A radiação cósmica ionizante presente no ambiente espacial é um desafio para o bom funcionamento de equipamentos, como satélites, foguetes e sondas. Ela pode interferir nas informações geradas por componentes eletrônicos e até mesmo deixá-los inutilizados. Testar a resistência desses componentes à radiação cósmica é primordial para projetos espaciais. A tecnologia necessária para a realização de um desses testes foi dominada por pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP).
Ao longo dos últimos dois anos, esses pesquisadores têm realizado medidas para verificar a presença de Single Event Effect (SEE) em diversos componentes eletrônicos quando irradiados por íons pesados. Em janeiro, eles efetuaram com sucesso testes de radiação em FPGA (Field Programmable Gate Array, em português Arranjo de Portas Programável em Campo) que poderão ser usados em sistemas de controle de satélites brasileiros.
Esse componente será empregado para a comunicação de alta velocidade entre subsistemas de satélites usando protocolo SpaceWire, projeto em desenvolvimento por pesquisadores do projeto Circuitos Integrados Tolerantes à Radiação (Citar), uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) executada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“O projeto Citarenvolve várias instituições brasileiras para o desenvolvimento de dispositivos mais tolerantes à radiação. Nesse projeto também há grupos, como o nosso no Instituto de Física, que validam componentes eletrônicos comerciais para saber se aquele dispositivo é resistente à radiação cósmica como as empresas relatam”, afirma Nilberto Medina, professor do Departamento de Física Nuclear do IF e um dos integrantes do projeto.
Atualmente, o Brasil não fabrica circuitos integrados e o FPGA é um desses dispositivos comerciais. Ele é um processador, um conjunto de chips, que permite controlar e programar ações, como acender luzes, abertura e fechamento de compartimentos.
“O investimento para produzir um satélite é muito alto e se tiver algo errado com o dispositivo, pode comprometer todo o projeto. O Inpe está validando os dispositivos a serem utilizados no projeto de satélites. Esses testes também são realizados por empresas de fora do país, mas é muito caro. Para testar apenas um dispositivo eletrônico, custa em torno de 100 mil dólares. O fato de tentarmos dominar essa tecnologia ajuda o país, além de formar recursos humanos”, destaca o professor Nemitala Added, professor do Departamento de Física Nuclear do IF e coordenador do projeto Citar na USP.
Single Event Effect
Os testes feitos com o FPGA, no Instituto de Física, foram especificamente para verificar SEE induzido pela irradiação com íons. “Quando se coloca um satélite no espaço, ele sofre o efeito da radiação cósmica composta por muitas partículas, como prótons e elétrons e um pouco de íons pesados. Essas partículas geram danos ou problemas diferentes no componente eletrônico. Os prótons e elétrons criam defeitos que inviabilizam o uso do dispositivo. Já a passagem de um único íon pesado pelo dispositivo não o inutiliza, mas pode gerar uma informação errada. Esse problema é chamado de Single Event Effect(SEE)”, explica Added.
Segundo Medina, “os íons pesados podem alterar a informação de um bit, o que era zero pode se tornar 1, mudando a informação fornecida pelos componentes eletrônicos. Só os íons pesados conseguem fazer esse tipo de alteração”.
“A informação errada pode provocar algum dano sério utilizando o dado incorreto, por exemplo, para o lançamento de um míssil. Por isso, a necessidade de eliminar esses danos eventuais, analisando os componentes eletrônicos mais resistentes à radiação por íons pesados para obter informações mais confiáveis”, completa Added.
Os testes com radiação induzindo SEE foram feitos no Acelerador de PartículasPelletron 8UD do Instituto de Física, único no País a realizar testes com íons pesados. Na América do Sul, além desse acelerador da USP, há apenas outro na Argentina com energia suficiente para ser usado nesse tipo de estudo.
O acelerador é empregado para gerar uma partícula com energia suficiente para simular a ação de uma partícula no espaço. Assim, os pesquisadores conseguem calcular o tempo que o dispositivo resistirá à radiação cósmica. “Em poucas horas, podemos bombardear o dispositivo eletrônico com a mesma radiação que ele receberia em 10 anos no ambiente espacial”, conta Medina.
Fonte: Agência USP de Notícias