Mulher é minoria na ciência e tecnologia

No início do terceiro milênio, ainda persiste a desigualdade de gênero. Indicadores apontam que, no Brasil, embora a participação feminina no mercado de trabalho tenha crescido, continua inferior à masculina. E as mulheres ganham, em média, menos que os homens: o equivalente a 61% do salário desses.

Nas universidades, a condição de gênero encontra um cenário sofisticado de divisão sexual entre carreiras, conforme a ex-senadora Eva Blay, coordenadora científica do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da USP. Nessa instituição, os homens são mais de 80% dos estudantes de engenharia.

Entre os docentes da Poli, segundo a engenheira Maria Cândida Reginato Facciotti, a participação feminina está em torno de 8% e 10%. Professora titular do Departamento de Engenharia Química desde 2000, ela foi a primeira mulher a ocupar esse cargo, após 107 anos de existência da Poli. Maria Cândida, que hoje coordena o Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química e preside a Comissão de Pós dessa escola – outra posição inédita para o gênero feminino –, concorda que as mulheres encontram mais obstáculos para chegar no topo. “É complicado galgar postos de chefia e direção, sob o pretexto de que são casadas e têm filhos. Elas têm mais dificuldades para ser indicadas para eventos internacionais, programas de doutorado e pós, prêmios etc. A falta de instituições sociais, como creches, ou a insuficiência são outros empecilhos”, acrescenta a pesquisadora Fanny Tabak, autora do livro “O laboratório de Pandora – Estudos sobre a ciência no feminino”.

Os institutos também refletem a disparidade existente. No comando de companhias incubadas no Cietec (Centro Incubador de Empresas Tecnológicas), a inserção feminina, ainda pequena, é recente, como confirma Argentina Sampaio Costa, diretora da Livronline.com, uma das empresas ali instaladas. Ela considera essa entrada um avanço, mas reconhece que as mulheres na área “não têm cargos no mesmo nível dos homens”.

 

Discussão incipiente
No IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), desde sua fundação há 103 anos até hoje, nunca teve uma mulher na diretoria executiva. E a questão de gênero somente começou a ser discutida no final de 2001, com a nomeação de Guilherme Ary Plonski para o cargo de diretor-superintendente. “Com o apoio dele, formamos um grupo e realizamos em março de 2002, pela primeira vez na história do IPT, a Semana da Mulher. Entre as várias atividades, fizemos uma mesa-redonda sobre gênero, ciência e tecnologia”, conta a pesquisadora Ros Mari Zenha. Na visão de Plonski, o trabalho iniciado já introduziu transformações diversas nas relações sociais de gênero no instituto. O Grupo de Trabalho de Mulheres Pesquisadoras do IPT programava para os dias 10 a 14 deste mês a segunda versão do evento.

Na primeira, foi lançada a Cátedra Regional Unesco, Mulher, Ciência e Tecnologia na América Latina, com o objetivo principal de produzir, formar e difundir novos conhecimentos sobre a participação, contribuições, usos e demandas das mulheres em ciência e tecnologia. “Sua criação foi uma das decisões da Conferência Mundial sobre Ciência e Tecnologia, de Budapeste, em 1999, promovida pela ONU. As reuniões preparatórias para a mundial mostraram que as oportunidades de acesso eram muito desiguais entre homens e mulheres, inclusive nos países desenvolvidos. E que a educação cumpre um papel importante na formação do preconceito em relação às mulheres cientistas. Ao mesmo tempo, demonstraram que as pesquisas são objetivas, mas não neutras e o olhar feminino é mais voltado para o social”, explica Regina Festa, coordenadora da Cátedra. Ros Mari complementa: “Mulheres têm tendência a desenvolver muito mais trabalhos no que se refere à qualidade de vida.”

 

Estereótipos sexuais
De acordo com a pesquisadora e membro do GT de Mulheres do IPT, Kátia Canil, tal debate visa buscar uma sociedade mais homogênea. No campo científico e tecnológico, há muito a avançar para tanto. Esse, na ótica de Eva, é sexuado e retransmite experiências e obstáculos que homens e mulheres enfrentam na sociedade ampla. Para Fanny, um problema grave é a persistência dos chamados estereótipos sexuais e de uma definição social dos papéis, que impele as meninas para as carreiras ditas tradicionalmente femininas. “Romper essa barreira é indispensável.”

Iniciativa nesse sentido foi feita pelo antigo Grupo de Trabalho da Mulher do Crea-SP, após mapear, entre 1997 e 1999, o mercado de trabalho por gênero dos profissionais do Conselho na Grande São Paulo. “Com a constatação de que a presença feminina, principalmente na engenharia, era muito pequena, resolvemos fazer um trabalho junto às escolas de segundo grau: o Projeto Sedução, que abrangeu 9.391 estudantes, em 39 instituições de ensino públicas e privadas situadas em 34 municípios de São Paulo. As profissionais da área iam às escolas, falavam de sua atuação e que a causa gênero não interfere no desempenho da atividade”, conta a arquiteta Célia Ballario, então coordenadora do Grupo.

Ela lamenta que não tenha sido dada continuidade ao projeto, o que, considera, seria fundamental. Na sua opinião, seria também uma forma de retribuir o que fizeram mulheres como Carmem Portinho. Falecida em 2001 aos 98 anos, ela foi uma das primeiras engenheiras do Brasil e pioneira entre as profissionais do Sistema Confea/Creas na luta pela igualdade de direitos.

Texto anterior
Próximo texto

JE 206