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22/03/2011

Calamidade no Japão pode complicar as metas energéticas

 

          Os líderes do Ocidente, como o presidente Barack Obama, viam na energia nuclear parte da solução para o problema do aquecimento global, por considerá-la fonte de eletricidade segura e livre de emissões para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. O desastre no Japão modificou essa equação. 

          As autoridades de energia das grandes potências industriais do Ocidente estão repentinamente pensando duas vezes sobre a expansão nuclear. Mas, nos países em desenvolvimento, ávidos por energia, é improvável que a atual crise com os reatores paralisados no Japão leve seus governos a reavaliar as políticas energéticas. Enquanto reconhecem a necessidade de segurança, países, como China e Índia, dizem que suas carências de energia lhes dão pouca opção além de continuar investindo nas contestadas usinas nucleares. 

          "Nosso país tem muita fome de energia", disse Srikumar Banerjee, presidente da Comissão de Energia Atômica da Índia, no domingo (13), em Mumbai. Quase 40% dos 1,2 bilhão de habitantes da Índia não têm acesso regular à eletricidade, ele disse. "Para nós, é essencial aumentar a geração elétrica."

          E, na China, que tem os planos de expansão nucleares mais ambiciosos do mundo, o vice-ministro do Meio Ambiente, Zhang Lijun, disse que as dificuldades do Japão não impedirão o desenvolvimento nuclear do seu país.

          A indústria nuclear dos EUA, praticamente paralisada durante décadas desde o acidente em Three Mile Island em 1979, estava preparada para se reativar antes do acidente no Japão.

          Obama e muitos líderes no Congresso americano concordaram que a energia nuclear oferecia uma fonte energética constante que atenuaria a mudança climática, embora discordassem sobre virtualmente todos os outros aspectos da política energética. Obama está procurando dezenas de bilhões de dólares em seguros do governo para novas obras nucleares. Agora, isso está em questão.

          Com a China e a Índia conduzindo a expansão - e países de outros lugares da Ásia, do Leste Europeu e do Oriente Médio também adotando a energia atômica em reação aos altos preços do combustível fóssil e a preocupações sobre o aquecimento global -, o estoque mundial de 443 reatores nucleares poderia mais que duplicar nos próximos 15 anos, segundo a Associação Nuclear Mundial, um grupo setorial.

          Não que as autoridades indianas e chinesas não estejam cientes dos riscos dessa fonte de energia. O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, disse, no dia 14, que o Departamento de Energia Atômica de seu país vai rever todos os sistemas de segurança de suas usinas nucleares, "especialmente com vistas a garantir que eles suportariam grandes desastres naturais como tsunamis e terremotos".

          Em uma conferência política em Pequim em 13 de março, Xie Zhenhua, vice-presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, disse que "A avaliação da segurança nuclear e o monitoramento das usinas serão definitivamente reforçados".

          A indústria de energia nuclear da China tem 11 reatores em operação e pretende iniciar a construção de outros 10 por ano durante a próxima década. O consumo de eletricidade continua aumentando 12% ao ano.

          A Índia, com 20 reatores nucleares em operação, prevê gastar US$ 150 bilhões para construir dezenas de novas usinas em todo o país. Sua estimativa é que a energia nuclear suprirá quase um quarto das necessidades elétricas do país até 2050 ou dez vezes mais que hoje.

          Três das principais fontes mundiais de produção de energia em grande escala - carvão, petróleo e nuclear - sofreram acidentes assustadores no último ano. A explosão da mina de carvão Upper Big Branch na Virgínia Ocidental, a explosão e o vazamento de petróleo na plataforma Deepwater Horizon no golfo do México e a crise nuclear no Japão dramatizaram os riscos da geração de energia convencional.

          "Não é possível alcançar uma solução climática baseada na tecnologia existente sem uma dependência significativa da energia nuclear", disse Jason Grumet, presidente do Centro de Política Bipartidária em Washington e ex-assessor de mudança climática e energia na campanha de Obama em 2008. "O mundo é basicamente um conjunto de riscos relativos", disse Grumet, notando a confluência de desastres em minas de carvão, perfuração de petróleo e operações nucleares. "O acidente, certamente, diminuiu o ímpeto crescente na comunidade ambiental de apoiar a energia nuclear como parte de uma ampla barganha sobre energia e política climática."

          Preocupações sobre terremotos e energia nuclear existem há muito tempo; novas perguntas também poderão ser levantadas agora sobre tsunamis e reatores litorâneos.

          Walt Patterson, um membro associado da Chatham House (Instituto Real de Assuntos Internacionais), em Londres, previu que os problemas nas usinas nucleares japonesas reenfocaria a atenção na segurança, mais que na viabilidade econômica da energia atômica.

          No último dia 15, a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, fechou temporariamente sete usinas nucleares do país que foram construídas antes de 1980, enquanto sua segurança é revisada.

          No dia 14, a Suíça suspendeu planos para construir novas usinas e substituir as existentes. A ministra da Energia suíça, Doris Leuthard, disse que "a segurança e o bem - estar da população têm prioridade máxima".

          Mas Itália, Rússia e República Checa disseram que manterão suas políticas energéticas.

          No Oriente Médio, os países têm corrido para construir usinas nucleares, pois o crescimento econômico e populacional criou uma demanda inédita de energia, e o Irã segue em frente com a instalação nuclear de Bushehr.
Os Emirados Árabes Unidos assumiram a liderança com um plano de construir até 2017 quatro usinas em Braka, no golfo Pérsico, para gerar cerca de um quarto da energia do país até 2020.

          A Corporação de Energia Nuclear dos Emirados, que desenvolve o projeto, está "monitorando a situação no Japão", disse um porta-voz em 14 de março.

          Um dos Emirados, Abu Dabi, escolheu Braka porque fica perto da água e de uma rede de energia existente, longe de áreas populosas e sobre uma massa terrestre sismicamente estável. Como o golfo Pérsico é uma área fechada, os planejadores dizem que há pequena ameaça de um tsunami no caso de um terremoto.

          Em comparação, a usina nuclear iraniana de Bushehr, também no golfo Pérsico, é menos estável do ponto de vista sísmico, o que preocupa os ambientalistas.

          Qualquer vazamento nuclear lá alcançaria rapidamente os ricos Emirados de Dubai, Abu Dabi e outros por causa das correntes do golfo. A usina iraniana descarregou combustível nuclear em fevereiro depois que um verme de computador infectou o reator.

          Jordânia, Kuait, Catar, Bahrein e Egito também estudam a energia nuclear, e até a Arábia Saudita, rica em petróleo, considera uma cidade abastecida por energia nuclear.

          A maioria das usinas se situaria em áreas sismicamente estáveis, embora uma projetada pela Jordânia no porto de Ácaba, no mar Vermelho, esteja sobre uma grande falha geológica.

          A Turquia disse, no dia 14, que seguirá em frente com os projetos de duas usinas nucleares, uma das quais poderá usar a tecnologia japonesa da Companhia de Energia Elétrica de Tóquio e da Toshiba.

          Diversas falhas geológicas cruzam o país.

          Na Índia, a polêmica cerca um projeto nuclear na costa ocidental do país, ao norte de Goa, um destino turístico. Segundo o projeto, ele seria o maior complexo mundial de energia nuclear.

          Mas analistas indianos dizem ser improvável que a crise no Japão provoque mais protestos públicos significativos contra as usinas nucleares, dada a demanda premente por eletricidade.

          "Se 1% da população era contra a energia nuclear, hoje você poderia obter 2%", disse G. Balachandran, um consultor no Instituto para Estudos e Análise de Defesa, uma organização de pesquisa de políticas em Nova Déli. "Eu realmente não estou preocupado com a oposição que poderá se desenvolver em torno disso."

 

(The New York Times, na Folha de S. Paulo e Jornal da Ciência Online)
www.cntu.org.br

 

 

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