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23/05/2016

Porque o Brasil não pode abrir mão de 31 anos do MCTI

Vanderlan UNespDuas questões me levaram a escrever esta nota sobre a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações que está sendo proposta pelo Sr. Michel Temer, em exercício da presidência do Brasil, em função do afastamento da presidente Dilma Rousseff por 180 dias. A primeira foi levada por uma infinita amargura de ver que o Brasil levou 31 anos para estruturar um Ministério que mudou a cara do País. Foi só após este período que o sistema de pesquisa foi estruturado. O salto qualitativo alcançado na pesquisa básica/pesquisa aplicada em áreas estratégicas foi substancial. Apenas destaco alguns exemplos como a agronomia, bioenergia, petróleo de águas profundas, nanotecnologia, entre outras, não obstante as crises econômicas cíclicas que ocorreram neste período. A segunda vem da questão hoje em pauta nos países com economias desenvolvidas e forte atividade de pesquisa financiada pelo governo e pelas empresas: a qualidade de vida das pessoas e o nível de desenvolvimento das nações dependem da velocidade e eficácia com que estas produzem, absorvem e utilizam as pesquisas científicas, tecnológicas e as inovações oriundas de um lastro de conhecimento de excelência.

Destaco aqui alguns fatos históricos que nos remetem ao passado já que o ditado popular “brasileiro tem memoria curta” torna-se cada dia mais real nos dias atuais! Por que o MCTI não pode ser descaracterizado? Principalmente no meio de uma crise política sem precedentes, marcada pela deformidade da prática antiga do fisiologismo que contamina o Brasil.

O sistema nacional de ciência e tecnologia institucionalizado pelo Estado brasileiro ainda se encontra em consolidação. Qualquer desarranjo na sua estrutura pode causar um tremendo retrocesso de tudo que foi construído ao longo de quase 70 anos de muito trabalho. Nos anos 50, o Brasil tinha pouquíssimos cientistas e pesquisadores; as investigações científicas nas universidades eram quase inexistentes assim como uma pós-graduação estruturada. Não havia engenheiros ou especialistas envolvidos em pesquisa tecnológica em setores básicos da indústria; os parques industriais eram completamente incipientes, sem falar da ausência da cultura de inovação nas empresas.

Se a memória não me falha, na década de 20, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) propôs a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), referendado em 1936 pelo então presidente Getúlio Vargas, que recomendou a criação de um Conselho de Pesquisas Experimentais voltado para atividades agrícolas. Uma década após este acontecimento, o Almirante Álvaro Alberto propôs que a ABC intercedesse junto ao governo para a criação do CNPq. Foram muitas reuniões e discussões e mesmo assim, apenas em 1948, a ideia do Almirante Álvaro Alberto de criação do CNPq foi apresentada pelo deputado José Pedroso Júnior. No entanto, a mesma não foi bem recebida naquele momento e a criação do CNPq continuou como projeto. O trabalho de muitos cientistas sonhadores e políticos da época, que acreditavam que o país tinha que institucionalizar um sistema de ciência e tecnologia nacional continuou, e só em 1951 foi oficializada a criação da fundação do CNPq (17 de abril). Logo em seguida foi a vez da Capes (11 de julho), outra instituição fundamental para o salto qualitativo dos cursos de pós-graduação em todas as áreas do conhecimento implantadas por todas as regiões brasileiras. Estes dois acontecimentos foram muito importantes e marcaram o início do sistema de educação e pesquisa científica institucionalizada no País.

Com a criação do CNPq e da Capes, o alicerce para a pesquisa científica foi montado e bastante favorecido pela criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), Projeto de Lei no. 1.628, 20/06/1952. Outras instituições importantes para a estruturação do sistema de ciência e tecnologia foram formadas como o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (Funtec), Resolução 146, 29/05/1964, e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Decreto-Lei no 719 de 1969. Convém destacar aqui a criação da Fapesp no Estado de São Paulo, que contribuiu de forma marcante para a consolidação das agencias de fomentos em todo o país, hoje considerada uma instituição de apoio à pesquisa de classe mundial. Prevista na Constituição Estadual de 1947, só foi criada só em 1960 (Lei Orgânica 5.918, de 18 de outubro de 1960), passando a funcionar de forma perene, efetivamente 2 anos após, em 1962 (Decreto 40.132, de 23 de maio de 1962). A Fapesp é um bom exemplo de que aplicação em ciência e tecnologia é investimento, não despesa, evidenciado hoje, na força cientifica e tecnológica de São Paulo.

O processo estruturante de ciência e tecnologia em conjunção com o grande impulso dado para os cursos de pós-graduação do Brasil, ocorridos na década de 1960 foram essenciais ao que viria a ser concretizado em 15 de maio de 1985, com a criação do MCTI.

A inauguração do MCTI significou a materialização de mais que um sonho daqueles que acreditavam que a ciência e tecnologia eram os únicos instrumentos de desenvolvimento nacional. Expressou também a concretização da ciência e tecnologia brasileira de forma organizada. Renato Archer (1922-1996) foi o primeiro dirigente e simbolizou o árduo trabalho de muitos cientistas e políticos para estruturar o ministério.

Com este breve histórico chamo atenção de todos que acreditam que o Brasil não é mais aquele gigante adormecido, como poeticamente edificado em seu hino. A dinâmica das nações no mundo global cheio de desafios e incertezas exigem uma CT&I excelente e robusta em todos os campos da ciência. O Brasil não pode perder o que construiu em 31 anos de lutas. Assim, me dirijo neste momento, a sociedade em geral, as classes políticas, aos setores representativos de governo e empresários que acreditam que o Brasil tem potencial para ser uma grande nação, a refletirem sobre as questões: Como projetar o futuro que o país necessita para crescer com desenvolvimento econômico, sustentabilidade e justiça social, sem priorizar políticas partidárias equivocadas e temporais? Como pensar em acompanhar a complexidade e os desafios globais sem um sistema de ciência, tecnologia e inovação robusto, capaz de minimizar o enorme custo Brasil, provocado pela falta de tecnologia em áreas estratégicas? Como introduzir o Brasil nas ditas sociedades do conhecimento, sem um sistema sólido de educação e ciência em todos os níveis? Como tornar o conhecimento e a cultura um valor obrigatório de inclusão social permanente em todas as camadas sociais?

No próximo dia 24 de maio, às 8h45, em Brasília, será realizada a Audiência Pública para discutir a junção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério da Comunicação. Do Oiapoque ao Chuí, a comunidade científica e demais segmentos devem se mobilizar pela manutenção do MCTI, construído há 31 anos.

O breve histórico apresentado tem como objetivo mostrar o quanto custou ao País construir o MCTI ao longo de 31 anos e que hoje orgulha o Estado brasileiro pelo salto qualitativo que promoveu ao País, referência mundial em vários campos do conhecimento.

 

 

* Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diretora da Agência Unesp de Inovação e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

 

 

 

 

 

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