Na manhã do segundo dia do nono Congresso Nacional dos Engenheiros (IX Conse), nesta terça-feira (6/10), em Campo Grande (MS), os trabalhos foram iniciados com o painel “Água e energia”, sob a coordenação de Carlos Monte, consultor técnico do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, e com as palestras do vice-presidente da Sociedade Brasileira dos Engenheiros Florestais (Sbef), Geraldo José dos Santos, do secretário adjunto de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico do Mato Grosso do Sul, Ricardo José Senna, do professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Luís Sauer, e do secretário de Planejamento e Desenvolvimento energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura Filho.
Santos ressaltou a importância suprema dos recursos hídricos por estarem diretamente vinculados à vida das pessoas, por isso, e levando-se em conta o tamanho do País – “temos vários Brasis, e não apenas um” – a gestão de água deve ser por área ou região. “A gestão de recursos hídricos deve ser descentralizada, e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.” Entre as diretrizes desse trabalho está assegurar água de boa qualidade a todas as gerações, observou.
Ele criticou os governos que contingenciam a arrecadação feita em cima da gestão dos recursos hídricos. “Esse dinheiro não pertence aos governos”, critica. Para Santos, o funcionamento do sistema está de mal a muito mal, os governos não dividem o poder, os recursos governamentais ou são inexistentes ou são paupérrimos e a observância das leis está em total atropelo.
Para Santos, colocar a culpa em São Pedro pela crise da água, por exemplo, é ser muito atrevido ou irresponsável. “Não foi para isso que estudamos. Ao contrário, aprendemos a brigar pelas soluções e não passar a terceiros o que é nossa responsabilidade.” A não mudança na condução da gestão atual dos recursos hídricos resulta, segundo Santos, significará, cada vez mais, em crises qualitativa e quantitativa e em criar um clima de instabilidade na sociedade. “Ou mudamos a gestão ou não vamos gostar de ter gerado os nossos filhos", lamentou.
Senna acredita que os problemas na área de água e energia não serão resolvidos, assim como tantos outros, sem a definição de um modelo de desenvolvimento. “Continuaremos patinando nessa questão se não tivermos clareza de como queremos crescer.” Isso significa, exemplificou, o País superar o processo de desindustrialização por que passa e, ao invés de ser apenas produtor de commodities, ser produtor de alimentos ou mesmo caminhar para a indústria de serviços. Ele citou o exemplo dos países asiáticos que investiram fortemente em ciência e tecnologia e, por isso, alcançaram níveis importantes de desenvolvimento e crescimento econômico. “O Brasil, no entanto, continua dependente totalmente do agronegócio.” E prosseguiu: “Por não termos um modelo de desenvolvimento sobra para o setor agrícola resolver os problemas críticos e estruturais da balança comercial do País.”
Geopolítica da energia
Sauer iniciou sua palestra sobre a geopolítica da energia e o pré-sal, apresentando a seguinte questão ao público do Conse: “O que está em debate e em jogo quando se fala em pré-sal?” E completou: “Falta, por parte da sociedade brasileira, termos a exata compreensão sobre esse assunto.” Na sua exposição, o professor mostrou como a apropriação da energia teve um papel essencial em revoluções econômicas e sociais da humanidade. Entre essas, a agrícola, no período neolítico, com a utilização da energia acumulada do sol; a industrial, por volta de 1750, com o uso inicial do carvão, em seguida do petróleo e derivados e a eletricidade, quando se dá a consolidação do modo de produção capitalista.
Por isso, defende, deve-se entender a questão central da posição do petróleo ao lado de outras fontes de energia e de como o combustível fóssil organizou empresas multinacionais, definiu governos, promoveu a criação de organismos de exportadores de petróleo (Opep) para a geração da guerra estratégica sobre o preço do petróleo. Para ele, a Petrobras não deve se submeter à “ditadura da lógica financeira internacional, mas deve focar na capacidade de descobrir petróleo e compreender as tecnologias”. Ele citou, como quadro geral da organização dessa geopolítica, a criação, em 1960, da Opec para garantir renda aos produtores, com o controle de reservas de petróleo da seguinte forma: 85% estavam nas mãos das chamadas international oil companies (IOCs), as sete irmãs; 14% com a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), hoje Rússia; e apenas 1% nas maiores empresas estatais de petróleo e gás do mundo - as chamadas national oil companies (NOCs). Mas, em 2010, tal quadro é revertido consideravelmente: 6% com as IOCs, 6% Rússia e 88% com as NOCs.
Por isso, o professor defende total controle brasileiro em cimas das reservas pré-sal, observando que o melhor modelo de exploração do combustível da camada pré-sal é o de serviços - e não o de partilha -, que garante ao governo federal a prerrogativa de contratar diretamente a Petrobras para produzir petróleo. “Isso nos daria o direito de definirmos o quanto de petróleo queremos produzir para o mercado interno e para a exportação.” E prossegue: “O pré-sal pode ser uma grande fonte de recursos para mudar o País a favor da sociedade brasileira.”
Sauer relaciona algumas ações importantes para o Brasil na área de energia, como a quantificação das reservas do pré-sal, a coordenação da produção com demais exportadores (Opep), Rússia, Canadá e México); construção de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social tendo o horizonte de quatro décadas; transição energética para fontes renováveis; planejamento do ritmo de produção – petróleo, gás natural, usinas hidrelétricas e eólicas públicas, recursos minerais, principalmente ferro, alumínio; geração de excedente econômico para ajudar no financiamento do projeto de desenvolvimento; garantia de valor e preços dos bens produzidos e exportados, em coordenação com países produtores; planejamento e implementação de infraestrutura produtiva; mecanismos institucionais e empresariais nas esferas de governo - planejar, promover a implementação e operação das atividades no campo da energia, minérios e recursos naturais e, finalmente, debate do papel e estrutura e operação do sistema Eletrobrás e empresas estaduais de energia.
Não se vive sem energia
Para Ventura, fontes renováveis competitivas, e com tecnologias brasileiras próprias devem ser prioridade. Até 2023 o secretário do MME calcula que a energia de hidroelétricas represente 45% da geração de energia limpa nacional, seguido pela energia eólica (26%), biomassa (9%) e solar (5%). Outros restantes 15% serão predominantemente de gás natural (14%) além de nuclear e carvão. O consumo de petróleo deve cair 2%. "Para o decênio 2013/2023 o cálculo total de investimentos necessários é da ordem de R$ 1,2 trilhão, do qual 301 bilhões são calculados para o setor de energia elétrica."
O representante ministerial observa que não dá estruturar o setor energético nacional sem olhar de forma global, porque o maior comércio que se tem é o de energia. “E ele provoca conflitos e guerras porque a sociedade não vive sem energia.” Segundo Ventura, o Brasil tem adotado políticas do setor corretas desde a década de 1970, com a criação de grandes e médias usinas hidroelétricas, com a Eletrobrás, com a prospecção de petróleo no mar com a Petrobras, com o pró-álcool e com o acordo nuclear com a Alemanha, que construiu oito usinas nucleares de 1.245 MW até 1990.
No entanto, ele diz que o mundo ainda não está conseguindo fazer a “lição de casa” de sair da dependência do combustível fóssil. O Brasil, no futuro imediato dos próximos dez anos, prevê dobrar o seu sistema energético dos atuais 133,9 GW para 210,0 GW, em 2024, que demandará investimentos na ordem de 1.407 bilhões de reais.
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Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa SEESP