Jéssica Silva e Fábio Pereira
Do jornal da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE)
Em novembro próximo entra em vigor a lei que implanta a reforma trabalhista (nº 13.467/2017), aprovada sob protestos do movimento sindical. Até lá, as entidades devem se preparar para atuar de forma ainda mais combativa. É o que avalia a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SP) da 2ª Região Ivani Contini Bramante.
Segundo ela, isso será essencial para evitar que se efetive a precarização trazida pelas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como, por exemplo, a atividade intermitente. “Para mim, é o ‘Uber trabalho’”, afirma. Conforme a magistrada apontou em entrevista ao Engenheiro, esse é um dos principais itens que podem atingir a categoria, juntamente com as alterações no teletrabalho ou home office, as regras para o alto empregado e a figura do autônomo exclusivo.
O que pode mudar na atividade dos engenheiros?
Muitos engenheiros estão migrando para o serviço autônomo. Vejo, com a flexibilização instituída, uma pejotização da classe. A lei ainda enfraquece essa forma de trabalho na figura do autônomo exclusivo, aquele que trabalha diretamente para a empresa, mas sem vínculo empregatício. Se registrado, o engenheiro pode cair na condição do alto empregado, excluído da negociação coletiva. Este é o empregado com curso superior e salário acima de dois tetos da Previdência Social, hoje em R$ 11.062,62. A reforma diz que o alto empregado pode negociar diretamente com o empregador, sem a presença do sindicato. E o que ficar acertado entre as partes vai prevalecer, inclusive sobrepondo-se à convenção coletiva, antes soberana. Considerando que o teto da Previdência não é reajustado de acordo com o salário mínimo, em dois ou três anos estamos falando que o patrão vai negociar diretamente com o trabalhador cuja faixa salarial é de R$ 8.000,00.
Nesse sentido, como fica a relação de trabalho?
A afirmativa geral no meio jurídico é de que, realmente, a reforma privilegia os poderes patronais, pois flexibiliza sem limites as formas de contratação, diminuindo a margem de ganho do trabalhador. A contratação da jornada 12 por 36, por exemplo, ficou a cargo das partes, reduzindo o poder do sindicato novamente. E no salário desse trabalhador, já se consideram remunerados domingos, hora noturna e intervalo. Supondo um serviço das 19h às 7h, a jornada noturna prorrogada (das 5h às 7h) não será paga, pois se entende que está no salário. Assim, podemos esperar mais demissões, pois o empregador não pode reduzir o salário do contrato vigente; terá que dispensá-lo, para contratar outro pagando menos.
O trabalho intermitente também reduz salários?
Sim, porque é o poder do empregador em contratar um funcionário por apenas algumas horas. E a lei não traz um limite mínimo de horas, bem como atividade específica exercida e atividade econômica da empresa. Para mim, é o “Uber trabalho”. Em outros países, o contrato intermitente só aparece em empresas cuja atividade principal é intermitente, garantindo a quantidade mínima de nove horas e havendo multa se a empresa não cumprir. É o mínimo de segurança jurídica ao trabalhador que não teremos.
Quanto ao teletrabalho, o que muda para o engenheiro que atua em home office?
A principal perda é que esse trabalhador foi retirado da regulamentação da jornada, como qualquer empregado dentro da empresa, antes presente no capítulo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Neste caso, o trabalhador pode perder remuneração por hora extra, pois não haverá necessidade de controle de jornada. Outro ponto é que as partes podem negociar quem vai oferecer a infraestrutura para o trabalho, como computador, tinta da impressora, conta da internet. Isso é aumento dos poderes diretivos do empregador, pois, nessa negociação, a empresa transfere ao trabalhador os riscos da atividade.
As alterações levam à negociação individual. O que isso causa?
Temos várias fontes do direito, e a lei é uma. O Estado fazia uma intervenção na relação trabalho-capital para evitar a supervalia da mão de obra e respeitar a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, com a participação do sindicato. Mas essa fonte do direito está sendo passada às partes. Poderemos ver prorrogação de jornada diária por decisão unilateral da empresa, por força maior ou necessidade imperiosa, não descrita na lei. Será possível negociar a demissão de forma individual, por exemplo, com acordo e verbas rescisórias de 50% do aviso prévio, da multa, do fundo de garantia. E o sindicato não vai mais fiscalizar as despedidas, pois a lei deixa opcional a homologação na entidade.
Mas e a Justiça do Trabalho?
A Justiça do Trabalho está sendo equiparada com a comum, pois o trabalhador não será mais visto como hipossuficiente. O trabalhador que entrar com ação na vigência da lei nova pode ser acusado de litigância de má-fé e pagar multa de 1% a 10% (do valor da causa), além de possível indenização fixada pelo juiz e os honorários do advogado da empresa. Se pedir adicional por insalubridade, ele arcará com o custo do perito mesmo com resultado positivo. E ainda que ele acione a Justiça gratuita, dada aos que recebem até dois salários mínimos, não é garantida isenção de pagamentos do processo. Porque, até sendo causa ganha, poderão ser descontados honorários no valor a receber. E há interpretações da lei segundo as quais se o trabalhador não pagar no processo trabalhista, o desconto pode vir em outro processo que ele tenha ganhado, em outra Justiça.
Diante deste cenário tão adverso, como fica o papel do sindicato?
O sindicato terá que se reinventar e, principalmente, negociar de forma séria e combativa para que todos os direitos que estão sendo retirados pela lei voltem às mãos do trabalhador via negociação coletiva. Serão necessárias cláusulas nos acordos coletivos que incluam todos os empregados. Existem muitos artigos que chocam com a Constituição Federal, como o trabalho das gestantes em locais insalubres. Mas precisamos ser otimistas e tentar fazer uma interpretação da nova lei à luz da Constituição.
* Publicação no jornal Engenheiro, da Federação Nacional dos Engenheiros, Edição 184, de setembro de 2017
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