Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “2,02 milhões de pessoas morrem a cada ano devido a enfermidades relacionadas com o trabalho; 321 mil pessoas morrem a cada ano como consequência de acidentes no trabalho; 160 milhões de pessoas sofrem de doenças não letais relacionadas com o trabalho; 317 milhões de acidentes laborais não mortais ocorrem a cada ano”, quadro esse que, infelizmente, também atinge o Brasil, que figura nos anais mundiais por volta do 10º lugar em acidentes de trabalho.
Em razão desse triste quadro para a saúde do trabalhador e para as finanças do Estado brasileiro, diversas demandas judiciais são ajuizadas diariamente perante a Justiça do Trabalho objetivando a reparação por danos sofridos pelos trabalhadores (estético, material e moral), além dos pedidos de reintegração por causa da garantia de emprego prevista em cláusulas convencionais desde 1980, especialmente dos metalúrgicos, que asseguram aos trabalhadores acidentados estabilidade no emprego até a aposentadoria.
Nas lides judiciais, para aferição do nexo de causalidade e incapacidade laborativa, os juízes do Trabalho nomeiam peritos particulares para fazerem perícias técnicas. Como sabido, o perito judicial tem importante papel como auxiliar da Justiça e, por isso, deve gozar da confiança do juiz que o nomeou para auxiliá-lo em questões técnicas que não são de domínio do conhecimento do magistrado. Assim, para fazer um julgamento correto de determinadas questões, o juiz precisa do apoio desses profissionais, cuja conclusão, embora não seja vinculante, é de suma importância para a decisão judicial da questão posta em juízo, para, finalmente o julgador fazer a devida justiça.
O resultado do trabalho dos peritos tem potencial de influenciar decisivamente o juiz na formação da sua convicção, pelo que merece especial atenção a nomeação desses profissionais, a começar pelos critérios de sua escolha, que, primeiramente, tem que ser expert no tema objeto da elucidação técnica ou científica.
Na Justiça do Trabalho são muitas as questões em que o juiz necessita do auxílio de um perito, como, por exemplo, nas ações de insalubridade, periculosidade, penosidade, reintegração no emprego de acidentados e todas as ações acidentárias em face do empregador, além das ações coletivas sobre meio ambiente do trabalho.
Não tem sido fácil para a Justiça do Trabalho administrar as questões envolvendo a atuação dos peritos e respectivos assistentes técnicos, que envolvem desde a falta de peritos em determinadas comarcas até a desconfiança em alguns profissionais que não honram o importante papel de auxiliar da Justiça. Para complicar a questão da atuação dos peritos na Justiça do Trabalho, no dia 31 de maio o Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram a operação hipócritas, cumprindo mandados de prisão preventiva, condução coercitiva e busca e apreensão em Campinas e várias outras cidades do estado de São Paulo contra a investigada prática de crimes em processos trabalhistas, envolvendo perícias judiciais. Segundo o MPF, por meio de advogados e assistentes técnicos, empresas pagam suborno para peritos médicos da Justiça do Trabalho manipularem laudos em benefício delas e contra os trabalhadores. Um dos investigados é um médico suspeito de ter fraudado pelo menos cem perícias, o qual, se comprovada a denúncia, pode “pegar até 200 anos de prisão”. A operação abrangeu 20 cidades no estado de São Paulo, sendo várias delas na 15ª Região (Americana, Campinas, Indaiatuba, Jaguariúna, Sumaré, Paulínia, Valinhos).
A rede de corrupção na Justiça do Trabalho, como afirma o MPF, envolve não somente médicos peritos judiciais, mas também assistentes técnicos contratados pelas partes do processo, advogados e representantes de empresas.
As principais vítimas do esquema criminoso são os trabalhadores, que perdem os processos de insalubridade, periculosidade e, especialmente, de reintegração no emprego e de indenizações acidentárias, onde a propina pode ser maior.
No entanto, não são somente os trabalhadores que sofrem perdas, pois a Justiça do Trabalho também sai prejudicada na sua imagem, pois quem julga os processos não são os peritos, mas os juízes do Trabalho, com base em falsos laudos, nesses casos de corrupção.
O problema não é novo, e a Justiça do Trabalho deve adotar urgentes providências para coibir a continuação do esquema criminoso que envolve não todos os peritos, é preciso deixar claro, mas alguns desonrados, que vêm manchando a imagem dos profissionais honestos e da Justiça do Trabalho.
Entre as muitas soluções que serão analisadas em outras oportunidades nesta coluna, aventamos a existência de um quadro próprio de peritos selecionados por concurso público de provas e títulos, como qualquer outro servidor público, para evitar a corrupção de peritos, porque quem presta concurso tem maior responsabilidade, incorpora-se ao serviço público, faz carreira e dificilmente participará de esquema criminoso nas suas funções. A solução não será fácil, porque depende de aprovação legal, mas os resultados da operação hipócritas certamente servirão de razão e fundamento para o convencimento do TST, a quem incumbe apresentar o respectivo projeto de criação das respectivas vagas.
* Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador