Opinião Bem-vindos
à Idade das Trevas |
|
Há
profecias que se realizam rápido demais. Em 1o de agosto, a ONG
estadunidense Grupo de Pesquisa sobre Interesse Público (Pirg, na sigla em
inglês), lançou um alerta contra as leis de energia que tramitam no
Congresso do país. O documento sustenta que a “nova” legislação
insiste em eliminar o controle público sobre as empresas e continua
iludindo a sociedade com a falsa idéia da “auto-regulamentação” dos
mercados. Em certa altura, o texto é explícito: essa crença tornou os
consumidores “mais vulneráveis que nunca a fraudes e a apagões”. Não
foi preciso esperar duas semanas. Em
14 de agosto, quando começou o blecaute, o jornalista e ex-advogado em
favor das causas do consumidor, Greg Palast,
escreveu , “à luz de velas” e em forma de desabafo, um pequeno
ensaio sobre as mudanças radicais sofridas pelo setor de energia nas duas
últimas décadas. Seu estudo relaciona a desregulamentação com o domínio
assombroso que as grandes corporações passaram a exercer sobre a política
dos Estados Unidos nesse período.
Durante
décadas, as leis de Roosevelt asseguraram energia abundante e barata. O
sistema tinha tanto apoio popular que mesmo nos anos 90, quando a crença
nas “virtudes” do mercado começou a crescer, as corporações de
energia não ousaram pedir seu fim de imediato. Serviram-se de um artifício.
Uma delas (a Houston Natural Gas, do conglomerado Enron) obteve na
Inglaterra da primeira-ministra Margareth Thatcher concessão para instalar
a primeira usina de energia “livre” de regulamentação estatal no
hemisfério. Lord
Wakeman, o ministro inglês que concedeu o privilégio, seria agraciado com
“um monte de notas de dólar por serviços de ‘consultoria’ e um posto
na diretoria da Enron”. O ato inauguraria, conta Palast, uma história de
promiscuidade entre o oligopólio privado do setor e os políticos do
Ocidente. Nos
EUA, poucos souberam aproveitar tão bem as novas “oportunidades” como
George Bush pai. Em 1992, já derrotado na disputa por um segundo mandato e
poucos dias antes de deixar a Casa Branca, assinou as leis que começam a
desfazer os regulamentos de Roosevelt. Oito anos mais tarde, o prêmio: as
corporações de energia doaram US$ 16 milhões à campanha de seu filho
rumo à presidência – sete vezes mais que o oferecido ao Partido
Democrata. A
abertura oferecida por Bush pai ao cartel foi completada, pouco a pouco, por
medidas semelhantes adotadas nos estados. Alguns dos casos mais típicos são
a Califórnia – vítima de uma série de apagões entre 1999 e 2001 –, o
Texas e... Nova York. Há poucos anos, o governador republicano George
Pataki livrou a NiMo (Niagara Mohawk), principal fornecedora de energia, de
regras que monitoravam os investimentos na rede de distribuição. Pouco
mais tarde, o mesmo Pataki autorizou sua venda para uma companhia britânica,
cuja primeira providência foi uma onda de demissões.
Num
país onde os negócios das grandes corporações estão cada vez mais
entrelaçados com os da mídia, esse debate não chegou à maior parte da
população. No dia 16, os republicanos sentiram-se à vontade para cobrar
do Parlamento a votação imediata de um pacote de leis que supostamente
eliminariam as incertezas dos investidores e estimulariam a modernização
do sistema. “Nós não podemos esperar mais. Nossa economia e
modo de vida estão em risco”, discursou o deputado Billy Tauzin,
presidente da Comissão de Energia e Comércio da Câmara. O problema,
mostram os estudos do Pirg, é que tais medidas aprofundarão as distorções
provocadas pela desregulamentação. Melhor garantir o estoque de velas.
|
|
|
|