Catedral da Sé reúne inúmeras técnicas 
construtivas do século XX

A história de um dos principais templos católicos do Brasil é contada no livro “Catedral da Sé Arte e Engenharia” (Editora FormArte), lançado em 10 de dezembro último.

Restaurada e concluída conforme o projeto original, após ter permanecido interditada por três anos, a Catedral reabriu suas portas em 29 de setembro de 2002. Projetada em estilo gótico pelo engenheiro Maximiliano Emílio Hehl, no começo do século XX, teve sua construção iniciada em 1913, após a demolição da antiga Igreja da Sé. Conforme relatado no livro, duas guerras mundiais, dificuldades técnicas e financeiras adiaram sucessivamente sua inauguração, que aconteceria somente no aniversário do quarto centenário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1954.

A essa altura, o cenário no seu entorno era completamente diferente ao de quando havia sido projetada a obra. A metrópole, “não mais dependente da economia cafeeira, havia se transformado no maior centro industrial do País, com 2,7 milhões de habitantes, sete vezes a população da primeira década do século XX”.


Deterioração
Segundo a engenheira Maria Aparecida Soukef Nasser, da Concrejato, empresa responsável pela recuperação estrutural, a catedral sentiu a rápida mudança. Interferências externas, como asfaltamento, passagem de ônibus, descida do lençol freático já a partir de 1978, com a inauguração da estação Sé, poluição excessiva e sedimentação do solo, aliados à falta de manutenção adequada, culminaram com a deterioração da construção. “Em julho de 1999, a Prefeitura de São Paulo constatou a necessidade do fechamento da catedral por falta de segurança aos seus freqüentadores, verificando-se posteriormente que existiam mais de quatro quilômetros de fendas e trincas”, conta a publicação.

Outro complicador era o fato de a obra ter ficado inacabada. Faltavam a cúpula e diversas torres. A primeira, “originária da arquitetura românica”, seria finalizada somente após sua inauguração e gerado polêmica na época, pela descaracterização do estilo gótico. Já entre as torres restantes, as frontais vieram a ser concluídas no final da década de 50 e as demais – 14 no total – neste ano. “Algumas de suas bases estavam abertas e acontecia a entrada de água em grande volume, advindo dessas falhas na falta da construção”, contou Maria Aparecida. A própria inserção da cúpula, um grande maciço de concreto, no meio da catedral foi, de acordo com a engenheira, uma das razões para se ter um recalque diferencial.

Maria Aparecida classifica essa obra como de contraposição. “A catedral começa a aparecer quando o movimento modernista em São Paulo entra com muito peso. É retrograda enquanto estilo, mas é inovadora porque continua agregando conhecimentos de técnicas construtivas perdidas e novas. Tem um embasamento em fundação direta, alvenaria estrutural, concreto, aço e uma estrutura de madeira belíssima. Tem o século XX contado. E a gente quase fecha esse circuito com as inovações de técnicas usadas na construção das 14 torres e na restauração. Agregá-las para reproduzir o antigo, fazendo formas góticas num momento quase pós-moderno, é o grande feito da engenharia.”


Técnica complexa
Para se chegar mais perto do original, na confecção das torres, além de recursos virtuais na projeção, foi usada argamassa especial, preenchida com fibras de vidro, e cobre patinado. “A proposta do arquiteto e projetista Paulo Bastos era que numa leitura urbana não se percebesse a diferença entre o novo e o velho. E ficou muito equalizado”, comemora a engenheira.

O procedimento complexo e detalhado foi dominante em toda a reforma. Desde a limpeza do granito até a restauração dos vitrais, feita pelo Atelier Artístico Sarasá. Mobiliário e as portas em jacarandá foram recuperados, bem como diversos elementos de decoração. A igreja foi ainda dotada de sistema de combate a incêndio, iluminação e parte hidráulica adequadas e acesso a deficientes físicos. Tudo sem descaracterizar o projeto original.

A imponente Catedral da Sé não é um marco para o País somente do ponto de vista da arquitetura, engenharia ou mesmo por seu simbolismo religioso. Em seu entorno aconteceram manifestações históricas. Algumas são relatadas no livro “Catedral da Sé Arte e Engenharia”, como “o ato ecumênico em 1975  em protesto pelo assassinato do jornalista Wladimir Herzog, após sua prisão pelo regime militar, e o primeiro comício do movimento Diretas Já, em 1984”.

Texto anterior
Próximo texto

JE 203