O I Encontro de Blogueiros paulistas realizado de sexta-feira, dia 15, e a domingo, 17, na Assembléia Legislativa de SP revelou-se necessário e oportuno, juntando para troca de idéias e discussão política, muitos comunicadores deste Estado oprimido. O primeiro dia de seminário teve de tudo, até vaia para participante! E digo seminário, porque esse encontro padece do mesmo problema que vários outros processos de organização/formação que fazemos – só tem espaço para falar quem está na mesa. Na hora da “platéia” se pronunciar, o tempo é curto, estamos atrasados, pedem para se fazer apenas perguntas.
Foram quentes as pautas discutidas. Animadas pelo evento que vai reunir na próxima semana, pela primeira vez neste ano, o movimento nacional pela democratização da comunicação – o lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à comunicação, no Congresso Nacional – as lideranças que estiveram nas mesas falaram de novo marco regulatório, novas tecnologias, universalização da banda larga, militância contra a opressão da mídia. No domingo, oficinas em grupo, e a plenária final.
Cadê o Projeto da Lei de Meios?
O momento é importante, os desafios que temos não são poucos”, iniciou Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes. Ela saudou os encontros estaduais de “blogueiros progressistas” que estão se multiplicando pelo país. Além dos que já aconteceram, como no Paraná e em Mato Grosso, Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul estão com encontros convocados. Em junho, haverá o segundo encontro nacional. Como disse o blogueiro mór Renato Rovai, da Revista Fórum, na abertura do Encontro, “esta organização vai produzir alguns efeitos na construção de nossa democracia nos próximos tempos. Hoje, a mídia não consegue mais dar a agenda, existe uma disputa de pauta”.
“Desatualizada, fragmentada, contraditória”, é como Bia classifica a nossa legislação para as comunicações. Qualquer projeto para regulamentar os capítulos da Constituição, que avançam um pouco, é rejeitado pelos parlamentares, muitos deles concessionários de emissoras. “E se vivemos num cenário em que não há regras estabelecidas, ou que não cumpridas, vale a lei do mais forte ; não basta ter novo marco regulatório, não basta ter leis, se não há mobilização do povo”, afirma. Segundo a jornalista, “nos recentes diálogos com o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, pedimos urgência para colocar em discussão esse projeto na sociedade brasileira”, diz Bia, referindo-se ao “famoso” projeto deixado pelo ministro anterior, Franklin Martins, para regular os meios. “ O compromisso do governo foi que, tão logo haja uma correlação de forças necessária no Congresso, o projeto será enviado. Mas se não conhecemos o projeto, se não o discutimos, não há como mobilizar as pessoas, as organizações precisam do texto desse projeto”. Ela defendeu também o direito a banda larga para todos, sem confundi-lo com um produto de consumo. “O PNBL não está sendo construído na lógica da universalização, banda larga é um direito, não um serviço só para quem puder pagar”.
Televisão popularizou o discurso hegemônico
A disputa pelo discurso hegemônico na sociedade, passa ainda pelo rádio e pela televisão, os (de)formadores de nossas últimas gerações, e eles foram também discutidos. “Embora a internet venha para avançar a questão, ainda há muita influencia dos meios de comunicação eletrônicos mais antigos e populares”, disse Bia. Rachel Moreno, do Observatório da Mulher, numa bem humorada apresentação, falou de como os meios, sobretudo a televisão, tem nos oprimido e construído subjetividades que lhes interessam. “ A mídia alcança nós todos o tempo todo, como lazer e informação. E ela não proíbe nada, apenas nos mostra como fazer para sermos felizes”.
Para construir a sociedade de consumo globalizada que temos hoje, o capitalismo precisou pasteurizar gostos, culturas, hábitos, analisa Rachel, para vender as mesmas mercadorias no mundo todo. “Se você não é feliz, reveja o seu estilo de vida, descubra as coisas que você precisa comprar para ser feliz, ainda que o gozo seja curto e rápido”. Feminista, Rachel discorreu sobre a imagem da mulher que a mídia difunde, e sobre os modelos de beleza feminina ao longo da história. “Hoje, a gente é que tem que caber na roupa, não a roupa caber na gente”. Criaram uma geração de mulheres infelizes, segundo Rachel, mas fazem propaganda de alimentos calóricos, bebidas, e dizem estar preocupados com a obesidade precoce, enquanto vendem sutiãs com enchimento para meninas de seis anos! A invisibilidade da “gente que luta, que faz manifestação e nunca aparece” também foi comentada pela psicóloga. “Quando não dá para invisibilizar, eles ridicularizam ou criminalizam”.
“A arquitetura aberta e não-proprietária da Internet é a guardiã de sua liberdade e das possibilidades democráticas de seu uso” Sergio Amadeu
O cientista político, Sergio Amadeu, um dos maiores conhecedores deste novo mundo digital, falou sobre “a atual situação da internet , diante dos diversos ataques, as possibilidades criativas que existem dentro dela, a infra-estrutura de acesso a internet, que pode revelar a diversidade cultural”. Ele deu uma verdadeira aula, mostrando o ativismo digital pelo mundo, e o perigo de controle que alguns governos na Europa já estão fazendo, pressionados pelas indústrias do copyright e das telecomunicações. “ Não podemos nos amedrontar na utilização do espaço para a luta contra as corporações capitalistas”. Claro que exemplo tupiniquim do Ministério da Cultura com os direitos autorais foi discutido. Ele defendeu a necessidade de um marco civil para a internet, mostrou o perigo do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga) ser controlado pelo setor privado. Para o professor, é necessária uma empresa estatal para competir com as teles, e para que a inclusão digital não seja só para os ricos. “Quem controla a infraestrutura da rede, não pode controlar o fluxo dos dados que passa por ela, isso é censura!”.
Comunicação no Congresso Nacional
A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação esteve bem representada na segunda mesa, com a deputada Luiza Erundina e o deputado Paulo Teixeira, ambos de SP e integrantes da Frente. Além deles, o deputado estadual Antonio Mentor, que apresentou projeto de construção de um Conselho Estadual de Comunicação. Luiza destacou a mobilização da sociedade civil para a conquista da Confecom, e repetiu que precisamos pressionar o novo governo para que as resoluções dessa Conferência saiam do papel. Defendendo a democracia direta, a deputada acredita na necessidade do governo brasileiro fazer mais consultas ao povo, para conquistarmos as reformas estratégicas, como a reforma política e a das comunicações.
“A mídia não tem interesse em defender a democracia, fomos nós que conquistamos a pouca democracia que temos aqui”, ressaltou Luiza, que acredita na mobilização para retomarmos a bandeira da liberdade de expressão, que sempre defendemos. Ela lembrou ainda os milhões que estão aplicados no FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, e que não devem ser desviados de sua finalidade. O deputado Paulo Teixeira também acha oportuna a conjuntura para a regulação da mídia. “A vitoria nesta eleição, e a maneira como se deu, permite abrir uma janela para reformas progressistas no Brasil, como a reforma política e a regulação da mídia. Só democratizaremos a renda se mexermos nesses dois pilares, a reforma política e a comunicação, devemos mexer nesse latifúndio”.
No próximo dia 28, a Frente tem audiência marcada com o ministro Paulo Bernardo. “Queremos celeridade na regulamentação”, diz Paulo Teixeira, “temos que enfrentar o tema da publicidade para crianças, da propaganda de álcool. Espero que dia 28 ele anuncie isso”. O deputado ressaltou ainda a “mobilização popular necessária, pois fazemos legislação progressista e eles vetam a sua regulamentação. Se os projetos ficarem reduzidos ao parlamento, terão conteúdo conservador”. Passou pelo encontro, durante esta mesa, Paulo Henrique Amorim, do conhecido blog “Conversaafiada”, com uma provocação. “Onde o FHC colocou a grana no PIG? Ele disse que a mídia é comprável pelo Governo, então perguntemos como foi aplicado o dinheiro da comunicação no governo FHC”.
Desafios são imensos e diversos
A necessidade de uma educação para a comunicação foi um tema levantado por vários participantes. “Assusta-me falar com a nova geração”, disse o blogueiro Rodrigo Sérvulo. “Ela já vem ‘chipada’, as crianças cada vez mais querem ter ao invés de ser”. Falaram ainda os militantes digitais Eduardo Guimarães, Helio Paz (RS), Beto Mafra (MG), que contaram suas experiências de sucesso na militância virtual, em mesa com o professor Laurindo Leal Filho/ Lalo. “Quero estimular as pessoas a aderirem ao que vai se tornando o grande sentido da internet, e que há 15 anos atrás não existia”, disse Eduardo Guimarães, do blog Cidadania. “Para quem tinha opinião diferente da dos grandes meios de comunicação, não havia possibilidade de se manifestar”. Blogueiro emblemático na militância, Eduardo acredita muito na força do ativismo na blogosfera, e nas pessoas que divergem vencerem a impotência com isso. “Hoje, cada um de nós é um meio de comunicação. Não podemos viver num país onde se tem medo de exercer a cidadania”.
Lembrando que nossa geração é testemunha das grandes mudanças no mundo com a internet, Lalo comemorou o processo de organização dos blogueiros. "Os encontros de blogueiros que estão sendo realizados mostram uma afirmação da subordinação da tecnologia pela política. O conhecimento da tecnologia dá a certas pessoas um poder, que as distancia do resto da sociedade. Para enfrentar esse problema só a política”. Para o professor as redes e a internet podem ser um contraponto à gritante concentração dos meios de comunicação no Brasil. “Pela primeira vez a comunicação pode ser exercida sem ter um grande acúmulo de capital financeiro anterior, como os investidos nos grandes meios de comunicação. Hoje pude ver este evento pela manhã de casa (a Rede Brasil Atual transmitiu o encontro ao vivo), antes só poderia ver se as grandes emissoras quisessem”.
“Hoje na comunicação, a ciência nos coloca no mundo da instantaneidade, mas também no mundo da fragmentação, com toda a carga ideológica que esse conteúdo possa ter”, provoca o professor. “Teoria da recepção é uma farsa neoliberal”, diz Lalo, referindo-se ao argumento repetido e repetido pelos “donos” das concessões de rádio e televisão, de que “o cidadão individualmente tem poder de escolher, não é preciso mexer com as emissoras, a decisão está com o receptor”.
“Como recuperar as linhas gerais do pensamento humano, que foram apropriadas pela classe dominante, que apresenta suas idéias como se fossem as únicas?” Lalo acha que avançamos muito, mas que nosso ativismo tem sido muito individual. “O nosso desafio é construir uma narrativa coletivizada. O individualismo é intrínseco ao capitalismo, a concentração também, e neste mundo pós moderno há uma exacerbação do individualismo”. Grande desafio mesmo. “A luta contra hegemônica tem nos meios de comunicação um papel importante, e os espaços de discussão que construímos já é um grande avanço”.
Segundo Conceição Oliveira, do blog “sujo” Maria Frô, a blogosfera neste dia de debates do encontro paulista, registrou o terceiro lugar nos TTs para a tag #blogprogSP, na frente da Virada Cultural. A transmissão da @redebrasilatual levou as mesas para mais de 2.500 internautas, segundo Conceição. “Isso mostra o interesse que debates como estes provocam no país e a importância que nós, ativistas e blogueiros, ganhamos no cenário nacional”.
(Terezinha Vicente, Ciranda)
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