Clemente Ganz Lúcio*
A desigualdade social é produto econômico do mercado capitalista. A propriedade privada da renda e riqueza, intencionalmente distribuída de maneira iníqua pelos critérios da meritocracia, é que a garante. A desigualdade aumenta a pobreza e consolida a miséria em um mundo de riqueza crescente para os poucos ricos.
Nas décadas de 1980 e 1990, a desigualdade era apresentada como um problema dos países pobres, subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. A Europa, por exemplo, consolidava, desde o pós-guerra, o Estado de bem-estar social, no qual combinava uma economia de mercado capitalista, diálogo social para regulamentar as relações de trabalho, sistema tributário progressivo para financiar as políticas publicas universais de proteção social, saúde e educação e para regular as relações sociais de produção e de distribuição.
A crise de 2008 acelerou o processo, já em curso desde os anos 1980, de financeirização de todo o sistema produtivo e dos fundamentos da economia, de redução do papel do Estado na coordenação do desenvolvimento, de restrição das políticas públicas, de reversão de sistemas tributários progressivos, entre inúmeros outros movimentos. Os rentistas e ricos retomavam progressivamente o enunciado ideológico da desigualdade como virtude divina e operavam seus mecanismos mundanos de produção e reprodução.
Os resultados concretos aparecem e são revelados por inúmeras pesquisas e estudos. Nesta semana, a Oxfam divulgou “A distância que nos une”, relatório anual que analisa a questão da pobreza e da desigualdade, mostrando que o problema se agrava.
Segundo a Oxfam, “no mundo, oito pessoas detêm o mesmo patrimônio que a metade mais pobre da população. Ao mesmo tempo, mais de 700 milhões de pessoas vivem com menos de US$ 1,90 por dia.
No Brasil, a situação é pior: apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. E mais: os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. Por aqui, uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês.
A desigualdade é uma iniquidade que exige determinação política para ser superada. De um lado, precisa de um posicionamento moral-ético a favor da igualdade, que afirme os valores do sentido social da produção econômica. De outro, requer capacidade política de aglutinar forças sociais capazes de alterar causas que geram a desigualdade desde a produção econômica, reorganizar as formas e os critérios de distribuição da renda e da riqueza, favorecer a atuação do Estado em prol da justiça tributária e pela equidade nas políticas públicas.
Um grande desafio é trazer a desigualdade para o centro da disputa no espaço do jogo social. Os ricos estão cada vez mais firmes nesse jogo, situação ilustrada, já há algum tempo, pelo megainvestidor americano Warren Buffet: “Há uma luta de classes, tudo bem, mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo a guerra e estamos ganhando."
* Diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)