Opinião

Para livrar o Brasil da ditadura das finanças

Antonio Martins*

A História costuma preparar ciladas – e nesses momentos, aqueles que lutam por uma nova sociedade precisam exercitar ainda mais a inteligência e a imaginação políticas. A vitória do operário Lula da Silva para a Presidência do Brasil não significou apenas a interrupção de cinco séculos de domínio plutocrático. Ela foi possível porque, desiludida por dez anos de políticas neoliberais, a sociedade fez uma escolha singular.

Pela primeira vez, as maiorias depositaram suas esperanças na alternativa que simbolizava as lutas por justiça social, o fim da passividade, o poder dos sem-poder. Que fazer se parece claro, agora, que o Governo não está disposto a se livrar da âncora maldita que mantém o País preso ao passado e à desigualdade: a submissão aos mercados financeiros?

Qual a saída? Continuar à espera de um “segundo movimento”, que parece mais distante a cada entrevista do presidente? Atribuir todos os problemas à figura do próprio Lula, numa espécie de culto à personalidade com sinal trocado? Afirmar que “as uvas eram verdes” e abandonar a oportunidade histórica?

Estancar a sangria
Movimentos sociais importantes e intelectuais comprometidos com a mudança têm se preocupado em encontrar uma alternativa a essas posturas, apostando na mobilização cidadã. Ela reivindica algo que se tornou, nas condições brasileiras atuais, perfeitamente possível e profundamente transformador. Trata-se do controle sobre os movimentos de capital.

A idéia foi lançada num seminário promovido durante o I Fórum Social Brasileiro, realizado em Belo Horizonte, no início de novembro. Para prepará-lo, uniram-se organizações cidadãs – como Attac, sindicato dos auditores da Receita (Unafisco), dos trabalhadores do Banco Central (Sinal) –, procuradores da República e economistas como Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro.

Os responsáveis pela mobilização a vêem como primeiro passo para livrar o Brasil da ditadura financeira. Eles lembram que a “livre” circulação de dinheiro, um dos mandamentos sagrados do credo neoliberal, é o que obriga o Brasil a  desviar, para o pagamento de juros, recursos que serviriam para reabilitar os serviços públicos, iniciar a recuperação das redes de infra-estrutura, gerar milhões de postos de trabalho. A lógica é a das chantagens. Se a sociedade não exerce sua soberania sobre os capitais externos em busca de valorização, só nos resta cativá-los eternamente, cedendo-lhes os rendimentos que  exigirem.

A batalha pelo controle de capitais pega os neoliberais no contrapé. A medida foi adotada por quase  todos os países no pós-II Guerra. Mais recentemente, estudos do Banco Mundial e da revista conservadora The Economist a recomendaram, ainda que para “situações de emergência”. A China e a Índia nunca deixaram de praticá-la. São, entre os países do Sul, os que menos sofreram com as crises financeiras internacionais. A proposta já chegou ao próprio Mercosul. A Argentina a executa desde o início do ano.  Que pode impedir – a não ser uma visão abertamente dogmática – que o Brasil recorra a esse remédio de efeitos comprovados?

Mobilização
A campanha por essa alternativa deve ser desencadeada neste início de ano. Seus organizadores pensam que ela pode ajudar a renovar as práticas dos movimentos sociais, ao cumprir dois papéis muitas vezes relegados a segundo plano. Querem estimular a formação política dos cidadãos e, ao mesmo tempo, a formulação de propostas capazes de construir contra-hegemonia. Pretende-se oferecer, via internet ou em seminários e cursos, informações que façam das finanças públicas um assunto compreensível por todos os que querem uma sociedade nova. A campanha poderá, portanto, espalhar-se pelo País, em comitês próprios ou ligados aos movimentos que já existem. Mas a articulação entre o saber dos movimentos sociais e o dos intelectuais deverá também criar um núcleo de reflexão capaz de detalhar propostas, rebater os argumentos de teóricos conservadores, provocar debates na universidade, nos centros de estudo, na imprensa.

Os organizadores podem, desde já, ser localizados pelo correio eletrônico capitaisbrasil@yahoogrupos.com.br. Os documentos básicos da proposta estão disponíveis no site www.portoalegre2003.org.

 

* Editor do portal Planeta Porto Alegre (www.planetaportoalegre.net) e membro do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial

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