A nocividade dos agrotóxicos – produtos utilizados na agricultura para controlar insetos, doenças ou plantas daninhas – à saúde humana e ao meio ambiente é uma constatação quase unânime entre os especialistas no assunto. O que difere, todavia, é se o risco é intrínseco ao próprio produto ou existente apenas mediante sua utilização incorreta. A segunda posição é defendida pelo professor José Otávio Machado Menten, coordenador do curso de Engenharia Agronômica do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), para quem, desde que bem aplicado, a segurança é total.
A questão é pauta, desde 2012, de campanha da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), que, no último dia 3 de junho, realizou debate reunindo especialistas com o propósito de elaborar uma plataforma política sobre o tema para os candidatos que disputam as eleições em 2014. Menten informa que mais de 90% dos alimentos hoje consumidos no mundo foram cultivados com maior ou menor incidência desses herbicidas.
Para o engenheiro agrônomo Gabriel Sollero, que trabalha na assistência técnica e extensão rural para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e participa da “Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida”, afirmar que a nocividade dessas substâncias está apenas associada às boas práticas agrícolas, como uso e dosagem corretos, significa assumir que “conhecemos todas as variáveis do ambiente e da substância fabricada e utilizada em interação com ele”. Menten, apesar de corroborar que os produtos são perigosos, afirma que os agrotóxicos talvez sejam o produto com o maior número de estudos. Mas adverte: “Sabemos exatamente o conteúdo deles, mas isso não significa que possam ser usados de maneira indiscriminada.” Ele explica que entre o desenvolvimento de um agroquímico seguro até sua liberação, há uma distância de até dez anos e mais de US$ 250 milhões envolvidos, em conhecimentos nas áreas de biologia, química e efeitos ambientais. “Antes de ser comercializado, deve ser cadastrado nas coordenadorias de defesa agropecuária de cada estado”, esclarece.
Fiscalização dos Creas
Ainda a favor da sua tese, o professor ressalta a importância de profissionais capacitados na prescrição do receituário agronômico, para garantir o uso correto dessas substâncias. Em São Paulo, ele informa que quem prescreve essas substâncias são apenas engenheiros agrônomos e florestais, e não técnicos agrícolas, como ocorre em outros estados brasileiros, que ganharam essa prerrogativa com o Decreto nº 4.560/2002. Ele defende um controle mais severo nesse sentido. Sob tal ótica, em grupo de trabalho que coordena no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-SP), estão sendo discutidas várias propostas, entre elas a de uma certificação específica, por período determinado, para quem emite essa receita. Para coibir abusos nesse processo, Menten pede, ainda, maior fiscalização dos Creas e punição exemplar dos profissionais “caneteiros”, que deixam receituários assinados em pontos de venda dessas substâncias. Ele evidencia a importância e responsabilidade da habilitação: “O engenheiro agrônomo, nesse caso, é uma espécie de ‘médico’ do nosso alimento”, diz. Além de escolher o produto seguro e correto, ensina, deve-se pensar que quem vai aplicar não pode se expor, dando toda a orientação de segurança de manuseio, que implica utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs). E reafirma: “Se for bem aplicado, esse alimento, no momento da colheita, não vai ter resíduo que possa causar algum prejuízo à saúde dos consumidores.”
Sollero acredita que a engenharia deve se dedicar a encontrar respostas aos problemas reais de segurança alimentar no País e no mundo. Segundo informa, estima-se que a produção agropecuária atual é suficiente para matar a fome de três vezes a população mundial. “Temos duas frentes como desafio: a primeira é fazer o que se produz chegar a todos que precisam consumir. Isso significa logística, desconcentração de renda etc. A segunda é produzir sem o uso de veneno.” Ele historiciza o manejo dos herbicidas a partir da última guerra mundial, quando as grandes indústrias químicas buscavam formas de continuar a sua intensa produção. “O desenrolar desse processo foi a opção pelo desenvolvimento de uma agricultura baseada no uso de venenos”, argumenta. E critica: “As universidades, a indústria, a assistência técnica e extensão rural e as desonerações fiscais desenvolveram essa forma de fazer agropecuária. Imaginem o que seria do nosso potencial de produção sem os venenos agrícolas.”
O extensionista do MAB defende o desenvolvimento de técnicas e tecnologias que busquem facilitar o pesado trabalho no campo sem o uso de agrotóxicos. “Máquinas e implementos adaptados, manejo adequado do solo e de outras variáveis ambientais, cultivares adaptados, controle biológico de pragas e doenças e produtos alternativos para controle químico são apenas alguns exemplos de linhas de pesquisa para a engenharia.” Uma forma, segundo ele, de livrar a população de parte das consequências do uso desses produtos nos campos, como o aumento dos casos de câncer, doenças crônicas, neurológicas, hereditárias e redução de fertilidade.
A política nacional para a liberação dos agrotóxicos exige, atualmente, a apresentação de estudos toxicológicos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde, ambientais ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e agronômicos ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Por Rosângela Ribeiro Gil