Soraya Misleh
“Ao mesmo tempo em que é vital dar continuidade aos esforços de ampliação e modernização da infraestrutura de serviços públicos e de apoio à produção – mote central das etapas anteriores do projeto ‘Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento’ e que se mantém plenamente atual –, um novo desafio agora integra o cenário nacional: o da desindustrialização.” Com esse diagnóstico, abre-se o primeiro texto de mais uma etapa do “Cresce Brasil”, desta vez sob o mote “Novos desafios”. A iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), lançada em 2006, vem sendo atualizada desde então.
O documento de 2014 que dá continuidade ao projeto dos engenheiros ao desenvolvimento nacional sustentável com distribuição de renda, a exemplo dos anteriores, será entregue aos candidatos a Presidente, a governadores, bem como aos Legislativos nacionais e estaduais. A ideia é trazer as contribuições da categoria aos seus programas de gestão.
Segundo Artur Araújo, consultor do “Cresce Brasil”, que compilou as notas técnicas que compõem a atual versão e a redigiu, “sua grande adição é o tema da produção industrial”. Ele aponta como prioridades identificadas agora “evitar a desindustrialização precoce em curso, adensar as cadeias produtivas e, sobretudo, inovar e agregar tecnologia, ao que o papel do engenheiro é estratégico”. De acordo com o especialista, tais demandas partem da premissa de que o aumento do poder aquisitivo do brasileiro, nos últimos tempos, não foi acompanhado na mesma velocidade e intensidade pela produção interna. Como consta do documento, é preciso ainda, para tanto, “valer-se criativamente das vantagens competitivas nacionais e da pujança potencial do mercado interno brasileiro”.
Diante do quadro atual, consequentemente, diz Araújo, “quem tem levado vantagem é o produtor externo”. Na nova versão do “Cresce Brasil” é evidenciado esse problema: “A participação de itens importados no consumo brasileiro de máquinas e equipamentos cresceu de 52% em 2007 para 66% em 2013.”
O gargalo
A nota técnica que reúne tais informações foi elaborada pelo economista e professor-doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Antonio Corrêa de Lacerda, a qual indica a disparidade em âmbito nacional: “Tendo como base a média de 2004, a produção física da indústria, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu apenas 18% no acumulado. Em contrapartida, o consumo, medido pelas vendas reais do comércio ampliado (que inclui construção civil e automóveis), cresceu, no mesmo período, 97%.” Ou seja, as medidas que garantiram esse resultado, apresentadas no documento – “contínuos ganhos reais dos salários e dos programas estatais de transferência de renda, (...) políticas governamentais de desoneração tributária, redução de juros e ampliação de crédito” –, não foram acompanhadas pelo enfrentamento do desafio da produtividade no País. A mesma análise demonstra que o problema não tem origem na falta de capacidade instalada: “No mesmo período, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) identifica uma ociosidade média de 20% do parque produtivo.” Para o coordenador do “Cresce Brasil” e diretor do SEESP, Fernando Palmezan Neto, isso faz com que o País se mantenha na posição de exportador essencialmente de commodities.
Enfrentar essa questão é crucial diante de um cenário de estagnação econômica e diminuição de investimentos públicos fundamentais. “De 2007 para cá, o Brasil não está crescendo e, aparentemente, a perspectiva de expansão se reduz por certa crise de confiança do empresariado”, salienta o coordenador técnico do projeto, Carlos Monte. Ele destaca também o fato de a inflação estar “aparentemente alta e ser vista como ameaça, levando o governo à política agressiva de aumento de juros”. E de a “agroindústria do álcool, por força da contenção no preço da gasolina e do diesel, ter piorado muito, o que deve ser resolvido com a medida anunciada pelo governo de aumentar a participação do etanol na mistura com a gasolina”. Além disso, complementa ele, “o pré-sal está demorando a maturar, o que já era esperado”. Por outro lado, diz, “a geração de empregos vai bem, as reservas externas estão elevadas e os programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida são exitosos”. Ele resume o objetivo nessa etapa: “Manter o que está indo bem e melhorar o que não está.” No esforço para tanto, além de se debruçar sobre o tema da produção industrial, o “Cresce Brasil – Novos desafios” recupera e amplia propostas ao desenvolvimento da infraestrutura nacional. Monte sintetiza os desafios principais nesse quadro: “Continuar desenvolvendo o pré-sal e o plano de investimentos em transporte (estradas de ferro, hidrovias, portos etc.) e telecomunicações; manter a geração de emprego formal e os programas sociais (agregando, por exemplo, o ‘Internet para todos’ à universalização da banda larga); e adensar, principalmente, as cadeias produtivas industriais ligadas ao desenvolvimento da infraestrutura.” Sobre o último ponto, ele exemplifica: “Na área de transportes, para fabricação de trilhos, hoje integralmente importados, e em petróleo, de componentes para navios e plataformas.”
O coordenador técnico da iniciativa da FNE cita ainda que é preciso, no caso dos portos, “diminuir a burocracia alfandegária, aprimorando o programa ‘Porto sem papel’, e continuar a estimular a indústria da construção naval (que hoje conta com 14 estaleiros em funcionamento)”.