Daniel Damasio Borges*
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a lei do Estado de São Paulo que proíbe a comercialização do amianto em seu território. Assim, apesar da lei federal sobre o assunto autorizar a comercialização do amianto branco, a maioria dos ministros do STF estimou que uma lei estadual poderia contrariar a norma federal e vedar tal mineral nocivo à saúde pública.
Tal decisão destoa da jurisprudência tradicional do STF. Desde o caso da lei gaúcha sobre o uso dos agrotóxicos do início dos anos oitenta, o STF decidia reiteradamente que a lei federal devia prevalecer sobre a lei estadual, em nome da preservação da harmonia e da unidade da federação brasileira. Assim, leis estaduais mais avançadas em matéria de saúde pública eram consideradas inconstitucionais, sob o fundamento da preservação da homogeneidade da legislação em todo o território nacional.
O julgamento do amianto representou, assim, um verdadeiro ponto de inflexão na Federação brasileira. Os Estados foram autorizados a editar leis sobre saúde pública mais protetivas que a legislação federal, corrigindo as falhas e insuficiências dessa última. As preocupações humanistas com a integridade física e psíquica das pessoas preponderam sobre a busca da uniformidade legislativa.
Esse caso do STF é, portanto, um convite para que os Estados aperfeiçoem e melhorem as leis federais sanitárias, editando leis mais ousadas e consentâneas com o direito fundamental à saúde. Aliás, antes mesmo da conclusão do julgamento sobre o amianto, os Estados já foram sensíveis a esse convite, ao estabelecerem, antes que as leis federais o fizessem, regras mais rígidas contra o tabagismo.
Leis estaduais mais efetivas em saúde pública podem ter impactos muito além dos Estados que as adotam. Com efeito, tais leis criam um precedente e engendram um efeito em cadeia, induzindo outros Estados e até mesmo o legislador federal a seguir os mesmos passos. Nesse sentido, convém sublinhar: o julgamento do STF sobre a lei paulista do amianto não é apenas benéfico para a população do Estado de São Paulo, mas para o conjunto da população brasileira. Em um momento em que as políticas sociais brasileiras estão sendo postas em xeque, o avanço representado por esta decisão não deve ser menosprezado. Cabe aos Estados, agora, fazer valer esse poder que lhe foi assegurado pelo STF e trazer substanciais inovações às políticas sanitárias brasileiras.
* Doutor em Direito pela Universidade Paris I (Panthéon-Sorbonne), livre-docente em direito internacional público pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Franca