IPCC destaca, em relatório debatido por mais de 120 cientistas de vários países, o potencial de fontes limpas mas alerta para falta de investimentos.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) divulgou segunda-feira (9) relatório especial que aponta que as fontes renováveis podem responder por quase 80% das necessidades de energia do planeta em 2050. Para isso, no entanto, será preciso uma maior participação dos governos, com políticas públicas que viabilizem a troca dos combustíveis fósseis por formas mais limpas de produzir energia.
O relatório, discutido ao longo da última semana por mais de 120 cientistas de vários países em reunião em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, avaliou mais de 160 cenários sobre a produção e demanda de energia no mundo, dos quais foram extraídos quatro panoramas representativos para as próximas décadas.
Fontes renováveis atendem 12,9% do consumo global
No mais otimista, em 2050 as fontes renováveis forneceriam 77% das necessidades globais, ou 314 dos 407 exajoules (EJ) a serem consumidos anualmente. Já no mais pessimista, as fontes alternativas ficariam com uma fatia de 15% da demanda mundial anual de energia de 749 EJ em 2050. Em 2008, as fontes renováveis responderam por 12,9% do total da energia consumida no planeta, ou cerca de 64 dos 492 EJ gerados.
O exajoule é a medida básica usada pelos especialistas para o consumo de energia no mundo - o que inclui toda a eletricidade mais os combustíveis usados para impulsionar os meios de transporte, climatizar ambientes e preparar alimentos - e representa o número um seguido de 18 zeros de joules. Para se ter uma ideia, o terremoto de 9 graus na escala Richter que atingiu o Japão em março liberou energia equivalente a 1,41 EJ.
Segundo os cientistas, uma das maneiras de estimular a rápida adoção de fontes renováveis é acabar com os subsídios diretos e indiretos dos combustíveis fósseis, que os deixam muito baratos quando comparados com as alternativas.
- Há uma precificação inapropriada da energia, em que os combustíveis fósseis são subsidiados, fazendo com que a fontes renováveis pareçam mais caras - diz Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/ UFRJ e coordenador do capítulo sobre potencial de mitigação das emissões e custos do relatório do IPCC.
- No Brasil, muitos motoristas abastecem seus carros flex com gasolina porque veem o álcool, que tem um rendimento menor, como muito caro relativamente. O problema é que, aqui, o governo controla o preço da gasolina, mas não o do álcool. Além disso, lembra Schaeffer, os preços dos combustíveis fósseis não incorporam seus custos ambientais.
- É um custo repassado para toda a sociedade, e não só para quem consome a energia das fontes fósseis, como no caso das internações hospitalares por culpa dos altos níveis de poluição do ar - avalia.
Entre as fontes com maior potencial para ajudar a reduzir a emissão de gases do efeito estufa, mas que ainda necessitam de muitos investimentos em pesquisa, estão os oceanos, que cobrem cerca de dois terços da Terra e podem gerar energia com a força de suas marés, correntes, ondas e diferenças de temperatura e salinidade da água, destaca Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe.
Diferentemente de outras alternativas, como eólica e solar, cujos custos caíram nos últimos anos, a energia dos oceanos depende de estímulos para ser desenvolvida, diz ele, coordenador do capítulo sobre o tema do relatório do IPCC.
- E o Brasil é um candidato sério para liderar este desenvolvimento, inserindo-se no mercado internacional como exportador dessa tecnologia - acredita.
De acordo com Estefen, devido às incertezas tecnológicas as avaliações do potencial de geração de energia dos oceanos variam muito, indo de 7,4 mil EJ a apenas 331 EJ anuais.
Já Suzana Kahn Ribeiro, professora de Engenharia de Transportes da Coppe e vice-presidente do IPCC, critica o viés extremamente cientificista do relatório, cuja íntegra tem mais de mil páginas.
- O poder da economia é maior do que o da tecnologia em si e transformar um projeto piloto de qualquer fonte renovável em algo comercial é que é o pulo do gato - conta. - Iniciativas isoladas não somam uma mudança e elas precisam ser trazidas para o mundo real. É aí que entra o jogo mais pesado de políticas públicas, com medidas que mudem os custos relativos da energia. Se começarmos a cobrar os custos ambientais e sociais das várias fontes, a relação entre as tradicionais e as renováveis mudará completamente.
Suzana alerta, porém, que nem todas as fontes renováveis podem ser vistas como uma panaceia, principalmente no caso da biomassa, cujo capítulo foi uma das revisoras: - Se não tomarmos cuidado, o que era renovável pode deixar de ser. Temos que alertar para os cuidados que devem ser tomados para não esgotar essas potencialidades, como no caso da biomassa.
(O Globo)
www.fne.org.br
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