O 3º Encontro Nacional da CNTU (Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados) iniciou os seus trabalhos na manhã desta quinta-feira (10/12), na sede do SEESP, na Capital paulista, discutindo a importância da educação continuada para os profissionais. À mesa de abertura, o presidente da entidade, Murilo Celso de Campos Pinheiro [foto ao lado], conclamou aos presentes ajudar na formulação de propostas em defesa de um Brasil melhor para todos. “Nossos passos e ações devem ir muito além das críticas, precisamos apresentar propostas sérias e factíveis com o objetivo de garantir o desenvolvimento do País. Por isso, aqui não falamos em recessão ou crise, mas em trabalho.” O coordenador do evento, o diretor Allen Habert, observou que a CNTU é fruto da modernidade, reunindo diversos saberes que têm em comum o desenvolvimento, a defesa dos direitos humanos e da democracia.
A mesa-redonda “O direito à educação continuada” reuniu profissionais das seis categorias representadas pela confederação. Iniciando o debate, Maria Rosa Ravelli Abreu, educadora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), definiu a educação continuada como o direito de aprender ao longo da vida e apresentou um quadro histórico sobre o tema em todo o mundo que inclui lutas desde as décadas anteriores a segunda Guerra Mundial (1939-1945) até os dias atuais, criando marcos legislativos, institucionais e sociais. Abreu citou, como um dos grandes exemplos atuais, a lei francesa de 1971 (71.575) que garante esse direito aos trabalhadores daquele país. “Essa legislação, inclusive, acabou de ser atualizada à luz das mudanças dos últimos 30 anos, incluindo as inovações no ensino, as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável.” Segundo ela, a empregabilidade cada vez mais vai depender da requalificação da mão de obra. Para tanto, observa a importância da Convenção 140, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1974, que define como direito a licença remunerada de estudos.
Já no ano seguinte, 1975, informa a professora, cinco países pioneiros adotaram a convenção: Cuba, França, Hungria, Reino Unido e Suécia. O Brasil promulgou-a em 1994, todavia ainda não a implantou. Em seu artigo 1º, o documento define "licença remunerada de estudos" um período concedido aos trabalhadores, com fins educativos, por um prazo determinado, durante as horas de trabalho e com o pagamento de prestações econômicas adequadas.
Segundo ela, a CNTU constrói essa campanha pioneira ao lado da defesa de setores estratégicos, para a qualidade de vida de todos. “Essas e outras lutas têm por base a educação ao longo da vida, pois dependem, fundamentalmente, da inovação e da atualização permanentes do conhecimento.” Como um dos exemplos positivos, no País, Abreu citou a Lei 8029, de 1992, promulgada pelo governo do Estado de São Paulo, que instituiu o “Programa de Desenvolvimento Profissional e Reciclagem Tecnológica no âmbito da Educação Continuada”. O programa contempla engenheiros, agrônomos, geólogos, arquitetos, meteorologistas, tecnólogos, técnicos industriais, e técnicos agrícolas dos Quadros da Administração Direta e Indireta do Estado e prevê um mínimo de seis dias úteis por ano a serem utilizados em atividades de reciclagem tecnológica, sem qualquer prejuízo na remuneração dos profissionais.
O professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Claudemir Galvani, reforçou a importância da educação continuada ou permanente, definindo-a como um direito à cidadania. Ao mesmo tempo, criticou que a educação, no País, tenha se transformado em mera mercadoria, informando que o mercado financeiro está por trás de muitas faculdades privadas no território nacional. “A formação dos nossos jovens está nas mãos do sistema financeiro. Ou seja, o conhecimento está sendo gerado e passado dentro de uma instituição que está preocupada com o retorno financeiro dos seus acionistas.”
Para o diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), José Roberto Castilho Piqueira, sem uma boa e consistente base na graduação não tem milagre ou educação continuada que dê jeito. “O dia a dia do trabalho requer conhecimento de gestão, de segurança do trabalho, uma formação de qualidade”, informou especificamente sobre a área de engenharia. Para ele, o que se faz fora disso desprestigia a boa engenharia, que é trocada por uma planilha de Excel. “Temos de valorizar a engenharia para evitar que o capital sem regulação cause desastres, como o de Mariana (MG)”, lamentou, referindo-se ao rompimento de barreiras de rejeitos da mineradora Samarco. E acrescentou: “Se querem engenharia de alto nível tem de investir; se não querem, que invistam numa “rodovia” de rejeitos.”
Fotos: Beatriz Arruda/SEESP
Mesa de abertura do 3º Encontro Nacional da CNTU
Formação x mercado
Já a farmacêutica e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Silvana Nair Leite Contezini, ao analisar a evolução dos cursos profissionais da sua área, apresentou números que preocupam quanto à qualidade da formação, informando que hoje são mais de 450 cursos espalhados pelo Brasil, a maioria nas mãos da iniciativa privada. “Esse ensino nos preocupa porque assumiram a carga mínima de quatro mil horas.” Nesse sentido, citou o exemplo da especialização a distância em gestão de assistência farmacêutica, oferecida pela Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UMA-SUS), que, na sua segunda edição em 2015, teve mais de 1.400 concluintes na área e das cinco regiões do País.
A médica Ivone Duarte, que foi coordenadora do curso de medicina da Universidade Nove de Julho (Uninove), de 2003 a 2012, explicou a demografia da sua área no País, dizendo que a maior concentração desses profissionais se dá nas capitais e nas grandes capitais. Ela informou algumas modalidades de educação continuada no setor, como as especializações lato sensu reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC), que tem 360 horas mais monografia; pós-graduações stricto sensu (mestrado, doutorado e pós-doc) e capacitações profissionais específicas em serviço e Telessaúde.
A nutricionista Sandra Maria Chemin Seabra da Silva, coordenadora do curso do Centro Universitário São Camilo, também disse que na sua área houve um aumento considerável de cursos, citando que, de 1939 a 1996, foram criados 45 cursos, mas que de 1997 a 2015, esse número pulou para 378 cursos. “Em 18 anos tivemos esse acréscimo que acaba prejudicando o nível da formação, boa parte faz o curso na carga mínima de 3.200 horas. Disciplinas importantes para a formação do profissional, como dietoterapia e nutrição em saúde pública, têm cargas de 40 a 20 horas, o que é um absurdo”, reclamou. No caso específico da sua área, ela questiona se a educação continuada não acabaria sendo usada para preencher lacunas da formação profissional da graduação. “Na nutrição, a especialização surge como uma necessidade.”
Fechando o debate da manhã, o odontologista Celso Zilbovicius, professor da USP e diretor da Associação Brasileira de Educação Odontológica, defendeu a educação permanente para a sua categoria para ajudar na formação do profissional para o SUS, fazendo com que esse profissional conheça as necessidades de saúde da população brasileira. “O SUS tem a lógica da integralidade, da universalidade, do cuidado. Ou seja, na educação continuada será feito o que a graduação não fez.”
Zilbovicius alerta para o que ele define como a “lógica de uma modernidade capitalista” que tem entrado no SUS sem o devido debate crítico. Por isso, ele enxerga na educação continuada, como uma política de Estado, a esperança de formar profissionais que valorizem o espírito cuidador e universal do sistema, servindo de resistência às tentativas de mercantilização do SUS. “Sem dúvida nenhuma, temos o melhor sistema público de saúde do mundo, deixando para trás países desenvolvidos, como Inglaterra e tantos outros.”
À mesa de abertura do evento estava, também, o deputado estadual Carlos Neder (PT) participou, também, do evento, classificando-o como fundamental ao debate em defesa da educação continuada, informando que na Assembleia Legistiva foi formada, recentemente, uma frente parlamentar que discutirá o fortalecimento da atuação das universidades públicas federais e estaduais de São Paulo. "Estou tão motivado com essa atividade que farei um pronunciamento, na Assembleia, a respeito da campanha da CNTU", avisou.
Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa SEESP