de privatizá-la em 2008 – não obstante, a secretária de Saneamento e Energia, Dilma Seli Pena, procurada pela reportagem do JE, não quis se pronunciar sobre o assunto. “Ao abrir mão da geradora, desiste de importante instrumento de indução do desenvolvimento”, alerta o presidente do SEESP, Murilo Celso de Campos Pinheiro. Além disso, a justificativa de que a escassez iminente indicaria momento oportuno para a venda revela, na sua concepção, visão pautada na especulação – uma vez que a decisão levaria em conta a arrecadação com o leilão, ignorando o caráter estratégico da energia. A parte do Estado estaria avaliada em R$ 5 bilhões, de acordo com a imprensa.
Ao retomar a idéia de privatizar a Cesp – abandonada em 2001, após o racionamento resultante da falta de investimentos no setor privatizado –, o Executivo ignora as conseqüências do modelo adotado. Segundo os dirigentes do SEESP que militam nessa área, entre elas estão a precarização dos serviços, com reflexo no aumento do número de acidentes de trabalho, demissão em massa de engenheiros e demais trabalhadores, piora no atendimento à população e aumentos extraordinários em suas contas de luz. Não por acaso, 62% do eleitorado brasileiro é contra a venda do patrimônio público – como apontou o jornal O Estado de S. Paulo, em reportagem publicada em 11 de novembro último.
O consultor José Gelázio da Rocha, engenheiro aposentado da Cesp, que atuou durante aproximadamente 35 anos junto à companhia, denunciou ainda outra face perversa das desestatizações no setor: o rompimento unilateral de acordo em que o Executivo se comprometia a pagar as complementações de aposentadoria, após as concessões. Os benefícios eram garantidos pela Fundação Cesp, que detinha 10% do capital da empresa, cujos dividendos seriam destinados para tanto. “Para poder privatizar, o Governo forçou-a a devolver as ações e as vendeu por R$ 9 bilhões.” O corte nos pagamentos dos aposentados foi questão de tempo. “Hoje estamos recebendo em função de liminar”, lamenta o consultor. Analfabetismo
Além do ônus aos trabalhadores e sociedade, lembram os dirigentes do SEESP, a necessária expansão do setor foi deixada de lado, assim como a manutenção preventiva. E o órgão regulador – a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) – não tem sido eficiente em fiscalizar o cumprimento dos contratos com as concessionárias. Ainda, empresas antes financeiramente saudáveis, como a própria geradora, tornaram-se altamente endividadas após as cisões resultantes do processo. Agora que foi saneada, é colocada à venda, indigna-se Gelázio.
Na ótica dos dirigentes do sindicato, a desestatização é, portanto, insistência no erro. O consultor concorda que esse modelo vai contra o interesse público. “A privatização, em vez de trazer recursos, fez chamar o capital estrangeiro e emprestar-lhe dinheiro, via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para comprar um empreendimento que levamos 50 anos para construir. Desorganizou tudo e não colocou nada no lugar. Como, agora, esses caras me aparecem querendo vender a Cesp? O mínimo que posso dizer é que são analfabetos no assunto.” Ele lembra que a geradora foi o resultado da fusão de 11 empresas, patrimônio construído pelo Estado por falta de interesse do investidor privado no negócio da energia.
O sindicato promete fazer gestões junto ao Governo do Estado e aos órgãos competentes, como Ministério Público, para tentar impedir que, mais uma vez, essa história seja descartada. “Se avaliarmos que há ilegalidades no processo, vamos contestar judicialmente e apostar na mobilização dos trabalhadores do setor”, conclui Simão Pedro. Para Gelázio, ao invés de abrir mão da Cesp, o Governo deveria buscar unificar os serviços de eletricidade no Estado. O sonho seria uma empresa pública forte, com participação da iniciativa privada. “Seria responsável pela produção, transmissão e distribuição para uma economia maior que a da República Argentina. Infelizmente falta imaginação e competência. São primários.” Para os dirigentes do SEESP, a abertura a particulares investirem no segmento deveria se dar na necessária ampliação do sistema.
Soraya Misleh